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Abaixo a intolerância: terreiros tombados levarão casos de desrespeito à ONU

Reunião no Terreiro do Gantois definiu ação coletiva; subprocuradora geral da República participou de encontro

  • Foto do(a) author(a) Amanda Palma
  • Amanda Palma

Publicado em 4 de outubro de 2017 às 06:30

 - Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO
. por Foto: Marina Silva/CORREIO

Os terreiros de candomblé e o Coletivo de Entidades Negras (CEN) estão se organizando para levar os casos de intolerância religiosa à Organização das Nações Unidas (ONU). Na Bahia, somente este ano, foram registrados 13 casos de intolerância religiosa, de acordo com dados do Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela. De 2013 até hoje, foram 98 casos.

Em agosto deste ano, um terreiro foi invadido no bairro da Liberdade por policiais durante uma operação da Polícia Militar. Uma porta foi quebrada e outros instrumentos da casa foram danificados.

No mesmo mês, em Lauro de Freitas, um terreiro sofreucom vandalismo. No local, foram feitas pichações com a mensagem ‘O sangue de Jesus tem poder’, além de um folheto de divulgação do Congresso das Testemunhas de Jeová, onde se lia: ‘Nãodesista!’.

Ontem de manhã, no Terreiro do Gantois, a Comissão dos Terreiros Tombados da Bahia se reuniu com a subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat. O objetivo do encontro foi discutir maneiras de se federalizar os casos de intolerância no Brasil e como manter as investigações sobre esses episódios.

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Segundo o coordenador do CEN, Marcos Rezende, advogados de alguns estados estão se organizando para levantar os dados de intolerância religiosa e denunciar os casos, além de responsabilizar o Estado brasileiro pela omissão aos casos de intolerância religiosa no país.

“Estamos coletando dados do Rio Grande do Sul, Pernambuco e São Paulo para apresentar uma denúncia na ONU e na OEA (Organização dos Estados Americanos), na Corte Interamericana sobre esses tipos de violência e também na ONU, para responsabilizar o Estado brasileiro por omissão”, explica Rezende.

Para o estudante Matheus Maciel, 24 anos, que é filho de Oxalá e de um terreiro que já foi alvo de intolerância, a melhor saída para pôr fim aos casos está na concretização das leis 10.639 e 11.645, que obrigam o ensino da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. “A ONU serve ao mesmo modelo de estado que faz a exclusão. A concretização dessa lei já seria um bom começo”, afirma.

‘Racismo religioso’ Para Rezende, os casos de intolerância são explicados pelo racismo religioso. “Temos visto uma sistemática violação dos nossos direitos e estamos tentando denunciar isso de todas as formas”, pontuou o presidente do CEN, durante a reunião.

Já a ialorixá Mãe Carmem, que comanda o Terreiro do Gantois, disse que os casos de intolerância precisam acabar: “As pessoas tratam o candomblé como se fosse uma coisa sem importância, mas o candomblé é uma potência. Isso vai ter que acabar, o mundo é nosso e é preciso ter respeito”, afirmou.

Ogã da Casa de Oxumarê, o professor da Ufba André Luiz Nascimento também citou que os casos de violência são negligenciados. “Assim como os casos de violência, temos as políticas públicas negligenciadas, como as de salvaguardas dos terreiros e todas as burocracias para os tombamentos dos terreiros”, disse.  Federalização  Apesar do intuito de federalizar os casos, a subprocuradora Deborah Duprat acredita que os procedimentos necessários podem dificultar o andamento das investigações. “A federalização de casos de intolerância religiosa está longe de ser uma boa estratégia. Tem que ser de um caso específico, ou a chance de derrota é muito grande”, explicou.

Para ela, tratar cada episódio de violência terá mais eficácia no âmbito jurídico. “Eu acho que é muito difícil nós tratarmos todas as coisas de uma maneira global. Cada caso vai ensejar um tipo de resposta diferente”, pontuou.

Terrorismo no Rio No encontro, foram relatados também os casos de intolerância religiosa nos terreiros do Rio de Janeiro, quando homens armados obrigaram pessoas a quebrar a estrutura das casas religiosas. Deborah Duprat afirmou que esses casos podem ser considerados terrorismo.

“A situação do Rio de Janeiro, entendo como um caso de terrorismo, com pessoas armadas invadindo os terreiros e obrigando as pessoas a quebrar tudo. Estamos vivendo um momento muito difícil”, disse a subprocuradora.

Representantes de casas religiosas do Rio também participaram do evento, lembrando que os terreiros que são menores têm sido alvos constantes dos ataques. Um dos representantes lembrou o Decreto Municipal 43.219/2017, assinado pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB).

Segundo representantes de entidades, o documento determinava que todas as práticas religiosas fora dos templos deveriam passar por aprovação da prefeitura. A medida causou polêmica entre as lideranças de religiões de matriz africana e várias manifestações aconteceram. A prefeitura voltou atrás na decisão e disse que a medida não iria afetar as práticas religiosas.

Atuação do MP Deborah também citou o desconhecimento dos próprios órgãos públicos que acabam cometendo intolerância, a exemplo dos TACs firmados pelos Ministérios Públicos estaduais para evitar poluição sonora dos terreiros nas celebrações.

“É o próprio desconhecimento dos órgãos, que vem muito do preconceito com as religiões. Existe um tratamento diferente para as religiões majoritárias. Se faz um TAC para reduzir o número de atabaques nos terreiros, mas não para controlar os sinos de uma igreja”, pontuou. Duprat lembrou da importância de chamar o Ministério Público para atuar de maneira mais intensa nos casos de intolerância.