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Publicado em 18 de maio de 2024 às 05:00
A humanidade entrou na era da superabundância da informação. Enquanto tentamos dar conta de rotinas ordinárias, vemos acontecer à nossa frente como se fosse em uma enorme tela espelhada, dados, memes, fake news, vídeos cada vez mais rápidos, imagens produzidas por inteligência artificial, vozes artificiais que se comunicam e fazem escolhas pelos humanos - através de cruzamento de dados que vamos deixando no rastro em cada acesso à internet. Um cenário tão veloz quanto impossível de ignorar e que passou a exigir filtro e curadoria para que as pessoas consigam lidar com tudo isso, vivendo os dois lados da moeda: consumindo e produzindo conteúdos. >
É claro que a educação nos moldes tradicionais já não daria conta de formar cidadãos para esse novo mundo. Os professores têm agora o desafio de atualizar seus ‘sistemas’, enquanto a transformação acontece. A máxima ‘aprender enquanto ensina’ nunca fez tanto sentindo. Com a missão de promover o letramento digital e ajudar a entender esse momento da história, a educação midiática acendeu uma luz no fim do túnel.>
Em meio à repercussão de atos antidemocráticos no Brasil, guerras, popularização do ChatGPT, disseminação de nudes falsos produzidos por chatbot e espalhadas nas redes, atingindo alunos de escolas particulares, 2023 foi o ano em que a educação midiática ganhou espaço nos debates públicos, levando o governo federal a criar o Departamento de Direitos na Rede e Educação Midiática, como parte da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República.>
O conceito >
O que é, afinal, a educação midiática? Quem explica é Daniela Machado, coordenadora de educação do EducaMídia, programa vinculado ao Instituto Palavra Aberta. Ela esclarece que trata-se de um conjunto amplo de habilidades, que precisam ser desenvolvidas não só por alunos e professores, mas por todas as pessoas que desejam ser agentes na transformação do ecossistema da informação em algo mais saudável e seguro.>
Daniela Machado
Coordenadora de Educação do EducaMidia“São habilidades que todos nós precisamos para poder consumir informações de uma maneira mais crítica, entendendo a intenção de cada mensagem, e também para produzir conteúdos de forma responsável. Pensando que hoje nós temos algo muito poderoso, que é a oportunidade de não só consumir informações, mas também de criar e compartilhar”, afirma.>
Mudanças na sala >
Com 20 anos de experiência em sala de aula, a professora de Língua Portuguesa, Gabriella Santana, que é de Lauro de Freitas e hoje atua na rede estadual, na cidade de Marcionilio Souza, com alunos do ensino médio, decidiu buscar formação em educação midiática com o objetivo de ajudar seus alunos. >
Ela entendeu que a geração dos nativos digitais precisava desenvolver uma visão mais crítica diante dessa super exposição a todos os tipos de informação - verdadeira, falsa, manipulada - que circulam hoje na internet, fazendo com que muitos não saibam como distinguir o que é real do que é fantasioso, o que é importante do que é prejudicial.>
Depois que começou a trabalhar com base nos preceitos da educação midiática, já percebeu os efeitos. Segundo ela, os jovens vêm demonstrando curiosidade em conhecer sobre fontes seguras de informação, checagem e análise de ponto de vista.>
Ela conta que propôs aos estudantes do 3º ano do ensino médio um debate, em sala de aula, sobre alguns temas que estão sendo discutidos atualmente, como a descriminalização do porte de drogas - em julgamento pelo STF - ou a legalização do aborto no Brasil. >
Gabriella Santana
Professora da rede estadual de ensinoOs alunos tinham que assumir uma posição favorável ou contrária sobre o tema, baseada em fatos e informações, para além do ‘achismo’ ou de crenças pessoais. “Essa experiência foi bem interessante, porque eles trouxeram dados, informações a respeito da discussão em outros países. Eles investigaram a veracidade das informações para sustentar a sua argumentação e demonstraram uma capacidade de investigação, que é muito importante, não só para a escrita, mas para o exercício democrático da liberdade de expressão, por exemplo”, explica.>
Educação midiática garantirá cenários futuros saudáveis >
