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Conheça o baiano que encarnou a missão de burocratizar os trâmites da Secretaria Especial da Cultura do governo Bolsonaro
Da Redação
Publicado em 5 de março de 2022 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
Ele tem 36 anos, é católico, casado, gosta de ser chamado de "Capitão Cultura", mas se define como soldado e fã do presidente da República, a quem chama com explícito entusiasmo de "cara". Nomeado secretário nacional de Incentivo e Fomento à Cultura, em setembro de 2020, o soteropolitano André Prociuncula Alay Esteves virou notícia, em janeiro deste ano, por conta de uma viagem a Los Angeles, nos Estados Unidos, onde passou cinco dias, ao custo de R$ 20 mil. "Eu fui bastante econômico. E a tentativa disso aí [as denúncia] é assassinato de reputação, de inviabilizar a política pública", afirma ele, em entrevista exclusiva ao CORREIO.
Ele conta que a sua nomeação visou dar um choque de gestão burocrática em algo que estava muito desorganizado, caótico, e afirma que o primeiro ponto feito foi trazer a Lei Rouanet para a cultura real. "Se produzia uma cultura artificial. Eles [a oposição] nos acusam de sermos ideológico quando na verdade estamos tentando resgatar a cultura desse palanque político", enfatizou Prociuncula, para acrescentar: "Cheguei aqui tinha R$ 13 bilhões aplicados e não se sabia se esse dinheiro realmente tinha ido para a cultura. A gente começou um processo de saneamento".
André Prociuncula iniciou a carreira na Polícia Militar da Bahia, em 2005, fruto da aprovação no Curso de Formação de Oficial. O tempo seguiu, avançou na PM, e "se tornou do um gestor público", que define como consequência do cargo, já que precisa lidar com questões burocráticas. Na corporação, foi promovido a tenente e finaliza a carreira como capitão. Atuou por anos como chefe de Coordenação de Inteligência de diversas regiões; chefe de Corregedoria Setorial; chefe da seção de Planejamento Operacional; instrutor chefe e coordenador de ensino do curso de Formação e Aperfeiçoamento de Praças. Bacharel em Direito pela Universidade Salvador (Unifacs), suas referências intelectuais são TS Eliot, Chesterton e Olavo de Carvalho.
Em setembro de 2020, nasce o "Capitão Cultura". No novo cargo, conta com remuneração de R$ 16.944,90. "O pessoal é muito infeliz quando faz a crítica e diz que o governo Bolsonaro entende a cultura como algo a ser destruído. Pelo contrário. A cultura é o alicerce, o pilar fundamental da nossa civilização".
Como aconteceu sua saída da carreira policial para o segundo mais alto cargo da Secretaria Nacional da Cultura? Foi indicação? Foi uma soma de fatores. Há uma dificuldade muito forte e uma confusão porque as pessoas falam que tem um PM na Cultura. As pessoas acham que um sujeito vai para a Cultura fazer a 5ª Sinfonia, vai pintar a Capela Cistina. Não é isso. A ação governamental exige qualificação em Administração Pública. Pouca gente entende, mas o lugar de oficial da PM dá essa qualificação. E minha formação jurídica também dá um upgrade no trato com a máquina pública, sobre políticas públicas. Me especializei em Direito Público justamente por conta da minha atividade lá na polícia. Independente da atividade finalística, burocracia é burocracia. Essa confusão conceitual, a ideia de que o sujeito para estar na Cultura tem que ser um artista, quando na verdade é o universo oposto. O sujeito tem que entender da burocracia.
Qual foi a proposta para sua presença no cargo? Dar um choque de gestão burocrática em algo que estava muito desorganizado, caótico. Por isso que nenhuma das arguições sobre a minha capacidade técnica prosperou na Justiça. Eu provei que preenchia todos os requisitos técnicos exigidos pela lei. Essa confusão conceitual denota um pouco de preconceito. É fruto de um elitismo cultural. O sujeito que normalmente é artista, principalmente as celebridades, eles veem com arrogância os sujeitos comuns, as pessoas simples, e acreditam que essas pessoas são inabilitadas de exercer os cargos na atividade cultural. É como se ele fosse um sujeito ungido e ele que tivesse o direito quase divino de exercer essas atividades. As críticas são a representação do preconceito. Essa coisa meio oligárquica e elitista. É uma bobagem tremenda.
