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'Sempre soube que precisava trilhar meu próprio caminho', diz fotógrafo Christian Cravo

Tendo Mário Cravo Neto como pai e Mário Cravo Júnior como avô, Christian fala em entrevista sobre fotografia, relação com o pai e peso do sobrenome

  • Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
  • Carolina Cerqueira

Publicado em 25 de novembro de 2024 às 13:48

Christian Cravo com as filhas Stella e Helena
Christian Cravo com as filhas Stella e Helena Crédito: Arquivo Pessoal/Christian Cravo

Uma família soteropolitana. Três gerações. Muitos talentos e conflitos. A família Cravo revelou três artistas de sucesso: Mário Cravo Júnior (avô, escultor), Mário Cravo Neto (pai, fotógrafo) e Christian Cravo (neto, fotógrafo). Na tríade, Christian tem 50 anos, três filhos, mora na Praia do Forte e fala abertamente sobre a relação distante com o pai.

Ao mesmo tempo, destaca a veia artística da bisavó, Marina Jorge Cravo, que foi prima de Castro Alves. O bisavô, Mário da Silva Cravo, era empresário e político. A mistura familiar fez par com a cultural. Quando os pais se separaram, Christian, que é filho da dinamarquesa Eva Christensen, morou nos Estados Unidos e depois na Dinamarca, dos oito aos 22 anos.

Foi lá onde ele conectou-se com a fotografia. Apesar de esta não ser a expressão artística da qual mais gostava, ainda assim a escolheu, como acredita hoje, como forma de aproximação com o pai. “Em certa medida, eu superdimensionei essa relação paterna através da fotografia. Passei anos, na verdade, duas décadas, sem realmente amar a fotografia”, revela.

Depois de concluir os estudos e prestar serviço militar de forma voluntária, voltou ao Brasil, onde diz que o coração nunca deixou de estar. Com a experiência lá fora, aprendeu que o que fazemos tem consequências, além da importância de receber ordens e manter boas práticas de limpeza e organização. À mistura familiar e cultural, junta-se, então, o paradoxo da rigidez militar com a liberdade da arte.

E a metamorfose ambulante não para por aí. Dizendo ser um fotógrafo de estilo “curioso”, Christian afirma ainda estar conectado ao século 20 e aprovar oportunidades de intercalar os processos criativos do passado com os contemporâneos. Confira na entrevista abaixo o mergulho no universo fotográfico de Christian Cravo.

CORREIO: Você diz que começou a ter contato com a fotografia na Dinamarca. Como foi esse processo?

Christian Cravo: Meus pais se separaram quando eu era muito jovem e perdi o contato frequente com membros da família Cravo, vendo-os apenas uma vez por ano nas férias. O interesse pela fotografia surgiu, de maneira inconsciente, a partir desse distanciamento do meu pai; hoje percebo que foi uma forma de buscar aproximação com ele.

Em certa medida, eu superdimensionei essa relação paterna através da fotografia. Passei anos, na verdade, duas décadas, sem realmente amar a fotografia. Não me interpretem mal; sempre gostei e tinha o interesse de desenvolver essa habilidade, mas a relação foi, em grande parte, ambivalente. Minhas verdadeiras referências eram a escultura e a pintura, habilidades que meu avô desenvolveu e com as quais eu me sentia mais conectado.

Christian voltou a morar no Brasil aos 22 anos
Christian voltou a morar no Brasil aos 22 anos Crédito: Arquivo Pessoal/Christian Cravo

O que o trouxe de volta ao Brasil?

Retornei porque o Brasil é simplesmente incrível! É um país exótico, onde meu coração sempre esteve. Na juventude, sentia o apelo desse país repleto de potencial. A Dinamarca, apesar de sua beleza e tradição, é um país pequeno e estático, onde tudo já parece pronto; não há ali a mesma necessidade de luta. Agora, aos 50 anos, reconheço que muitos desses atributos ainda me atraem, mas já construí minha vida aqui e estou comprometido em permanecer.

No Brasil, um dos seus ensaios foi sobre a tragédia causada pelo rompimento de barragens Mariana, em 2015. O que o levou até lá?

Fui a Mariana impulsionado pela curiosidade, que considero uma característica essencial para qualquer artista. Isso é importante: é preciso ter interesse pelo desconhecido. Quando a barragem se rompeu, acompanhei a situação como qualquer outro cidadão e fui impactado pelo excesso de imagens da destruição que me atormentavam. Decidi ir até lá para documentar a realidade, oferecendo um testemunho que não fosse imediatista.

Nos ensaios disponíveis no seu site, o de Mariana é o único que não é em preto e branco e, ao mesmo tempo, é o que carrega mais melancolia. Por que essa escolha?

Não poderia tratar esses temas em preto e branco; a ação humana sobre a nossa terra precisa ser retratada em cores. Atualmente, estou desenvolvendo uma sequência desse projeto sobre Mariana em escala global, intitulado "Paisagens Antrópicas", analisando como nossas intervenções impactam a natureza e os ecossistemas.

