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Ronaldo Jacobina
Publicado em 12 de abril de 2025 às 11:11
Com as gravações no Brasil concluídas, Gloria Pires está se preparando para partir com sua equipe de filmagem para os Estados Unidos para colher depoimentos para o documentário Direto do Coração, que conta a história do Balé Folclórico da Bahia. Sem contrato com a TV Globo, a atriz vive um momento de transição em sua carreira, apostando na direção e na produção de audiovisual. Na agenda da artista para este ano estão programadas cinco novas produções que incluem três longas, uma novela e uma minissérie. Sobre estes projetos ela prefere manter em segredo. Dona de uma leveza e simpatia extraordinárias, a atriz recebeu a reportagem no Fasano Salvador e falou sobre a paixão pela Bahia, a relação com as redes sociais, a experiência como diretora e produtora e o porque de não usar o WhatsApp. Confira: >
Dois projetos de cinema como diretora; “Direto do Coração”, um documentário sobre o Balé Folclórico da Bahia, e “Sexa”, que é uma ficção. Como é estar atrás das câmeras? Era um desejo seu?>
Glória Pires: Era uma vontade, sim. Dirigir já estava no meu espectro há algum tempo, mas eu nunca fui atrás de buscar um projeto. No caso de Direto do Coração, eu era produtora. Mas o nosso diretor saiu do Brasil, então precisei me apresentar como diretora. Nunca pensei em dirigir um documentário, achava que começaria pela ficção. Também precisei assumir o roteiro e acabei escrevendo o que achava interessante abordar no documentário. Foi tudo muito novo para mim, mas esse desafio se apresentou, e eu não quis deixar passar. >
O que te motivou a assumir esse desafio?>
Glória Pires: Toda essa parte de captação, especialmente para um documentário, é muito difícil! Toda a pujança visual que o Balé oferece, que o Vavá (Botelho) monta, eles são muito poderosos. >
O documentário enfrentou problemas de patrocínio?>
Glória Pires: Sim. Em 2022, tivemos uma janela para captar o espetáculo que havia sido planejado para acontecer nos 30 anos do Balé, mas que só aconteceu nos 34 anos, por conta da pandemia e outras questões. Peguei um dinheiro que tinha e investi lá. Tivemos apoios da Fundação Gregório de Matos e da produtora Macaco Gordo. Fizemos essa união para captar para o espetáculo O Balé Que Você Não Vê, que foi apresentado no TCA., o que foi uma sorte fazer naquele momento, porque logo depois o teatro pegou fogo e está fechado até hoje, né? Depois disso, tivemos que parar para reorganizar os recursos e esperar o restante do financiamento. >
Como começou sua história com o BFB? Foi Vavá (Botelho) quem te convidou?>
Glória Pires: A gente se conheceu no aeroporto. Orlando (Moraes) é a pessoa mais comunicativa do mundo, ele faz amizade com uma facilidade que é impressionante! Estávamos embarcando para Paris, Vavá estava exatamente uma fileira atrás da gente e todo vestido de azul. Orlando, muito brincalhão, o abordou: “Você está parecendo o céu”. Ele achou graça, fizemos o check-in, seguimos pra sala VIP e no pouco tempo que passei pelo free shop, quando voltei, eles já eram amigos de infância, com viagem marcada para Imbassaí. Três meses depois nos reencontramos em Salvador e seguimos para Imbassaí. Nesses dias de descanso, Vavá contou sobre os espetáculos, mas só numa outra viagem, conseguimos assistir e aí nos encantamos.>
Então decidiu fazer o filme?>
Temos uma relação especial com a Bahia, temos casa aqui, Orlando sempre gostou muito. Salvador tem uma vida cultural intensa, ainda mais para quem é da música. Então, isso foi se intensificando. Fui me aprofundando nas histórias da formação do grupo e vi que merecia um alcance maior. Só cabia num filme, num documentário.>
Falar em alcance, você é muito presente nas redes sociais, compartilha momentos de intimidade em família..., embora tenha sofrido com a mídia no passado, com fake news e tal. O que mudou? >
Glória Pires: Foi um aprendizado, como tudo na vida. Não dá pra achar que estamos prontos, não somos os mesmos todos os dias, e ainda bem por isso. Eu aprendi a lidar com a internet do mesmo jeito que antes tive que lidar com a imprensa. Você sabe bem como é uma faca de gumes. Para uma tímida lidar com assédio da imprensa foi muito desafiador. No auge dos meus 61 anos eu já me permito dizer “isso eu não quero”, “não preciso disso agora”, a maturidade traz isso e é muito bom. A idade traz dificuldades, mas também nos possibilita muitos lugares. >
E o WhatsApp, porque deixou de usar?>
Glória Pires: Eu aboli porque fui clonada por um hacker. Eu já estava ensaiando sair desde a época das eleições, período em que ninguém saiu ileso das discussões em grupos de família. Eu queria sair, mas não tinha como sair aos poucos. Então, saí de vez. Existiu no primeiro momento uma cobrança de marido e filhos, há alguma dificuldade em se comunicar rapidamente, mas hoje eles já entendem e aceitam que eu não vou voltar.>
