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Thais Borges
Publicado em 15 de dezembro de 2024 às 02:00
Dentro da embalagem, o pó parece o mesmo - branco como a creatina ou, talvez, com o cheirinho característico do whey protein (a proteína do soro do leite). O problema é que o conteúdo pode ser bem diferente do que foi anunciado. Nas últimas semanas, a recomendação de suspensão de venda de marcas de whey protein e a apreensão de creatinas falsificadas levantou uma urgência entre os consumidores dos suplementos esportivos ou medicinais: encontrar formas de evitar produtos adulterados ou falsificados.
Isso significa que escolher o suplemento para comprar vai muito além de buscar o preço mais em conta. Cair em uma armadilha pode levar a riscos graves à saúde e, em alguns casos, à morte, como alerta a nutricionista Edneia Passos, professora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).
"Tudo que a gente ingere vai passar pelo corpo, principalmente pelo trato intestinal. Logo, todo tipo de formulação, que inclui os suplementos, passa pela via metabólica e do fígado. Existem casos já registrados de comprometimento hepático, sem falar de qualquer outro grau de intoxicação. Quando você consome um produto que não sabe a procedência, o risco de intoxicação é muito grande", explica a professora e nutricionista.
Na semana passada, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) anunciou que nove sites brasileiros deveriam suspender a venda de 48 marcas de whey protein até o último dia 6, por suspeita de adulteração. Já nesta semana, contudo, o prazo foi dilatado até o dia 3 de janeiro.
No entanto, esse está longe de ter sido o último caso de problemas com suplementos. Em outubro, 18 marcas de creatina tinham sido reprovadas em um teste de pureza conduzido pela Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri). Em novembro, uma fábrica de creatina foi interditada pela polícia em Jundiaí (SP) por supostamente não ter licença para produzir suplementos. A fábrica pertence a um casal de influenciadores conhecidos como "os reis da creatina".
Em um contexto em que a suplementação chega a quase seis em cada 10 lares brasileiros, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad), o consumo do gênero passou a ir além daqueles que usam para potencializar atividade física. "Com os estudos recentes, a gente abriu esse leque e tem suplementação para pacientes com cirurgia bariátrica e até pacientes por câncer, apesar de o público voltado para a atividade física ainda ser o maior", diz a médica endocrinologista Laís Aguiar, professora do curso de Medicina da Unifacs.
Riscos
Atualmente, de acordo com a Abenutri, os suplementos mais vendidos no país são as creatinas, o whey protein e aqueles vendidos como ‘pré-treino’ - ainda que, oficialmente, não exista nenhum medicamento oficialmente registrado com este fim na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O uso dos autorizados no país é off label (ou seja, fora das indicações da bula e por conta e risco do profissional de saúde que o prescreveu). Além desses, especialistas consultados pela reportagem citaram especificamente a cafeína (que compõe muitos dos pré-treinos), as vitaminas, o ômega 3, a glutamina e o BCAA.
"Nos últimos anos, a prática de atividades físicas se popularizou no Brasil, especialmente em academias e esportes de rendimento. Com isso, os suplementos passaram a ser vistos como ferramentas para otimizar os resultados, como aumento de massa muscular e emagrecimento", afirma a nutricionista Ana Paula Goulart, especialista em nutrição esportiva e professora do curso de Nutrição da Unijorge.
Essa popularidade levou também ao aumento das vendas e do surgimento de muitos produtos no mercado. Nos últimos anos, esses itens passaram a ser alvo de adulteração e falsificação. A adulteração mais comum, segundo o presidente da Abenutri, Marcelo Bella, é a remarcação da data de validade e mudança do lote, para que o consumidor não consiga rastreá-lo quando for reclamar aos serviços de atendimento ao consumidor das empresas.
De acordo com ele, algumas companhias sequer têm esse serviço porque são empresas de fachada. "No caso também de produtos adulterados, nós encontramos empresas que modificam a formulação e não informam, na sua rotulagem, essas modificações, colocando substâncias que muitas vezes são danosas à saúde", pontua. Outros problemas comuns são o descaminho (que é o contrabando ou roubo de carga) ou a falsificação. Neste último cenário, empresas clandestinas imitam produtos de sucesso de marcas conhecidas, mas não têm nenhuma ligação - e nem a mesma formulação - com os produtos originais.