Como é essa relação de ser ‘o braço direito de Mario Frias’. É uma relação restrita ao trabalho ou vai para outros campos da vida? O Mario para mim hoje é um irmão. Minha relação é quase familiar. Foi construída aqui [na Secretaria]. Mário me escolheu por causa do currículo e pela necessidade dele de lidar com alguém capacitado para as burocracias. Eu sempre gostei muito de ler sobre cultura, entender sobre o que é cultura, sempre escrevi muito e dei preferência a questões políticas da cultura. Isso fez que tivesse amizade dentro do âmbito político. Meu currículo veio parar aqui junto com outros. Mario entrevistou várias pessoas e gostou de mim.
Como avalia o seu trabalho à frente da Secretaria? Quais as principais mudanças implementadas? O primeiro ponto feito foi trazer a Lei Rouanet (Lei 8.313/1991) para a cultura real. Se produzia uma cultura artificial. Eles nos acusam de sermos ideológico quando na verdade estamos tentando resgatar a cultura desse palanque político. Ter trazido a cultura para, de fato, as praças das pequenas cidades, para o povo real, para a população comum que já não enxergava mais na atividade cultural um espelho de suas tradições, dos seus valores. Havia um elitismo na atividade da Secretaria de Cultura. O agente cultural era um revolucionário que precisava dar uma lição de moral na sociedade retrógrada e que eles precisavam trabalhar essa sociedade, trazer conceitos mais evoluídos, conceitos progressistas. Isso é uma visão arrogante que ignora todas as tradições do homem comum. Deixamos de ter a visão de que a Secretaria da Cultura é um sindicato de classe. Não estamos aqui para representar os artistas. É um órgão de Estado, voltado para política pública de Estado, que deve alcançar o povo em sua concretude e não uma classe específica. Creio que a questão do agente burocrático foi muito positivo. Cheguei aqui tinha R$ 13 bilhões aplicados e não se sabia se esse dinheiro realmente tinha ido para a cultura. A gente começou um processo de saneamento. Não há possibilidade de política pública sem a certeza de que o dinheiro alcance o impacto na sociedade. Não existia isso nas antigas gestões porque era muito desorganizado burocraticamente. Mudamos a lei, começamos a olhar para o artista iniciante que nunca tinha tido vez. Começamos a olhar para entregas reais, como a construção de patrimônio histórico tombado. Isso mostra que a crítica não é realmente do quanto de dinheiro estamos aplicando, mas em que estamos. Como a gente não está sustentando aquela oligarquia cultural de celebridades, não está bancando grandes artistas para falar bem do governo, isso está gerando grandes desavenças. Tiramos dinheiro das atividades meio para as atividades fins. [Por meio da Rouanet, empresas e pessoas físicas podem patrocinar espetáculos – exposições, shows, livros, museus, galerias e várias outras formas de expressão cultural – e abater o valor total ou parcial do apoio do Imposto de Renda].
´Capitão Cultura´, imagem publicada pelo secretário nacional de Fomento à Cultura em suas redes sociais
Poderia dar um exemplo do que diz ser a ‘cultura real’? Nosso patrimônio histórico. Um exemplo simples de Salvador. Quanto equipamento histórico de Salvador caindo aos pedaços? Quantos prédios históricos, que representam não só a tradição, a cultura, mas a forma de ser do nosso povo. É a expressão dessa coisa que chamamos de ideia de nacional. Está ali naquela arquitetura, naquela arte produzida e que foi abandonada porque muito se imperou dentro da Lei Rouanet a lógica de marketing. As grandes empresas aplicavam recursos visando ter o máximo de retorno de marketing. O gestor não se preocupou em impedir isso, em criar ferramentas burocráticas que forçasse as grandes empresas a aplicar em cultura sem esse interesse. Era muito melhor para as empresas aplicar em grandes artistas, projetos e eventos que dessem visibilidade para o marketing pessoal da empresa. Veja que a gente começou a focar em patrimônio histórico, em restauro, em profissionalização artística. Quando você forma o sujeito, você entrega cultura real com resultado para a sociedade. Isso é muito mais impositivo do que colocar R$ 50 milhões em um show de Ivete Sangalo, R$ 30 mil em um show de Chico Buarque.