Este trabalho documenta espaços residuais e explora como lidamos com o descarte e a reciclagem de materiais, como roupas da indústria fast fashion, um lixão eletrônico em Acra, capital de Gana, milhões de pneus acumulados nos desertos do Oriente Médio e enormes navios de carga nas praias de Chitagong, Bangladesh.

Esses locais, muitas vezes considerados periféricos e abandonados, são ambientes em constante transformação, que desafiam definições tradicionais e nos convidam a repensar a relação entre o humano e o não-humano. Esses espaços estão em um fluxo contínuo, onde os resíduos da atividade humana se entrelaçam com a natureza, criando uma nova narrativa sobre coexistência e interdependência.

Christian é reconhecido nacional e internacionalmente
Christian é reconhecido nacional e internacionalmente Crédito: Arquivo Pessoal/Christian Cravo

Você tem muitos prêmios internacionais. Como vê o cenário da fotografia brasileira lá fora?

Acredito que o Brasil tem avançado bastante. Temos grandes instituições, como o Instituto Moreira Salles (IMS), que atuam como locomotivas para essa arte. É um país continental que constantemente produz temas relevantes, permitindo que tanto jovens quanto artistas experientes dialoguem sobre o ofício da fotografia.

No entanto, como em qualquer campo, vivemos ciclos. Nos anos 90, tínhamos o documentarismo, impulsionado pela fotografia de Sebastião Salgado. Desde os anos 2000, estamos passando por uma transição, especialmente com o advento da fotografia digital, que trouxe à tona discussões sobre pertencimento e arte conceitual. Estou curioso para ver o que o futuro nos reserva.

Como você define o seu estilo?

Um curioso.

Como esse estilo foi criado?

Minhas referências, tanto criativas quanto conceituais, surgiram principalmente da fotografia analógica. Embora esteja no século 21, ainda me sinto ligado ao século 20. Não sou um saudosista, mas vejo oportunidades de intercalar os processos criativos do passado com os contemporâneos.

Por exemplo, fotografo em digital, mas a maior parte das minhas imagens impressas é feita com processos que hoje chamamos de “alternativos”, que nada mais são do que as técnicas químicas do século passado.

Falando em novos processos, você tem um trabalho recente com fotografia de drone. Como surgiu essa ideia e quais as diferenças em relação à fotografia tradicional?

A fotografia com drone é fascinante porque oferece ângulos e perspectivas que antes eram impossíveis de capturar. No entanto, acredito que a fotografia com drone não representa a verdadeira essência da fotografia; é mais uma simulação eletrônica. É fundamental que haja um olhar humano por trás da lente. Embora essa tecnologia seja incrível, é crucial usá-la com limites e controle.

Qual a influência de seu pai e seu avô na sua arte?

Minha formação é múltipla e profundamente enraizada em minha família. Fui influenciado pelo meu pai através da observação constante, mas a pintura também teve um papel significativo, talvez ainda mais do que a fotografia. A técnica do claro-escuro, criada no século 15 durante o Renascimento, continua a refletir em minha linguagem.

Para mim, a fotografia é, ao mesmo tempo, luz e a ausência de luz. Não poderia seguir outro caminho senão aquele que chamo de distilamento do conceito.

Foi uma pressão para você carregar o sobrenome Cravo?

Se eu dissesse que não houve pressão, estaria mentindo. Claro que houve, mas sempre soube que precisava trilhar meu próprio caminho. Embora a trajetória seja semelhante, os passos são diferentes. Nesse sentido, talvez eu tenha encontrado mais leveza na minha relação com o velho Mário (meu avô, o escultor).

Ao pé da letra, isso se relaciona ao que Freud chama de “matar o pai”, ou seja, se desamarrar da necessidade de corresponder às expectativas de figuras de autoridade ou notoriedade e deixar de ser um reflexo da personalidade deles para viver meu desejo plenamente.

Qual legado a família Cravo deixa para a arte?

Engraçado você perguntar isso. Neste momento, estou lendo a autobiografia do meu bisavô, Mário da Silva Cravo, empresário e político. Em um certo trecho, ele narra uma conversa com Oswaldo Aranha, então presidente da Assembleia Geral da ONU em Nova York, em 1947. Mário diz: “O que você faz, o que tem, toda política e poder entrarão em esquecimento com o tempo; seu nome será eternizado pela arte do seu filho.” Isso me faz pensar que a arte é, por si só, um legado.

Quem é?

Fotógrafo soteropolitano, Christian Cravo tem 50 anos e é filho do também fotógrafo baiano Mário Cravo Neto e da dinamarquesa Eva Christensen. Também é neto do escultor baiano Mário Cravo Júnior. Morou nos Estados Unidos por dois anos e, na Dinamarca, por 14, até os 22 anos, quando retornou ao Brasil. Começou na fotografia aos 11 anos e, atualmente, tem o trabalho reconhecido nacional e internacionalmente. Tem prêmios do Museu de Arte Moderna da Bahia e do Mother Jones International Fund for Documentary Photography. Já expôs em locais como Throckmorton Fine Art em Nova Iorque e na Billedhusets Galeri em Copenhague.