Para a nutricionista Carolina Dias, da CD Clinique, é preciso haver um cuidado não apenas com marcas desconhecidas, mas com produtos com preços muito abaixo do mercado. "Infelizmente, suplementação não é algo barato. A gente está introduzindo algo no nosso organismo diariamente. O que estamos dando ao nosso corpo? Por isso, devemos desconfiar de produtos muito baratos, de marcas desconhecidas e de sites desconhecidos. Em geral, as marcas boas sempre vão estar nos congressos, por exemplo. Tem que ser o mais cauteloso possível", orienta ela.
Uma vez que todo suplemento também é um produto industrializado e farmacêutico, uma das primeiras medidas para conferir a segurança do item na hora de comprar é conferir se há uma certificação da Anvisa, segundo a nutricionista Edneia Passos, da Bahiana.
"Algumas falsificações até colocam o carimbo com o certificado do órgão (na embalagem), mas no site da Anvisa tem como buscar a referência e saber qual é realmente a situação daquele produto - se está suspenso, se está proibido. É importante fazer essa verificação sempre", enfatiza. Para conferir a situação de um suplemento na Anvisa, basta acessar o Sistema de Consultas do órgão (no https://consultas.anvisa.gov.br/#/).
Só em 2023, o mercado de suplementos alimentares no Brasil movimentou US$ 10 bilhões. Em 2024, esse montante aumento 8% - e a previsão é de continuar nessa tendência de crescimento até 2030, segundo o presidente da Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri), Marcelo Bella.
De acordo com ele, esses números são motivados pelo aumento do interesse da população por opções saudáveis e por mais qualidade de vida. O ramo das academias, que já chegam a 34 mil unidades em todo o país, também têm crescido cerca de 10% a cada ano. "As pessoas, após a pandemia da covid-19, ficaram mais conscientes de que precisam mudar seus hábitos, a fim de melhorar sua saúde e não terem problemas de doenças graves e tentando evitar, ao máximo, o número de contágio dessas doenças", diz.
A Abenutri foi entidade que enviou ao governo federal o estudo que levou ao anúncio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) para a suspensão de 48 marcas de whey protein. Representando algumas dessas marcas, a Associação Brasileira dos Fabricantes de Suplementos Nutricionais e Alimentos para Fins Especiais (Brasnutri) emitiu um posicionamento defendendo que a proibição é infundada.
Segundo a entidade, o laudo produzido pela Abenutri é de 2022 e analisou produtos que não são comercializados atualmente. "É importante reforçar que os laudos divulgados pela Abenutri não seguem padrões técnicos ou regulatórios estabelecidos pelos órgãos competentes e não são chancelados pela Anvisa", afirmam, em nota.
O presidente da Brasnutri, Bruno Busquet, pontua que, antes de escolher um suplemento, é preciso buscar orientação de médico ou nutricionista para avaliar se há real necessidade de suplementação. "Além disso, é essencial adquirir os produtos em canais confiáveis e autorizados pelas marcas, para garantir a sua qualidade. Essa prática reduz o risco de comprar suplementos falsificados ou fora das normas", diz ele, que destaca que a confiança no profissional que prescreveu o produto é igualmente importante.
"Antes de adquirir qualquer suplemento, também é necessário pesquisar a reputação da empresa que oferece o produto. Verifique há quanto tempo ela atua no mercado, sua credibilidade e como é avaliada pelos consumidores. Consulte plataformas como o Reclame Aqui ou outros órgãos de defesa do consumidor para identificar possíveis reclamações e entender o histórico da empresa", acrescenta.
Uma das campeãs em consumo no Brasil, a creatina auxilia na regeneração da fonte de energia nos músculos, o que leva a exercícios mais intensos e com mais força. Uma das formas de atestar a qualidade de uma creatina é conferir se ela tem o selo ‘Creapure’, como explica a nutricionista Ana Paula Goulart, professora da Unijorge. Creapure é uma marca alemã que indica a pureza do suplemento.
