Quem são os filhos que assumem o privilégio de ter a carreira impulsionada pelos pais?

Conheça os 'nepo babies' baianos que estão se destacando no setor de entretenimento, segmento que fatura R$ 291,1 bilhões no ano

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  • Priscila Natividade

Publicado em 7 de setembro de 2024 às 05:00

 Irá Carvalho da Íris Produções  e os filhos, Mariana e João Paulo Carvalho
Irá Carvalho da Íris Produções e os filhos, Mariana e João Paulo Carvalho Crédito: Ana Albuquerque/ CORREIO

Apenas 48h para executar algo que jamais imaginou fazer. Nascida e criada nos bastidores de shows de grandes artistas nacionais e internacionais, Mariana Carvalho, já não se assusta com mais nenhum pedido mais diferente na hora de montar um camarim. Principalmente se essa artista for internacional e atende pelo nome de Beyoncé:

“Desde a barriga da minha mãe estou acostumada com o universo artístico. Já tenho uma facilidade por ter relações com os produtores e os mesmos se sentirem seguros com a minha entrega. Mas confesso que fazer o catering de Beyoncé foi um desafio. Foi pedido um chocolate específico da marca Dengo, toalhas da MMartan e taças de cristais. Porém, não deixamos de inserir no cardápio nossas iguarias baianas na esperança dela comer um pãozinho delícia e nunca mais esquecer”, lembra Mariana sobre a passagem meteórica de 'Bey' em

Salvador.

Naquela noite fatídica e inesquecível para Mariana, muita gente duvidou se realmente Beyoncé vinha ou não vinha, se era fake ou não. A mulher não só veio de surpresa lançar o documentário sobre sua turnê Renaissance como também virou a chave do Catering Mari Carvalho. “Nesse mesmo dia estávamos produzindo o camarim de Roberto Carlos na Arena Fonte Nova. Duas entregas gigantes em tempo recorde. Tenho consciência que sou privilegiada por ter oportunidades e feito relações através de minha mãe. Mas para você permanecer no mercado a competência fala mais alto”.

"Tenho consciência que sou privilegiada por ter oportunidades e feito relações através de minha mãe. Mas para você permanecer no mercado a competência fala mais alto"

Mariana Carvalho
filha da produtora Irá Carvalho

Eles são filhos de pais e mães famosos ou que se tornaram uma certa referência no mercado. Por conta disso, tem privilégios e acesso mais fácil às oportunidades e as conexões profissionais quando seguem o caminho já traçado pela família. O termo ‘nepo babies’ surgiu lá fora, viralizou, provocou polêmica e ganhou até definição no dicionário Collings sobre os “filhos do nepotismo”, ao fazer referência a quem segue uma carreira idêntica ou bem próxima a de um parente.

E não são só as seis filhas de Silvio Santos, Sandy, Júnior e Xororó, Xuxa e Sasha, Gilberto Gil e Preta Gil que figuram exemplos conhecidos de 'nepo babies'. A Bahia também tem os seus, sobretudo, no segmento de entretenimento diante da terra festeira e celeiro de eventos que aqui se tornou. Segundo dados da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), no último ano, os eventos e o hub setorial, somaram 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, chegando a R$ 291,1 bilhões de faturamento anual. Mais de 6,6 milhões de pessoas estão envolvidas em todo o hub setorial.

Mariana é filha de Irá Carvalho, criadora da Íris Produções. Irá tem mais de 40 anos a frente de eventos e shows de grandes artistas em Salvador, entre eles Legião Urbana, Titãs, Cazuza, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Caetano Veloso, A-Ha, Marina Lima e Marisa Monte. “Sempre participei efetivamente de tudo, portanto acho que não teria outro caminho a seguir, além de me identificar muito. Porém, na pandemia surgiu um interesse em tocar um novo negócio que hoje agrega à empresa de eventos. Assim caminhamos lado a lado”, comenta Mariana.

O Catering Mari Carvalho nasceu em 2021 e de lá para cá já foi responsável pela preparação de mais de 300 camarins, entre eles o de Beyoncé, além de Djavan, Gilberto Gil e família, Lulu Santos, Alcione, Thiaguinho e Carlinhos Brown. Mariana também tem uma confeitaria, a Doces de Mari. O irmão de Mariana, João Paulo, é mais um que atua no mesmo setor, só que tocando a JP Produções.