Você vem fazendo uma transição na sua carreira, indo da atuação para a direção, produção... É um caminho sem volta?>
Glória Pires: Sim, no meio desse processo, na pandemia, recebi vários projetos. Eu já estava querendo produzir, porque é na produção que a gente consegue ter algum poder sobre a história que vamos contar. Qual o viés que vamos usar. Então, recebi vários convites, alguns ainda estão no papel, mas já estamos trabalhando. >
Você continua contratada da TV Globo?>
Glória Pires: Não. Acho que poucas pessoas estão. A Globo mudou o processo. Antes, a gente tinha exclusividade, mas hoje realmente não faz mais sentido. Tiraram essa ideia da exclusividade dos artistas, porque o mercado mudou completamente com as plataformas de streaming que conversam entre si.>
E o que a gente tem pela frente da diretora e da atriz?>
Glória Pires: Estão previstos três longas, uma novela e uma minissérie, mas não posso contar nada ainda. >
Como atriz ou também como diretora?>
Glória Pires: Como atriz, mas tem como diretora também (risos)>
Desses projetos, as séries e novelas são na Globo?>
Glória Pires: Não, não são. Pode ser que a gente faça alguma coisa com a Globo, mas esses projetos não.>
São aonde?>
Glória Pires: (risos) ainda não posso falar.>
Hoje você tem uma produtora independente que trata de tudo e negocia com as plataformas de streaming… Então, pode ser que você faça sua primeira novela fora da Globo em breve? >
Glória Pires: Pode ser que sim. >
E dos filmes, qual você vai atuar como diretora? Pode antecipar pra gente, sai esse ano ainda?>
Glória Pires: Não posso! Está guardado a sete chaves. Posso dizer que talvez saia esse ano. Isso porque, eu fui convidada por um grande diretor, que me deu honra desse convite para estar no filme como atriz e codiretora com ele. Um luxo! Assim, uma coisa que eu fiquei muito emocionada com essa possibilidade e convite. >
Quem é o diretor?>
Glória Pires: (risos) Ainda não posso revelar. >
Sobre Vale Tudo e essa onda de remakes, você acha que estamos vivendo uma crise de criatividade?>
Glória Pires: Crise de criatividade eu não sei, mas acredito que haja uma escassez de bons profissionais que entendam a fio sobre novela. Entendam, para conseguirem analisar a qualidade de um projeto novo, talvez. No caso de Vale Tudo, me parece que essa novela está completamente diferente da que a gente conhece. >
Essa retomada do cinema brasileiro, o sucesso no exterior, Fernanda Torres, Walter Sales, Oscar e tudo mais, como avalia esse momento?>
Glória Pires: Sensacional! Grande momento, né? A trajetória dessas mulheres (Fernanda Torres e Fernanda Montenegro), mãe e filha, isso por si só já dá uma história de cinema, resumidamente. Fernanda filha vai lá 25 anos depois, ocupa o mesmo lugar de Fernanda mãe e ganha o prêmio. É de levar às lágrimas, um momento rico e maravilhoso. >
Passada essa euforia, como você vê o futuro?>
Glória Pires: Fora a euforia do momento, me preocupa outro aspecto. Acredito que a gente vive um momento extremamente perigoso. Precisamos regular o VOD - Video On Demand (sistema de distribuição de conteúdo de vídeo que permite ao usuário escolher o que assistir, quando e onde quiser). Nós precisamos urgente dessa regulação do VOD. Estamos sendo ‘recolonizados’ pelos streamings. Não existe uma legislação, nós estamos sendo invadidos porque as pessoas precisam trabalhar. Nossos produtores, criadores, roteiristas, estão todos sendo invadidos, conquistados e dominados por uma falta de legislação. Isso é extremamente perigoso e pode nos colocar num lugar de falta de autoria sobre nossas histórias. A gente pode virar uma coisa qualquer.>
E com relação a velha reivindicação dos direitos autorias dos atores no caso das reprises e exibições nos streaming e outras plataformas, tem algum avanço?>
Glória Pires: Esse é outro problema sério. Até hoje, nós atores brasileiros não recebemos nada pela reutilização das obras em que atuamos. Absolutamente nada! Existe uma lei que não foi legislada, que não houve um lobby de peso, como aconteceu com nossos companheiros da música que recebem cada vez que sua canção é tocada. É preciso garantir os direitos trabalhistas dos artistas. Nos Estados Unidos, o ator recebe toda vez que uma produção é exibida de novo, seja na TV, no streaming ou até em aviões e hotéis. Aqui no Brasil, isso não acontece. Isso precisa mudar. O Brasil já deveria ter regulamentado essa questão, porque é uma injustiça com os artistas. A gente precisa de uma legislação clara que garanta que, se a obra continua gerando dinheiro, os atores que participaram dela também tenham sua parte.>