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Fernanda Santana
Publicado em 25 de agosto de 2024 às 05:00
O celular da fiscal de loja Cristiani Leal, 52 anos, não parou de apitar desde a última segunda-feira (19). A agressão contra o torcedor do Vitória Diego Bispo, 27 anos, por integrantes de uma torcida organizada do Bahia fez a paulista revisitar os detalhes de um trauma sofrido em abril deste ano: seu filho, Vanderley de Jesus, também foi golpeado com barras de ferro, e ficou 35 dias em coma.
Quatro meses depois do crime, Vanderley ainda vive à base de medicamentos. “Às vezes, a pessoa pensa: ‘Se ele voltou para casa, está tudo bem’. Não, não está. Isso o traumatizou: ele é dependente de remédios, faz tratamento com psiquiatra e psicóloga. Toma remédios cinco vezes ao dia”, conta Cristiani.
Depois da violência sofrida, Vanderley se mudou para Aracaju, onde a mãe já morava. Não conseguiu retomar à antiga rotina, e parou de trabalhar (ele era entregador), devido às sequelas. “Ele ainda tem feridas e medo de tudo”, relata a mãe.
O jovem, que também é torcedor do Vitória, foi agredido enquanto ia para um confronto entre o clube do coração e o Palmeiras. O inquérito sobre o caso está na fase final, segundo a Polícia Civil.
“Vidas estão sendo ceifadas por pessoas que se dizem amantes do esporte”, lamenta Cristiani, abalada psicologicamente depois do ataque contra o filho.
O pai de Diego, Bira Bispo, vive os dias de desespero que Cris conheceu em abril. "O que mais me entristece é que a polícia fez seu papel. Os responsáveis foram presos, tem imagem deles fazendo aquela barbaridade com meu filho”, lamentou ele em entrevista ao Correio, “porém, vão ser soltos e fazer isso de novo. Meu filho não foi o primeiro e não vai ser o último".
Quando surgiu essa nova vítima de agressão, que está internada no hospital desde a última semana, recebi muitas mensagens no Instagram, onde criei uma página chamada Justiça por Vanderley, pedindo para que eu me manifestasse.
Quanto mais a gente fala sobre isso, mais a gente pode dar um sacode nas coisas, eu acho. Esse negócio de violência no futebol já tinha que ter sido resolvido. Vidas estão sendo ceifadas por pessoas que se dizem amantes do esporte, mas são outras coisas.
O crime contra meu filho aconteceu em um domingo à tarde, dia de jogo, e só soube do que aconteceu na segunda à tarde, porque uma amiga do meu outro filho mandou uma mensagem para ele, avisando que Vanderley estava num hospital. Moro em Aracaju há dois anos, mas ele ficou vivendo em Salvador, e nos falávamos todos os dias. Tínhamos trocado mensagens pouco antes do crime acontecer.
Quando eu estava no ônibus, a menina me falou e eu nem acreditei. Minha irmã, que vive em Salvador, foi ao hospital e confirmou que o caso dele era seríssimo. Ele não morreu por misericórdia de Deus. Eu estava de férias e corri para Salvador. Ele ficou mais de um mês em coma.
Meu filho mudou para Aracaju por causa disso. Tive que decidir por ele e o trouxe. Só tenho uma irmã vivendo em Salvador e ele precisava de muitos cuidados, de curativos, de cuidados, dessa coisa toda. Até hoje faço curativos nele, porque há feridas que você pega no hospital por passar muito tempo deitado, e ele ficou muito tempo em coma.
Às vezes, a pessoa pensa: ‘Se ele voltou para casa, está tudo bem já’. Não, não está tudo bem com ele, com a gente. Isso o traumatizou: ele é dependente de remédios, faz tratamento com psiquiatra e psicóloga. Toma remédios cinco vezes ao dia, alguns para evitar convulsões, outros para dormir, para ansiedade.
Os remédios do Vanderlei eu não consigo pegar no CAPS. Essa última leva custou R$ 620. Esse gasto nós temos por mês. O de convulsão e o outro são baratinhos, mas o quetiapina é o que mais pesa. Ele toma três ansiolíticos. Ele passou pela segunda consulta agora com a psiquiatra, e a terceira será em setembro. Mas tudo bem. A diretoria do Vitória até chegou a dizer que iria ajudar, mas não ajudou. Mas tudo bem. Eu tenho uma corrente do bem ao meu redor.
Fisicamente, ele pode não ter problema. Mas psicologicamente, ele não está no seu normal, e isso me preocupa. Só o tempo vai curar isso. O neurologista deu seis meses para recuperar as células perdidas. Graças a Deus, ele vai se recuperar.
Hoje, ele passa o dia inteiro deitado, e a maior parte do tempo dormindo. Ele vai na portaria e volta. Não trabalha mais, mas quer voltar. A renda dele é o Bolsa Família. A vida dele era super ativa. Ele trabalhava, fazia entregas em Salvador inteira, e tinha a rotina dele de jogar baba, em Periperi. Nunca se meteu em confusão.
Ele nunca ficava à noite na rua, porque era medroso, sempre foi medroso. Houve uma onda de violência no Subúrbio no início do ano, onde ele morava, e às 19h ele já estava em casa.
Ele continua amando o futebol e o Vitória também. Mas ele diz que não irá mais ao estádio, tem medo, e eu dou graças a Deus. O irmão dele nunca foi ao estádio, e eu sempre disse para ele não ir. Nem todos vão ao estádio para se divertir. Ele andava com amigos da torcida organizada Os Imbatíveis. Mas ele não tinha camisa de torcida não, não participava disso, ele só andava com duas camisas: uma que eu dei ou outra do camelô.
Ele não fala sobre o assunto, não sei se por trauma, e eu quem estou buscando Justiça. Sempre estou atrás de advogado para saber como estão as coisas, mas está sempre parado, e não anda em lugar nenhum. Ele assiste futebol, torce. Mas ele sabe que não pode jogar bola por um período de dois anos, pela pancada na cabeça. Como digo a ele: sua vida se resume a mantê-la.
A parte de investigação já terminou, mas alguém foi indiciado? Vão responder? Eu não sei de nada. Eu estou à parte e não consigo saber.
Logo que ele viu que estava ficando bem, ele dizia que ia voltar para Salvador, mas agora ele não quer voltar. Ele diz que não adianta voltar se não pode fazer o que gosta. Ele vai voltar e se sentir sozinho do mesmo jeito.
Ele quer voltar logo a fazer as corridas dele, mas precisa conhecer Aracaju. Antes, ele tem que perder o medo, andar, sair.
Por causa do que fizeram com o meu filho, eu também fiquei com sequelas psicológicas, mas não procurei apoio. Você não descansa. Tem dias que você chega ao trabalho intolerante, impaciente, e já tive momentos de chorar no trabalho. Já tive muitas crises de ansiedade.