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Fernanda Santana
Publicado em 15 de janeiro de 2019 às 02:00
- Atualizado há 2 anos
O fogo seguiu Pojuca durante toda a noite de 31 de agosto de 1983. Pela manhã, três vagões da Rede Ferroviária tombaram e derramaram milhares de litros de gasolina e óleo diesel. Os combustíveis da morte foram armazenados nas casas para, às 20h, explodirem na tragédia que matou 99 e feriu 100 pessoas. Todos queimaram como objetos. É a mais letal tragédia da Bahia.
Trinta e cinco anos depois da primeira grande tragédia veiculada no jornal, Silvia Nascimento, então repórter, lembrou fatalidades como essa.“Me impressionou. (...) É como se víssemos os mesmos erros nos mesmos lugares”, contou Silvia.É como se todas as fatalidades fossem anunciadas. A força da chuva sobre as encostas sem contenção, por exemplo, provocou cinco das 10 maiores tragédias levantadas pelo CORREIO. E os morros seguem em risco. O da Boa Vista do Lobato, na Avenida Suburbana, de onde caiu o Motel Mustang, em 1989, continua, diz a Defesa Civil, uma área vulnerável.
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O fogo novamente causou tragédias. A explosão de uma fábrica irregular em Santo Antônio de Jesus, em 1998, matou 38 pessoas. Nos Alagados, em Salvador, um incêndio deixou 500 famílias desabrigadas.
Nestes 40 anos, vimos parte da Fonte Nova cair, em novembro de 2007, e como sua interdição teria evitado sete mortes. Foi o último ato da Fonte, implodida em 2010.“Cartolas esqueceram da torcida”, escreveu o repórter Eduardo Rocha. Numa manhã de agosto de 2017, a lancha Cavalo Marinho I virou e transformou-se na maior tragédia desta década. A agonia de famílias destroçadas na Baía de Todos-os-Santos será uma das memórias em que o estado vestiu o luto. Mais uma.
Língua de fogo: fogo matou 99 pessoas em Pojuca Não se sabe se uma lâmpada acesa ou o riscar de um fósforo transformou Pojuca, na Região Metropolitana de Salvador, numa imensa fogueira. Por volta de 7h30 do dia 31 de agosto de 1983, um comboio ferroviário com 22 vagões descarrilou. Fluíram pela cidade 135 mil litros de gasolina e diesel, depois estocados em casas da região. Seriam vendidos no dia seguinte. As crianças, de bicicleta, foram as principais transportadoras. Às 20h30, do local encharcado pelos combustíveis, irromperam as chamas. População corre para armazenar gasolina e óleo diesel derramado pelo trem (Foto: Lourival Custódio/Arquivo Correio) A língua de fogo, como definiu um morador, lambeu a todos. Quinze casas foram instantaneamente destruídas, 200 pessoas ficaram feridas. De uma lagoa que serviu de abrigo para os primeiros desesperados, Maria viu criança correr com o corpo em chamas. Três dias depois, o Ministro dos Transportes já havia atribuído a culpa da tragédia à Rede Ferroviária Federal, responsável pelo trem. Daquela noite até o dia 16 de setembro, foram 99 mortes e um sem-número de desabrigados naquela que é considerada a principal tragédia dos últimos 40 anos na Bahia.
Fogo sobre as águas: 500 desabrigados nos Alagados (Foto: Almiro Lopes/Arquivo Correio) Os moradores de Alagados, no Subúrbio de Salvador, não acreditavam, de início, na gravidade do incêndio. Tanto assim que muitos saíram de suas próprias casas para ajudar os vizinhos ao verem parte das palafitas em chamas. Quando perceberam, já era tarde: mais de 100 barracos já haviam sido consumidos pelo fogo. Talvez até os bombeiros tenham duvidado do desfecho do incêndio iniciado às 13h do dia 6 de janeiro de 1998 após um acidente com um botijão de gás.
Chegaram no bairro quando 407 pessoas de 111 famílias viam uma parte de suas vidas virar cinzas. Não houve água suficiente para conter o fogo, alastrado facilmente entre as casas de madeira suspensas por estacas. As famílias foram amontoadas em uma escola no fim de linha do Uruguai. Saíram de lá menos de um mês depois para retornar, sem as condições adequadas.