Quem são suas referências intelectuais? Nesse aspecto da cultura em si eu tenho dois grandes pilares. Primeiro, TS Eliot, que é um poeta inglês fantástico. Ele tem um livro maravilhoso chamado ‘Notas para a Definição de Cultura’. Ele traz uma compreensão de cultura como a forma de crer e se comportar de um povo. A relação entre cultura e culto. Ele entende que a cultura é muito mais do que a atividade laboral artística. É toda forma de expressão de uma civilização. Todo o comportamento em sociedade é um comportamento cultural. O que reverbera naquela crítica de que eu sou um capitão e não entendo de cultura. É impossível eu não entender porque eu sou um produto da cultura. Outro cara que eu gosto muito é o Eric Voegelin. Um filósofo alemão, que fugiu da Alemanha nazista perseguido pelo regime. Ele tem uma compreensão muito bela da cultura, um pouco mais filosófica que a do Eliot. Algo que percebemos como uma ordem cósmica no universo. Veja como é basicamente isso, como o artista reproduz nesse elemento de criatividade o elemento de ordem em que Deus reproduziu a própria criação. Outro autor que eu gosto muito é o Chesterton. Para mim a cultura é o ápice.
Há muita crítica ao governo em relação às mudanças feitas na área cultural. O pessoal é muito infeliz quando faz a crítica quando o governo Bolsonaro entende a cultura como algo a ser destruído. Pelo Contrário. A cultura é o alicerce, o pilar fundamental da nossa civilização.
E o Olavo de Carvalho, você se considera um discípulo dele como costumam associar? Olavo não tem discípulos. Olavo para mim é o maior filósofo brasileiro do século XXI e sem dúvida também um dos grandes do século XX. Ele também marcou profundamente, intelectualmente, não nego isso a ninguém. A crítica da mídia maestra é simplista, que reduz Olavo a um culto, uma seita, uma coisa caricata. É uma tentativa de assassinato de reputação. Mas Olavo não tem discípulo porque ele nunca se propôs ser um evangelizador. O maior impacto de Olavo na minha vida, por exemplo, não foi na política. Foi nas expressões de minha fé católica. Eu pude entender e intelectualmente a fé. A mídia maestra está muito limitada e reduzida à política partidária e caba reduzindo toda ação social como ação política partidária.
Você é um católico praticamente, de ir às missas e seguir os rituais? Eu costumo dizer que não existe outro tipo de católico. Como pode ser católico e não ser praticante? Pratico todos os ritos da minha fé. É impossível não praticar. Você já viu um umbandista não praticante? Não é possível. A fé não é só um estado subjetivo, é uma ação. O próprio Verbo se fez carne e articulou-se na palavra falada justamente por isso. Não há fé sem prática.
E seu futuro político? Há decisão sobre disputar cargo eletivo? Há uma discussão se eu vou sair como deputado federal na Bahia. Não vou me pronunciar que vai acontecer porque tudo depende do presidente da República. Eu sou um soldado dele, um secretário dele. Se ele mandar, vou. Se disser ‘faça isso’, faço. Depende de terminar os trâmites aqui. Até o final de março para saber e sendo assim eu vou me desincompatibilizar.
Numa situação hipotética, sendo eleito pela Bahia, quais seriam suas bandeiras de trabalho na Câmara? Se acontecer, são as mesmas bandeiras que eu tenho aqui. As mesmas plataformas do presidente. Eu acho que deixei isso muito claro no processo de moralização das coisas públicas, de preservação dos valores sociais, da família, direito de porte de arma, todos esses marcos e valores que capitanearam a campanha do presidente.