Quando pensamos em cenários futuros, a educação midiática ganha ainda mais importância, por promover interpretação e senso crítico em relação a toda informação recebida. Esses atributos serão cada vez mais fundamentais daqui para frente, porque não existe conteúdo neutro. >
“Como uma pessoa de tecnologia, eu ainda gosto de fazer a alfabetização midiática junto com a alfabetização de futuros, que é, ademais esse senso crítico, como identifico coisas que, de fato, são feitas pela máquina. O que são as fake news, que tem a ver com a formulação de conteúdos baseados em tecnologia e distribuição de massa para que as meia verdades possam ser absorvidas o mais rápido possível? E temos o próximo passo das fake news - as deep fake - que são desenvolvidas por máquinas de inteligência artificial, criadas com imagens de pessoas que estão à disposição na Internet, com fotos, mas principalmente vídeos e falas que alguém nunca falou”, explica Ligia Zotini, pesquisadora de futuros e fundadora da Voicers - Ecossistema de Pesquisa, Educação e Experiências em Futuros Desejáveis.>
Segundo ela, a educação midiática é menos sobre uma estrutura de tecnologia, e mais sobre a parte humana de cada professor. O bom educador moderno é quem consegue permear por todas essas novas mídias e ajudar seus alunos a ir além dos joguinhos e vídeos de entretenimento raso, passando a construir feeds que tragam uma curadoria de conteúdos que vão nutrir a sua própria educação, usando todo o acervo que já está aí, pois trata-se de uma grande inteligência coletiva, que já começa a ganhar uma camada de imersão em três dimensões.>
Profissões do Futuro>
Pensando em profissões do futuro, o desenho que começa a se formar também envolve checagem de fonte, veracidade e orientação de como se posicionar à frente de gatilhos, que se tornam claros para quem já tem educação midiática. De acordo com Zotini, o desafio é elevar a consciência das pessoas de forma integral para que não sejam presas fáceis e reajam a partir de gatilhos de medo e raiva, como vem acontecendo há muito tempo.>
A partir das atuais configurações, teremos de um lado profissionais na área de segurança da tecnologia, com capacidade para ajustar os algoritmos para captar esse tipo de coisa mais rapidamente; e do outro, profissionais da área da saúde mental, psicológica e emocional, que vão ajudar as pessoas a encontrarem o que há de verdadeiro dentro delas. Até mesmo porque para não sucumbir à hiper exposição de informações, ainda há uma série de lugares a ser trabalhados, visitados, curados, expandidos e autodesenvolvidos, o que vale para professores, educandos e qualquer ser humano vivendo nesses tempos.>
Programa tem 3,2 milhões de alunos impactados >
Especializado em educação midiática, o EducaMídia é um programa vinculado ao Instituto Palavra Aberta, que mantém parcerias com secretarias de educação de municípios e estados, e também conta com apoio de grandes instituições, como o Google, Meta e Grupo Globo. Por meio de cursos, site e produção de materiais, como guias, e-books e planos de aula - que estão disponíveis abertamente para ser baixados na plataforma digital - o projeto, lançando em 2019, vem impactando o cenário educacional de maneira positiva e sua metodologia está em sintonia com as competências gerais e diversas habilidades da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). O relatório de atuação do EducaMídia, em 2023, indica números relevantes:>
3,2 milhões Alunos impactados>
1.900 Formados no MOOC: mais de 450 cidades dos 26 Estados + DF>
17 Termos de cooperação assinados>
190 mil Professores Impactados>
800 Formuladores de políticas públicas>
15 mil Downloads do Guia EducaMídia>
Importante: Nas últimas formações do EducaMídia, em média, 20% dos certificados emitidos foram para professores da região nordeste. Desses, cerca de 4,5% são da Bahia.>
Palavras-chave da Educação Midiática >
Compreender os mecanismos de busca, curadoria e produção de conhecimento; >
Acessar uma ampla gama de ferramentas digitais e ter flexibilidade para encontrar e adaptar-se a novas ferramentas; >
Aplicar o conhecimento do ambiente informacional e midiático para solucionar problemas, para o exercício da cidadania e para a autoexpressão; >
Criar peças de mídia fundamentadas em uma escrita técnica ou criativa bem desenvolvida, de forma ética e responsável. >