Barril de pólvora: depósito irregular de pólvora matou 38 (Foto: Arquivo CORREIO) Os filhos decidiram vir ao mundo quando as mães estavam prestes a deixá-lo, em 11 de dezembro de 1998. Foram levadas em trabalho de parto às pressas ao Hospital Luís Argolo, em Santo Antônio de Jesus. A explosão de três depósitos ilegais de pólvora reuniu em torno do Instituto Médico Legal e do hospital grupos de familiares, amigos, conhecidos. O fogo parou a cidade.
Todas as salas da unidade foram ocupadas. As vítimas, 74 de 100 trabalhadores, precisaram ser transferidas para o Hospital Geral do Estado, em Salvador. As mortes, confirmadas a cada hora, chegaram a 38. Os corpos queimados, exibidos em fotografias na matéria de página dupla do dia seguinte, relembravam o acontecido em Pojuca. O fogo da negligência havia queimado, novamente, dezenas de inocentes.
Água da destruição O primeiro estrondo foi ouvido às 15h30 do dia 10 de maio de 1985. A aldeia de pescadores, onde vestígios do movimento hippie dos anos 60 ainda resistiam, logo ficou completamente submersa. A Barragem Santa Helena, em Camaçari, havia rompido em questão de segundos. Os dias de chuvas em Salvador e na Região Metropolitana já ameaçavam ultrapassar a capacidade da barragem, com 400 metros de comprimento e 17 de altura. Por isso, o governo do estado iniciou o processo de retirada dos moradores. (Foto: Gildo Lima/Arquivo Correio) Os que ficassem poderiam sentir a fúria da água, sob a qual ficaram submersas cerca de 100 casas - as famílias saíram para não morrer. A estimativa é de que cinco mil pessoas tenham ficado desalojadas. Muita gente retornou dois dias depois, quando o volume da chuva e da água tinha caído. Os prejuízos, no entanto, chegaram a 100 bilhões de cruzeiros. A barragem, que utiliza águas do Rio Jacuípe, foi reconstruída, em 1999, pelo governo do estado.
Sem chão: tragédia no último ato da Fonte Nova O Ministério Público havia solicitado um pedido de proibição de uso da Fonte Nova um ano antes daquela trágica noite de 25 de novembro de 2007, justamente quando o Bahia comemorava o retorno à Série B. A disputa entre o tricolor e o Vila Nova estava nos 40 minutos do 2º tempo. Apenas quem estava perto ouviu a gritaria. Parte da arquibancada superior acabava de desabar sobre a área externa do estádio. Sete pessoas tiveram a morte confirmada imediatamente e mais de 60 ficaram feridas. (Foto: Antonio Saturnino/Arquivo CORREIO) No campo, os torcedores depredavam o gramado. Lá fora, uma multidão rodeava os corpos à espera de respostas. Na matéria do dia seguinte, o então repórter do Correio e ex-presidente do Bahia Marcelo Sant’Ana escreveu matéria em que narrava as falhas do estádio, já expostas em relatórios. Foi o último ato do Estádio Octávio Mangabeira. No dia 28, a decisão: a Fonte seria implodida. Antes, laudo do Conselho Regional de Engenharia determinou a falta de manutenção e infraestrutura como causas. Mais uma fatalidade anunciada.
Motel no chão: 30 mil toneladas caíram sobre Motel O cliente estava no banho quando ouviu a porta tocar. Era Maria, a camareira, que gritava para o hóspede do Motel Mustang abandonar o quarto. Segundos depois, 30 mil toneladas de terra do morro de Boa Vista do Lobato soterraram o hotel, na noite do dia 19 de maio de 1989. A chuva incessante daquele mês já havia deixado 45 mortos em toda Salvador, enquanto mais de 30 pessoas deveriam estar soterradas em pontos como Canabrava, Calçada e Suburbana. (Foto: Arquivo CORREIO) As nove vítimas fatais do soterramento e as toneladas de barro morro abaixo tornaram-se o retrato da falta de qualquer infraestrutura nas comunidades. Na tarde anterior, a portas fechadas, a esposa do proprietário do Mustang e o gerente discutiam os riscos de não isolar o hotel. Na noite seguinte, os dois estavam mortos. Ainda hoje corre o boato de que uma garota, no motel sem conhecimento dos pais, morreu sem ter sido encontradas.