Como é sua relação diária, a convivência com Bolsonaro e os filhos? Eu sou um fã do presidente. Quando eu vou à sala dele, o Mario fica dizendo que é a única vez que eu dou risada. Fico como um fã mesmo. O presidente é um cara fantástico. Admiro muito por ser um cara simples. Nunca fui de ser fã de grandes celebridades, mas o presidente, por encarnar essa natureza simples e humilde, eu tenho admiração natural por ele. Ver ele no mais alto poder e não ter se corrompido, não ter se deslumbrado. Chego lá e canso de ver na sala dele comendo pastel na simplicidade, com o jeitão dele, sempre faz uma piada, sempre bem humorado. Está lá o peso do mundo em cima dele e ele ali... Vejo nele a figura daquele tio amigo do churrasco, que você adora está junto, que se diverte com as piadas. É isso que eu vejo no presidente. Que tem fé, simples, que tem valores, que acredita em Deus. Com os filhos minha aproximação é maior com o Eduardo. Uma relação de amizade. Frequento a casa, admiro por ser uma pessoa simples. Conheço Carlos, Flávio. André Porciuncula ao lado do presidente da República, Jair Bolsonaro, e do secretário nacional da Cultura, o ator Mario Frias (Foto: Arquivo Pessoal) Em momentos da nossa conversa você usou o termo ‘eles’. Quem são ‘eles’? Eu não gosto de personalizar o debate. Quando eu falo eles, quando falo de oligarquia, é aquela pequena elite de 10% de grandes empresas, grandes artistas que monopolizaram o recurso. Eu não gosto de fulanizar o debate político em respeito á pasta em que eu estou. Essa elite financeira que dominava os recursos públicos. Sujeitos que entendiam que a secretaria era seu caixa eletrônico. Chegava aqui, pedia um dinheiro.
Tivemos a negativa ao Festival de Jazz do Capão aqui na Bahia, que acabou envolvendo também o escritor Paulo Coelho, foi judicializado. Por que o recurso foi negado? Pegaram o parecerista, não fui eu que fiz o parecer... Ele fez uma citação de Bach, que falava sobre Deus. Uma citação nunca é em si a justificativa para algo. A mídia puxou a citação e funcionou como se fosse a justificativa para ser recusado o projeto, o que é ridículo. A justificativa é muito clara. O sujeito fez propaganda que ia fazer um festival antifascista e pela democracia. Ninguém aqui vai achar que o fascismo era algo bom ou desejado. É uma ideologia de esquerda abjeta. A Lei Rouanet é de incentivo a cultura. Ele não fez a propaganda que faria um festival de jazz. Fez que faria um festival antifascista e pela democracia, ou seja, ia fazer um evento político. A Lei Rouanet não pode financiar eventos políticos, da mesma forma que não pode financiar jornalismo, esporte e nenhuma atividade alheia a cultura. Ele não se deu ao trabalho nem de recorrer da decisão. Correu para a imprensa, entrou uma ação fraquíssima na Justiça para dizer que estava sendo perseguido e não se preocupou em fazer o esclarecimento na Secretaria de Cultura que não era um evento político e, sim, um festival de música.
Os custos da sua viagem a Los Angeles tiveram bastante repercussão. O que você tem a dizer sobre o assunto? Narrativa política pura e simples. Eu gastei R$ 20 mil. Convertendo para o dólar US$ 5,55 para ficar cinco dias em reuniões a trabalho com a Câmara de Comércio de Los Angeles, com o setor produtivo do audiovisual, com o setor da própria Embaixada. Estava viajando a trabalho. Para entender o que é isso, R$ 20 mil por US$ 5,50 dá US$ 3.500 para cinco dias, sendo que US$ 1.900 foi de passagem aérea. Significa que eu tive pouco mais US$ 1 mil e pouquinho dólares para passar cinco dias pagando hospedagem, alimentação e transporte. Eu fiquei em um Airbnb, dividindo quarto justamente para ser econômico. O custo total da minha viagem não era nem um diária de hotel nos antigos governos do PT. Eu fui bastante econômico. E a tentativa disso aí é assassinato de reputação, de inviabilizar a política pública. O retorno da minha viagem é um acordo com A Câmara de Comércio Los Angeles e Brasil com a estimativa de retorno de investimento de US$ 5 milhões. Um programa para atrair capital privado americano para investir nas startups culturais brasileiras. Gastei US$ 3.500 numa viagem com essa estimativa de retorno. É uma palhaçada o que a mídia está fazendo. Eu vou pedir direito de resposta.