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Thais Borges
Publicado em 9 de fevereiro de 2025 às 05:00
Nas últimas duas semanas, a estudante Marina*, 24 anos, viu sua rotina vivendo em uma cidade do Arizona mudar. O estudante e jogador de futebol Júlio*, 28, começou a encontrar restaurantes e até barbearias que frequentava, no Texas, esvaziados. Baianos, vivem nos Estados Unidos em uma situação legal - ou seja, com os vistos regularizados. No entanto, a apreensão que tomou conta da comunidade de imigrantes no país chegou até mesmo a esse grupo.
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O período corresponde à mudança de administração federal, com a posse do atual presidente, o republicano Donald Trump, no último dia 20 de janeiro. A pauta da imigração foi uma das bandeiras da candidatura de Trump para retornar à Casa Branca, nas eleições do ano passado, e está diretamente ligada a outras medidas anunciadas pelo político após a posse, como a taxação a produtos do Canadá e do México em 25% e da China em 10%. A justificativa, além do déficit no número de importações desses países, é de que facilitariam a entrada de imigrantes ilegais, especialmente no caso dos dois vizinhos (Canadá e México).>
No caso dos estudantes, a emissão de vistos chega a representar um mercado considerável para a economia americana. Só em 2023, a NAFSA, entidade internacional de educação, estimou à imprensa que estudantes estrangeiros gastaram mais de US$ 43 bilhões em mensalidades e outros custos. Ao mesmo tempo, diferentes instituições já informaram aos alunos que vão permitir a entrada de agentes do ICE, a agência imigratória, em seus campi - antes, isso não era permitido.>
Os desdobramentos nos últimos dias criaram um clima de incerteza quanto a renovações de visto. "Tenho medo de passar por algum tipo de restrição, ainda que eu seja uma estudante internacional com visto legal", diz Marina, que chegou ao país em 2023 e cujo visto é válido até maio para concluir o mestrado. Com o fim do programa, ela já tinha recebido uma proposta de emprego em uma pesquisa sobre justiça climática. "As últimas duas semanas realmente tiveram impacto. O programa foi cancelado por conta do congelado de investimentos em áreas que a administração atual acha que não são importantes. Todas as pessoas que já estavam no programa perderam os empregos e as bolsas foram canceladas", conta.>
Júlio, por sua vez, chegou em 2022 e é atleta em uma universidade. Nesse período, conheceu uma americana que hoje é sua esposa. "Estou apreensivo com o processo de mudança de status de estudante para residente, que é algo que vou passar em breve. Sinto que já deveria ter aplicado, porque não imaginava que ficaria nesse clima que está no ar. Espero que não passe por nada ruim".>
Ainda assim, ele viu a paisagem na cidade em que vive mudar. "Conheço pessoas em situação ilegal, então não consigo mais ter acesso a elas, porque estão com medo de sair. Também não consigo mais ir a alguns restaurantes, porque fecharam as portas com medo de serem visitados pelo ICE". A universidade onde ele estuda também já comunicou aos estudantes sobre a possibilidade de haver polícia imigratória no campus.>
"Toda essa política nova impactou a vida de todo mundo, a não ser que você faça tudo por si só", diz ele, que admite que o clima é de tensão. "Tenho amigos que não podem sair mais nos finais de semana para jogar bola, que era algo que a gente fazia aos domingos. Eu posso sair, mas eles não podem, por causa desse medo de estar no lugar errado e na hora errada para eles". O treinador de Júlio, inclusive, já alertou que haverá mudanças no recrutamento de novos atletas, pelo corte de gastos. "Eu nunca sofri xenofobia. Minha experiência individual é muito positiva, contudo, eu vi muito discurso de ódio nos grupos de Facebook".>
Promessas>
A situação de imigrantes, porém, é diversa. Mesmo entre aqueles em situação irregular, há dois caminhos, segundo o advogado Thiago Borges, doutor em Direito Internacional e professor da Faculdade Baiana de Direito. Há os que já estão em vias de serem deportados - e provavelmente já seriam, mesmo na administração anterior - e há aqueles que não tinham sido flagrados. "Para esses, a situação piorou, porque a política atual é persecutória. Existe a estimativa de que são 200 mil pessoas (brasileiros) nessa condição, mas pode ser maior".>
Já entre os que estão em situação legal, existem os que estão em caráter definitivo - para estes, nada muda. Mas, entre os regularizados, há os que de caráter temporário. Esse é o caso de vistos de estudante ou de trabalhadores em situações específicas. "No momento da renovação, da atualização de dados, o rigor que o governo deve usar para essa concessão pode ser muito maior e implicar em alguns riscos de não renovação da condição temporária".>
Trump chegou a assinar, por exemplo, uma ordem para cancelar vistos de estudantes que participaram de protestos pró-Palestina nas universidades - chamados no texto de ‘pró-jihadistas’. Segundo o professor, a legislação americana é diferente da brasileira nesse aspecto. "A Lei de Migração brasileira é muito mais suave no tratamento do migrante e a deportação só vai acontecer quando tiver uma situação irregular, como a prática de atos vedados ao seu visto, o que não inclui protestos na rua. Já a legislação americana é mais rigorosa".>
O advogado Eduardo Maurício, especialista em extradição, destaca que casos concretos e condutas individualizadas de cada migrante são analisados. "Pessoas com visto temporário são podem ser deportadas, mas qualquer deslize - seja ele qual for - pode ensejar uma sanção e eventual deportação", diz ele. >
No fim de janeiro, um avião que trouxe ao Brasil um grupo de brasileiros deportados - que estavam em situação ilegal - provocou polêmica. "Tem um tratado de 2018 que regula como a deportação pode ser feita e, de fato, as pessoas podem ser algemadas enquanto estão dentro da aeronave. Porém, quando pousassem em solo brasileiro, já teriam que estar desalgemadas", acrescenta.>
Essa política imigratória mais dura era uma promessa de campanha, tal qual o que levou ao anúncio das taxações, como pontua o advogado Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Internacional Empresarial.>
Segundo ele, a promessa era diminuir a carga tributária interna por meio da redução de Imposto de Renda das pessoas físicas. Isso seria feito com a substituição pelo imposto de importação.>
"Ele disse que ia fazer tudo isso quando estivesse ao poder. Depende, logicamente, de diplomacia para chegar lá e depende de outros estados soberanos aceitarem o que ele pretende", explica.>
Para Godke, não é uma novidade e já era uma medida esperada. "Ou ele está fazendo isso por uma necessidade de combater o fluxo de imigrantes ilegais e fluxo de drogas, ou para restabelecer um certo equilíbrio na balança comercial. Mas isso era uma tragédia anunciada. A resposta do México e Canadá também já era anunciada, porque existe uma reciprocidade na diplomacia. Era um movimento calculado e esperado", pontua. Tanto México quanto Canadá anunciaram inicialmente tarifas semelhantes. Esta semana, contudo, os países concordaram com a suspensão das tarifas por um mês.>