"Suplementos como a creatina devem ser inodoros, de coloração branca, parecendo um açúcar refinado. Se tiver uma coloração mais escura ou amarelada, pode ser um sinal de adulteração. Não é normal sentir gosto de creatina. Se o paladar perceber a substância doce, há o risco de presença de maltodextrina ou outro tipo de açúcar na composição", ensina.
Há um teste caseiro que pode indicar a presença de amido de milho - um dos produtos mais comuns para adulteração. É possível adicionar água e gotas de iodo ao pó branco: se ficar amarelo, é creatina; se ficar escuro, tem amido acima do limite. Esses testes, contudo, não detectam outras substâncias.
"Se a creatina ficar sem dissolver, pode ter certeza que ali tem outros ingredientes e não é só a creatina pura", pondera a nutricionista Carolina Dias. A legislação brasileira estabelece que produtos aprovados podem ficar 20% a mais ou a menos do índice de pureza permitido.
O whey protein é um dos suplementos em que há maior receio de falsificação, contrabando ou alterações no rótulo, como explica a médica endocrinologista Laís M. Aguiar, professora da Unifacs.
"A primeira coisa importante é saber de onde estou comprando aquele whey. Tem que ser em lojas autorizadas, credenciadas ou nos sites oficiais das marcas. Outra coisa importante é observar o lote, inclusive se ele está mal impresso no rótulo e, na abertura do produto, estar atento à coloração, ao cheiro e à aparência", orienta.
A textura precisa ser fina e não empelotada, como reforça a nutricionista Ana Paula Goulart. "Se o pó estiver com grumos ou mais espesso do que o normal, pode indicar deterioração ou falsificação. A solubilidade também deve ser adequada, ou seja, deve dissolver facilmente em líquidos".
Muito presente em pré-treinos, a exemplo dos produtos de diversas marcas que fazem ‘super cafés’ especiais para energia, a cafeína deve ter suas doses dentro do recomendado para cada pessoa. Em geral, de acordo com a endocrinologista Laís M. Aguiar é de 4mg a 6mg por quilo do paciente. Doses acima de 7mg por quilo devem ser analisadas com muito cuidado e mais de 9mg por quilo nunca é recomendado.
"Se o paciente é hipertenso, se já tem arritmia, precisa de avaliação clínica. Se o paciente já consome café durante o dia, pode impactar mais, inclusive a qualidade do sono. Mais de 9mg por quilo da pessoa pode trazer consequências como cefaleia, náuseas e picos de arritmia", explica.
Além disso, ela recomenda conferir se há ervas, diuréticos e anabolizantes nos ‘pré-treinos’, além da cafeína, a única que tem evidências científicas mais robustas. "Existem suplementos proibidos no Brasil. Alguns têm ação diurética, por exemplo, e para pacientes cardiopatas e hipertensos, que já usam medicamentos para outras comorbidades, pode ser muito perigoso. São muitos efeitos na saúde, como disfunção renal, dano hepatotóxico e arritmias graves", alerta a médica.
É mais uma das substâncias comuns, mas que requer avaliação clínica cuidadosa, especialmente para pacientes que têm dificuldade de absorção intestinal ou síndromes metabólicas. Uma das formas de escolher um produto seguro é conferir se o item tem selos de certificação como o Ifos ou o Meg 3, de acordo com a nutricionista Ana Paula Goulart. "O selo Ifos é emitido por uma instituição internacional que avalia a qualidade do ômega 3".
Seja uma vitamina apenas, sejam os complexos polivitamínicos, suplementar vitaminas se tornou outra tendência comum especialmente após a pandemia da covid-19. Mas a verdade é que muitas pessoas não precisariam suplementar vitaminas. "Existe um consumo muito aleatório dos polivitamínicos. Se não tem eficiência e não têm carências, não vai trazer nenhum benefício. O corpo vai metabolizar aquilo e vai ter excreção sem absorção", afirma a endocrinologista Laís Aguiar.