Abismo fatal (Foto: Antenor Pereira/Arquivo Correio ) Os bombeiros foram chamados com urgência. Por volta das 12h do dia 30 de maio de 1995, receberam a chamada: desabamento de toneladas de terra no São Gonçalo do Retiro teria soterrado 80 pessoas. Quando chegou ao local, experiente em tragédias como a do Motel Mustang, o tenente-coronel do Grupo de Busca desabafou. “Realmente esta é ainda maior”, falou. Era, de fato, a maior tragédia das duas últimas décadas. Famílias inteiras dizimadas.
No Bar da Judith, tradicional ponto de disputas de dominó, sequer um cliente conseguiu fugir. Os três dias de busca resultaram em 32 mortes. Os bombeiros e vítimas dividiam-se entre dois medos. Mesmo com a iminência de um novo desabamento, moradores não saíam de casa. Alegavam o temor de saqueadores que já começavam a agir. Os resquícios materiais da tragédia eram apagados aos poucos. No dia 29 de junho, 11 casas foram demolidas. Nas escolas transformadas em abrigos, crianças brincavam com os destroços. As casas caíam, as memórias ficavam.
As tragédias do Barro Branco Tragédia em 1996 se repetiu em 2015 (Foto: Arquivo CORREIO) No ano de 1996, Maria das Graças, do barraco onde morava com a família, viu a força da chuva tirar a vida de seis sobrinhos. As encostas do Barro Branco foram encharcadas por 12 horas até que caíram sobre dezena de casas a mataram 13 pessoas. Dona Maria precisou continuar no Barro Branco. No mesmo barraco, viveu uma nova tragédia. Tudo aconteceu quando a comunidade ainda dormia, no dia 27 de abril de 2015. Foram 300 toneladas de terra, que tiraram a vida de outras 11 pessoas.
Os moradores acompanharam o resgate das vítimas sob a terra. Eram pelo menos 500 desabrigados. Os comandantes do Corpo de Bombeiros choravam a cada resgate, como choravam as outras Marias do Barro Branco. Não se sabe se pela dificuldade da busca, pela tristeza ou pelo receio de um terceiro capítulo da história das tragédias.
Chuva até demais: tempestade em Lajedinho deixou 200 desabrigados e 16 mortos A população de Lajedinho, na região da Chapada Diamantina, rezava pela chuva há meses até que a água caiu numa velocidade nunca esperada. Em março de 2013, o governador Jaques Wagner colocava 214 cidades baianas em situação de emergência pela seca. Cinco meses depois, a emergência eram as casas, carros, animais e pessoas arrastados pela chuva. A chuva começou por volta das 22h do dia 7 de junho de 2013. Primeiro, agradeceram. Depois, completo desespero.
Os telhados serviram de abrigo enquanto a água subia pelas paredes das casas. O Rio Saracura havia transbordado em questão de minutos. No dia seguinte, já eram 11 mortos, seis desaparecidos e 200 desabrigados. Os moradores precisaram ser abrigados nas escolas sobreviventes ou seguiram, os que podiam, para casas de parentes em outras cidades. Somente um ano depois, a reconstrução da cidade foi iniciada. 202 casas destruídas, 16 mortos e 840 desabrigados. A área comercial foi 90% destruída. O prefeito de Lajedinho, Antônio Mário Lima, concluiu o levantamento dos prejuízos causados pela forte chuva: cerca de R$ 28 milhões.
Cavalo Marinho (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO Dez minutos atrás, a lancha Cavalo Marinho I deixava para trás o Terminal de Vera Cruz. Rapidamente o tempo mudou. E, segundos depois, todos estavam no mar. A lancha havia adornado nas águas. Eram 129 passageiros e quatro tripulantes na luta pela vida na Baía de Todos-os-Santos, pouco depois das 7h da manhã do dia 24 de agosto de 2017. A falta de uma lista de passageiros dificultava a identificação de todos. Os próprios moradores foram os primeiros salvadores das vítimas. Alguns conseguiram voltar a nado para Mar Grande. Muitos não.
Foram 18 mortes confirmadas ainda naquela tarde, na maior tragédia já registrada no mar baiano. Mortes como a de Davi. Aos 6 meses de vida, seria levado a uma consulta médica quando a embarcação virou. Tornou-se o símbolo de um dos dias mais trágicos da Bahia quando, já sem sinal de vida, era carregado por um socorrista do Samu que tentava lhe devolver a respiração. Em setembro deste ano, o proprietário da lancha e o comandante se tornaram réus no Tribunal de Justiça pelas mortes.