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Câmera para vigiar babá flagra ação para compra de voto em Tanhaçu

Sistema de vigilância revelou um flagra de outro tipo: o prefeito e candidato à reeleição na cidade de Tanhaçu, João Francisco (PT), e mais dois correligionários em plena negociação para comprar votos

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  • Da Redação

Publicado em 2 de outubro de 2012 às 08:19

Jairo Costa Jú[email protected]

Foi para vigiar a babá que os comerciantes Josiane Martins e Jorge Paulo Lima instalaram câmeras escondidas em casa. Mas o sistema de vigilância revelou um flagra de outro tipo: o prefeito e candidato à reeleição na cidade de Tanhaçu, João Francisco (PT), e mais dois correligionários em plena negociação para obter o apoio e os votos do casal de moradores do município situado no Sudoeste baiano.

Durante quase três horas de gravação, o trio oferece como moeda de troca para conquistar o apoio do casal promessa de aprovação em concurso público e a possibilidade de vitória em uma licitação para fornecer alimentos. O vídeo revela ainda indícios de pagamento em dinheiro para que os comerciantes virassem aliados na disputa pela prefeitura da cidade.

A prática, de acordo com o Artigo 41-A da Lei Eleitoral (9.840/99), é enquadrada como crime de compra de voto. A  legislação proíbe “o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição”. 

O material a que o CORREIO teve acesso foi gravado nos dias 8 e 10 de setembro, através de uma câmera instalada na sala da residência do casal, com o objetivo de monitorar a babá que cuida de três filhos de Jorge e Josiane. Os primeiros minutos do vídeo mostram a chegada do prefeito João Francisco, acompanhado de dois empresários conhecidos na cidade como integrantes da linha de frente da campanha do petista à reeleição: Cláudio Magalhães e Jairo Matos.

Por volta das 17h do último dia 8, os três começam a conversar com o casal. O diálogo é quase que exclusivamente sobre a disputa entre João Francisco e seu adversário na cidade, Jorge Teixeira da Rocha, o Dr. Jorge, candidato do PSD apoiado pelos dois comerciantes. Uma hora depois, começam as investidas para que ambos mudassem de lado na briga eleitoral.

No trecho do vídeo registrado a partir de 18h40, o prefeito intensifica as investidas: “O que é que a gente poderia fazer?”, indaga João. “Você que manda”, diz Josiane, tratada todo o tempo como Jô. Jairo Matos, que afirma nas gravações ser coordenador de campanha, intervém e pede para que Jô fale. Novamente, o prefeito entra na conversa: “O que é que a gente podia fazer pra gente não cair novamente no erro, né?”.

Em seguida, Jô deixa claro que cabe ao grupo do prefeito fazer uma proposta. “A gente tá com os ouvidos aqui pra escutar, depois a gente analisa”, afirma. Matos insiste que é Jô quem deve “falar”, posição reforçada logo depois pelo prefeito: “Minha filha, em que a gente pode lhe ajudar, pra corrigir... e a gente continuar juntos?”.

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Propostas Poucos segundo depois, vem o primeiro aceno do prefeito ao casal. “A gente pode dar um jeito em alguma coisa. O que é que eu faço? Eu vou ter que fazer licitação, porque quando faz licitação, não tem nepotismo, não é? Alimentação, mesmo, eu posso fazer licitação e pronto, continua mesmo, de todo o jeito”, diz o prefeito.

A proposta tem a ver com o ramo em que o casal trabalha em Tanhaçu, onde possuem dois restaurantes: o Cozidão e a Cabana Beira-Rio. A referência ao nepotismo se dá pelo fato de que o vice-prefeito da cidade, Galego, é cunhado de Jorge, marido de Josiane. Por conta da ligação familiar, Jô teria sido demitida do cargo que ocupava na prefeitura, quando estava grávida de seis meses. Desde então, deixou de apoiar o prefeito.

Nos minutos seguintes, Matos e João Francisco continuam pedindo para que o casal diga o que quer para trocar de lado. “Mas aí, como diz o outro, quem tem que propor é o dono dos gados, né? Que tá por cima”, reafirma Jô. “Não, de jeito nenhum”, rebate o prefeito. “A gente tem que ouvir”, insiste Jô. “Porque talvez eu fale uma coisa que, talvez, é uma coisa que vocês não querem”, diz João. Jô não cede: “Não, mas um exemplo: vocês falam, certo? E aí a gente vai analisar”.

Na última sequência de imagens captadas no dia 8, o prefeito e Matos pedem que, caso o apoio se consolide, a aliança seja firmada publicamente como uma coisa que mostre que a família do casal está unida na decisão. No fim, o prefeito deixa claro que haverá concurso público para provimento de cargos na prefeitura e garante que “vai dar um empurrão” para ajudar a comerciante.

Dois dias depois, as câmeras instaladas na residência do casal registram o retorno de Jairo Matos e Cláudio Magalhães, por volta de 11h30. O prefeito não está presente ao novo encontro, bem como Jorge, marido de Jô.

Depois de conversarem sobre os motivos que levaram os comerciantes a deixar a base de apoio de João Francisco, Matos diz: “Vai dar as coisas (sic) tudo certinho agora, não tem como dar errado. Eu conversei com João, o que é que vai acontecer? Vai (trecho inaudível) tudo aquilo que ele lhe falou, entendeu?”

Nesse momento, Matos e a comerciante se levantam e deixam o campo de filmagem, mas é possível ouvir o diálogo entre os dois através da captação feita pelo microfone da câmera. Matos afirma a Jô: “Ói, o que a gente tá fazendo aqui não é coisa imediatista, é coisa pra o futuro. Entendeu?”. A promessa é reforçada por Cláudio Magalhães, que ainda relembra a negociação envolvendo o concurso público para a prefeitura, previsto para janeiro de 2012.

Dinheiro Matos pede ainda o número dos documentos da comerciante e, sem deixar claro sobre o que está propondo, diz que vai ver a possibilidade de liberar “este mês ainda”. Depois, Jô pega sua bolsa, de onde retira um pacote, e começa a contar cédulas na frente dos dois correligionários do prefeito. É quando Matos fala: “Aí tem 80 cédulas”, deixando escapar que sabia da natureza do conteúdo. 

Nos minutos seguintes, discutem sobre como será anunciado o apoio ao prefeito e apertam as mãos. Matos diz a Jô que a decisão foi acertada, “porque a gente tem certeza da eleição. Se fosse hoje, era dois mil votos de frente”.

As imagens obtidas pelo CORREIO foram acompanhadas de um laudo assinado pelo perito criminalista Antônio César Moraint Braid, engenheiro eletrônico especializado em fonética forense e audiovisual. No documento, ele descarta a existência de montagem e edição na gravação.Prefeito diz que vídeo é armação e foi forjadoO prefeito de Tanhaçu e candidato à reeleição, João Francisco (PT), disse ser vítima de armação de um grupo político do qual é adversário na cidade e classificou o vídeo como uma farsa, em entrevista gravada por telefone.

“É uma prova forjada que estão fazendo contra mim, uma montagem, estou até entrando hoje (ontem) na Justiça contra o candidato que armou isso contra mim. Em momento nenhum eu comprei voto ou ofereci dinheiro”, afirmou o prefeito, para quem o resultado da perícia técnica feita sobre o material não tem a “menor credibilidade”.

Segundo a versão apresentada por ele ao CORREIO, a comerciante Josiane Martins teria encontrado o empresário Jairo Matos, que também aparece nas imagens conversando com o casal, e pedido um encontro com o prefeito. Ele contou que não quis ir à residência do casal, devido à possibilidade de armação, mas acabou convencido por Matos.

