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Daniel Aloísio
Publicado em 31 de outubro de 2020 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
É impossível contar quantas vidas foram salvas pela baiana Simone Barreto em 14 de julho de 2016. Por volta das 22h40 daquela noite, um caminhão invadiu a Promenade des Anglais, avenida de 7 quilômetros em Nice, no sul da França, e atropelou centenas de pessoas reunidas no local para comemorar o Dia da Bastilha. Durante o ataque terrorista que deixou 86 mortos e mais de 400 feridos, Simone abriu a porta de sua casa para abrigar e proteger os cidadãos franceses. A história de heroísmo da baiana foi contada por sua irmã Solange Barreto ao jornalista Osmar Marrom Martins, colunista do CORREIO. Quatro anos se passaram e, na quinta-feira (29), Simone foi uma das vítimas do atentado à basílica de Nice. >
De acordo com testemunhas, a forma como Simone morreu pode ter contribuído para que o ataque não fizesse muitas vítimas. É que após ser ferida por golpes de faca, ela correu, mesmo ensanguentada, em direção a um restaurante quase em frente à catedral, onde tentou se abrigar. A cena chamou a atenção das pessoas, que informaram à polícia. Ao chegar ao local, policiais balearam o autor do atentado, identificado como Brahim Aouissaoui, um tunisiano de 21 anos, que chegou à França em 9 de outubro, procedente da Itália. Ele está hospitalizado. >
“Simone era chefe de cozinha e bastante religiosa, não é à toa que morreu dessa forma. Sempre alegre, seu sorriso de baiana linda, que amava a vida, era encantador”, lembra o amigo Adilson Rodriguez, brasileiro que vive em Paris há quase 30 anos e criou na capital francesa a festa baiana ‘Lavagem da Madeleine’, da qual Simone participava. “Ela morreu dizendo que amava os filhos, segundo as testemunhas”, afirmou Adilson. Simone era apaixonada pela Bahia, segundo os amigos (Foto: arquivo pessoal) O atentado ocorreu às 9h da França (6h da manhã, em Salvador) e Simone só faleceu uma hora e meia depois de ter sido ferida. Ela tinha nacionalidade francesa e deixou três filhos, um marido francês, e quatro irmãs - três que moram na Europa e uma que vive na Rua Pedra Branca, no Lobato, subúrbio de Salvador. Foi lá que Simone nasceu, cresceu e viveu até 1995, quando foi buscar melhores oportunidades de vida fora do país. >
De acordo com a amiga de infância, Nelcy Ataide, os pais de Simone já são falecidos e quase toda a família dela vive no exterior. “Antes de morrer, a própria mãe de Simone tinha se mudado para a França e só ficou a irmã mais velha. A última vez que ela veio aqui na Bahia foi em 2013, mas teve que voltar logo por causa dos filhos”, disse. >
Além das três irmãs, três primas e um sobrinho de Simone vivem na França. Nenhum deles quis falar com a reportagem. Segundo Adilson Rodriguez, os familiares foram orientados pela polícia francesa a não darem detalhes da vida pessoal, por questão de segurança relacionada ao estado de alerta vivido pela França após o atentado. >
Baianidade à francesa Segundo Tonho Matéria, ex-vocalista do Araketu e amigo da família, quando Simone foi morar na França para mudar de vida, outras duas irmãs já estavam pela Europa: Bárbara, que já foi rainha do Araketu, e Solange, responsável pela realização da festa de Iemanjá em Nice. >
Na década de 1980, as duas irmãs integravam um grupo de dança chamado Tropical Brasil, que se apresentou em muitos lugares da Europa. “Esse grupo espalhou muita gente da dança e da capoeira no mundo inteiro. Duas irmãs dela ficaram e, enquanto foram se estabelecendo, outras pessoas da família foram partindo, inclusive Simone”, disse. “Naquela época, o sonho de todo jovem era ir pro exterior, ganhar dinheiro lá e construir uma casa aqui no Brasil para a família. Eu também tive a oportunidade de ir, mas minha mãe não deixou. Elas eram do Lobato e eu sou do Pau Miúdo. Hoje, são essas pessoas que promovem eventos e espalham a cultura brasileira lá fora”, destacou Tonho Matéria. Isso é tão verdade que Simone realizava com a família, desde 2012, o Festival Cultural Brasileiro "Fête (festa) de Yemanja Nice". O evento acontecia anualmente e só não foi realizado em 2020 por causa da pandemia da covid-19. A festa é feita em parceria com a Prefeitura de Nice e a associação Brasuca Show. O colunista do CORREIO já participou do evento em 2016 e conheceu pessoalmente a família Barreto. >
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“É incrível como eles conseguiram fazer uma festa bem parecida com a que ocorre em Salvador. Eu estou impressionado”, disse o jornalista Osmar Marrom Martins à TV francesa, na época. Este ano, em uma reportagem exclusiva para assinantes, Marrom contou a história da irmã de Simone, Solange Barreto, e de outros baianos que levaram as festas populares da Bahia para o mundo. Em 2016, Solange recebeu o Prêmio Berimbau de Ouro pelo evento realizado e seu trabalho de ajuda aos brasileiros que vivem no exterior. Simone era o braço direito da irmã. >
Nesse sábado, 31, a família vai se reunir na Église Saint-Pierre-d'Arène de Nice, a Igreja de São Pedro, das 14h às 20h. “A família Barreto estará presente para receber com todo amor e carinho os amigos e familiares de Simone Barreto”, disse Rita de Cássia, prima de Simone, em um comunicado oficial.“A nossa família não será a mesma sem o seu sorriso. O que mais nos encantava e alegrava os nossos dias era este sorriso. Vai em paz, prima... sentiremos muito a sua falta e da sua alegria contagiante”, disse Rita em um texto publicado numa rede social. Mensagem de homenagem foi publicada numa rede social (Foto: reprodução) Na sexta-feira, 30, uma missa em homenagem às vítimas do atentando, além de Simone morreram mais duas pessoas, foi realizada com a presença dos familiares. Ainda não há informações sobre o enterro da baiana, que pode, inclusive, acontecer em Salvador, caso o governo brasileiro ajude a família no translado do corpo e dos familiares que estão na Europa.>
Segundo Adilson Rodriguez, amigo da família, essa definição deve demorar pelo menos uma semana. >
* Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro>