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Da Redação
Publicado em 17 de dezembro de 2019 às 07:04
- Atualizado há 2 anos
Uma megaoperação da polícia baiana e do Maranhão foi deflagrada na manhã desta terça-feira (17) com o objetivo de combater ações criminosas da facção Bonde do Maluco (BDM). A operação acontece duas semanas após a morte de Zé de Lessa, líder e fundador do BDM, que foi morto em confronto com a polícia do Mato Grosso do Sul.
O Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) deflagrou a operação que conta com cerca de 450 policiais civis, militares, técnicos e rodoviários federais que ocupam áreas nos dois estados.
As equipes cumprem mandados de prisão e de busca e apreensão contra a organização criminosa envolvida com tráfico de drogas, roubos a bancos (entre os ataques está a subtração de R$ 100 milhões em Bacabal, no Maranhão, em novembro de 2018), homicídios, corrupção de menores, entre outras atividades ilícitas.
Em Salvador, os bairros de Pirajá e Parque São Bartolomeu foram priorizados, na Região Metropolitana as ações se concentram no município de Simões Filho e, no interior, na cidade de Conceição do Jacuípe.
Pelo menos três alvos foram identificados - um deles é o líder da BDM no bairro de Pirajá, João Teixeira Leal, o Jão, baleado num flat na Orla de Jardim de Alah, em Salvador.
Participam do trabalho integrado equipes das polícias Civil (Draco, DIP, COE, DHPP, Depom, Depin, Polinter e DCCP), Militar (Graer, Bope, Choque, Apolo, Águia, Bepe, Cavalaria, Coppa, Beptur, Gemeos, Cipes PI e LN, além dos Batalhões Rodoviário e de Guardas), do Departamento de Polícia Técnica (DPT), da Superintendência de Inteligência da Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Secretaria de Administração Penitenciária.
BDM Um dos cinco grupos criminosos mais atuantes na Bahia, e considerado o mais violento, o Bonde do Maluco (BDM) surgiu em 2015 no pavilhão V do Presídio Salvador, no Complexo Penitenciário da Mata Escura. Liderada pelo assaltante de banco Zé de Lessa, nasceu como uma ramificação da facção Caveira, comandada por Genilson Lima da Silva, o Perna. A investida contra a facção se acirrou em 2017, quando em agosto foi morto em confronto com a polícia Marcelo Batista dos Santos, o Marreno.
A origem exata do BDM, dentro do presídio, é um tanto incerta. Porém, a facção começa a despontar no fim de 2015, justamente quando Zé de Lessa já está foragido. Inicialmente, ela fora criada para desviar atenção da facção Caveira, de quem era uma ramificação.
O promotor Edmundo Reis, da Unidade de Monitoramento de Execução, acompanha o sistema prisional e a movimentação das facções. Ele explica que todo o esforço do estado estava concentrado na manutenção de Genilson Lima, o Perna, no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. “Portanto, surge o BDM, como forma de atrair essa atenção. Ele (Zé de Lessa) sempre foi aliado de Perna e passou a ter uma atuação marcante com esse desmembramento da Caveira em BDM”, afirmou. Hoje, o BDM saiu da Bahia. Já está em pelo menos outros dois estados: Sergipe e Alagoas. Era em Maceió, por exemplo, que vivia Marreno. Morto em confronto com a polícia em agosto do ano passado, Marreno era o número 2 do BDM e atuava como líder da facção no estado.
Segundo o delegado Fábio Marques, da Polícia Federal, uma das características do BDM é justamente o fato de que, quando os líderes passam a ser procurados pela SSP-BA, mudam de estado.
Desde a morte de Marreno, porém, além da própria família, é difícil apontar quem seja o maior responsável pelo BDM na Bahia, e agora na ausência de Zé de Lessa. "Tem alguns nomes, como Colorido (Antônio Dias de Jesus); Rafael (Almeida de Jesus), que está preso; Cristiano (da Silva Moreira), que está foragido. A gente não sabe quem é de fato o líder do BDM hoje", explica o delegado da PF Fábio Marques. Ao contrário da maioria dos acusados de tráfico de drogas que dominam o noticiário, Zé de Lessa era mais velho. Aos 55 anos, teve um destino diferente da maioria dos jovens que perdem a vida em confrontos ligados ao tráfico de drogas. “Pela idade, ele persistiu, porque muitos foram morrendo. Acho que ele durou muito tempo também porque ficou muito tempo preso. Desses todos, quem ficou mais tempo preso foi ele. Nunca correu muitos riscos estando fora como os outros”, pondera o delegado Cleandro Pimenta. Além disso, o promotor Edmundo Reis destaca que os supostos líderes e ex-líderes de facções criminosas brasileiras também não são jovens. É o caso de Fernandinho Beira-Mar (Comando Vermelho), com 51 anos; Marcola (PCC), com 50; Claudio Campanha (CP), também na casa dos 50, e do próprio Perna. “São pessoas encasteladas pelo próprio crime”, diz o promotor.
Perfil empreendedor O BDM, como explica o professor Luiz Cláudio Lourenço, um dos coordenadores do Laboratório de Estudos Sobre o Crime e a Sociedade (Lassos) da Universidade Federal da Bahia (Ufba), tem espírito “empreendedor”. Esse tino para os negócios – mais do que a Caveira e bem mais que o Comando da Paz – pode ter sido determinante para a ascensão da facção.
E essa é uma característica que parece ter vindo do próprio Zé de Lessa. “Ele teve muito contato com o pessoal do PCC (Primeiro Comando da Capital). Tem histórias até de que ele foi batizado como ‘irmão’. Mas o que a gente sabe é que ele foi parceiro de negócios e acredito que tem a ver com isso”, explica o professor. “Irmãos” são como se chamam os membros do PCC, que pagam até mensalidade na facção paulista. Além de respeitar o estatuto do PCC, é preciso ter sido indicado por dois membros e ter “mérito” (como se destacar em uma rebelião em presídio, por exemplo).
O PCC evita confrontos e disputas territoriais em toda a sua estrutura – dos grandes líderes até a base. Na Bahia, porém, mesmo no BDM, a base é violenta e os confrontos são constantes. Essa diferença se explica, segundo o professor Lourenço, pela forma como a qual as facções foram constituídas na Bahia – a exemplo do Comando da Paz e da Caveira como dissidência.
Já o PCC, como ele destaca, nunca quis atuar no varejo, no estado. A eles, não interessa vender na rua, direto para usuários. O objetivo sempre foi fornecer drogas para as facções locais. Essas, por sua vez, têm em comum o fato de terem nascido em presídios. E esse não é um fenômeno isolado: ali estão pessoas que já trabalhavam em rede e não vão ter dificuldades em se articular lá dentro.
“Existem coisas também como o próprio contato com presos de São Paulo, que já vinham se articulando há mais de dez anos, aliado com as mazelas, com o próprio perfil de quem está se prendendo, que são pessoas que trabalham dentro de uma lógica de rede. Tudo isso favorece a formação desses grupos”, pondera Lourenço.
Além disso, existe uma falácia sobre o encarceramento, como destaca o professor: a de que ele serviria como fator de isolamento. “Isso nunca existiu aqui no Brasil e existe em pouquíssimos lugares do mundo”.