“Primeiro, foi uma prova forjada, uma câmera escondida para armar contra a gente. Estou preparado para me defender”. João Francisco nega que tenha oferecido aprovação em concurso e direcionamento de licitação para favorecer  restaurantes do casal em um contrato futuro relativo ao fornecimento de alimentos ao município.

“Ele (Jorge Paulo Lima) me falou sobre comprar na mão dele. Disse que tinha que fazer licitação, porque não faço nada direcionado. Se ele ganhasse, a gente compra (sic) da mão dele”, explica o prefeito, garantindo ainda que só aceitou se reunir com o casal pelas ligações entre Jorge Lima e seu vice-prefeito, Galego, marido de uma irmã do comerciante.

Questionado se o empresário Jairo Matos tem autorização para negociar em seu nome, o prefeito negou peremptoriamente, apesar de admitir que ambos são amigos. Sobre os R$ 4 mil que Josiane diz ter recebido de Matos como parte do acordo para apoiá-lo, João Francisco afirmou: “Eu não estava presente, eu estava ausente. Não vi, não sei o que aconteceu”.

Segundo o prefeito, a comerciante é “uma pessoa que age apenas em proveito próprio” e que está  movida por interesses políticos. “Todo mundo sabe da vida dela aqui”. O petista afirmou que o grupo , liderado por Dr. Jorge (PSD), seu adversário na disputa em Tanhaçu, já tentou outras armações contra ele, inclusive forjando um dossiê, mas que as acusações não foram levadas adiante.

Comerciantes revelam detalhes sobre acordoAo CORREIO, o casal responsável pelo vídeo e pela acusação de compra de voto contra o prefeito de Tanhaçu detalhou sua versão para os encontros gravados nos dias 8 e 10 de setembro. “A gente tinha montado (as câmeras) para vigilância pessoal nossa. Nós saímos de casa e só voltamos à noite. Então, temos esse sistema para segurança das crianças, que ficam com a babá (o casal tem três filhos pequenos)”, relatou Josiane Martins.

Segundo a comerciante, no dia 7 de setembro ela foi procurada por Jairo Matos, aliado do prefeito João Francisco. Na ocasião, garantiu, Matos disse que queria se reunir com o casal. “Ele me ofereceu a reunião dizendo que João tava muito triste, que sentia falta da gente no grupo, que era pra sentar, ver o que tava acontecendo por causa do afastamento, para a gente se unir de novo”.

Ainda de acordo com Josiane, ela estava ressentida com o prefeito desde que havia sido demitida da prefeitura, em meio a uma gravidez de seis meses. Josiane disse ter conversado com o marido, Jorge Paulo Lima, para aceitar a reunião.

A comerciante reafirma que, durante o encontro, a licitação foi objeto de acordo, assim como a promessa de uma ajuda para aprovação em concurso público, além de garantias de que a prefeitura pavimentaria a rua onde está situado um de seus restaurantes. Josiane afirmou ainda que foi Matos quem ligou oferecendo ao casal R$ 4 mil.

Ela contou que, após as duas reuniões, ela e o marido decidiram denunciar o caso. “Falei para Jorge: ‘vamos pegar essa gravação, vamos levar para o Fórum, vamos denunciar, entregar na mão de gente que sabe o que vai fazer com ela”, relatou.

Segundo ela, o caso já foi levado à Justiça e ao Ministério Público Eleitoral. “O dinheiro (80 cédulas de R$ 50) não foi usado, está à disposição da Justiça”, acrescentou. Jorge Lima negou ainda motivação eleitoral por trás da gravação. “Nós temos filhos para criar, que exemplo vamos dar pra eles? Onde é que está a dignidade das pessoas para aceitar determinada situação. Nós não somos mercadoria”, declarou. Por conta do episódio, ambos vieram vestidos com camisetas que, segundo eles, simbolizam um movimento contra a compra de votos na cidade.