“Cada um faz e conduz sua trajetória de acordo com as possibilidades. No meu caso, eu pude profissionalizar meus filhos. A forma deles de empreender é diferente, por exemplo: eu só trabalho com o que gosto de ouvir, eles não ficam presos a ritmos e segmentos. Percebo que eles vão muito mais longe”, acrescenta Irá Carvalho, que traz para a capital até o final do ano, as turnês de Natiruts, Fábio Júnior em setembro, Zeca Pagodinho, Silva, Nando Reis, no mês de outubro e Ana Carolina e Jota Quest, em novembro.

Já a próxima missão de Mariana é além do catering, toda a operação do backstage da tour de despedida do Natiruts, que acontece neste sábado (07), na Arena Fonte Nova. Serão 19 camarins e várias ativações de marcas. “Não adianta ser filha de Irá e não ser e não ser competente. Agradeço as oportunidades, mas sou muito focada em fazer meu negócio dar certo. O catering Mari Carvalho hoje atende a eventos de pequeno e grande porte, já fomos de festivais a artistas internacionais e estamos a cada dia mais inovando o mercado”, ressalta Mariana Carvalho.

De modo geral, a indústria criativa é muito baseada nos relacionamentos construídos ao longo da carreira. E sim, os nepo babys, não precisam começar do zero. Para o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ebape), Jose Mauro Nunes, o fenômeno ganhou os holofotes, porém, é natural.

“É normal que pessoas que estejam no meio artístico elas tenham maior facilidade de prosperar, porque conhecem as pessoas do meio, produtores, os próprios executivos, gravadoras. Começam com uma vantagem em relação aos outros, contribuindo muito com o arranque dessa carreira, justamente por essas conexões sociais, conexões de trabalho. O Brasil é um país de relações pessoais, onde o capital social é muito importante para que você faça qualquer negócio”, destaca.

"O Brasil é um país de relações pessoais, onde o capital social é muito importante para que você faça qualquer negócio"

Jose Mauro Nunes
professor da FGV Ebape

No entanto, existe um peso do legado. “Há um peso muito grande do sucesso, de ter que repetir em um curto espaço de tempo o que seus pais conquistaram. Então, esse é o desafio. Há também o próprio fato de culminar a herança do parente com atualização. Saber explorar o legado, mas conseguir fazer uma carreira além dos pais. Não dá para o 'nepo baby' repetir unicamente a obra que existe. E isso não é tão fácil assim”.

Portas abertas

Rafa e Pipo Marques são mais um exemplo de quem já nasceu com o pai artista. Além de seguir os passos do cantor Bell Marques, os filhos também são sócios 100% Você, uma marca de suplementação que tem produtos como o Choco Energy.

“Acho que todo pai sempre vai querer criar as oportunidades possíveis para seus filhos, o que estiver ao alcance. É algo que eu faria sempre por eles. No começo, eu e Aninha fomos resistentes com a ida de Rafa e Pipo para música, mas a partir do momento que percebemos que eles estavam levando a sério e sabiam o que estava por vir, nos tornamos os maiores apoiadores”, comenta Bell.

"Acho que todo pai sempre vai querer criar as oportunidades possíveis para seus filhos, o que estiver ao alcance. É algo que eu faria sempre por eles"

Bell Marques
cantor

Rafa não nega s oportunidades que ser filho de Bell trouxe. “Aproveitamos cada uma dessas portas abertas, mas não deixamos de correr atrás das nossas demandas também, dos nossos espaços, dos nossos projetos. Acho que reconhecer esse privilégio foi saudável no processo, não deixou a gente tirar os pés do chão”.

 Bell, Rafa e Pipo Marques
Bell, Rafa e Pipo Marques Crédito: Divulgação

É uma responsabilidade muito grande, como complementa Pipo: “A gente sabia desde o começo, inclusive, que as comparações seriam inevitáveis, pelo menos até entenderem que não queríamos imitá-lo ou ocupar o lugar dele, apenas seguir nosso caminho, fazendo as coisas do nosso jeito, mas sempre tendo ele como inspiração”.

Ana Luiza Gagliano também se reconhece como 'nepo baby'. Filha do diretor fundador do Grupo San Sebastian, André Gagliano, ela se envolveu, recentemente, na produção e marketing do projeto Pirâmide Salvador, que engloba os selos San Boate e Amsterdam. Luiza também é afilhada de José Augusto Vasconcellos, o outro sócio fundador do grupo.

“Quando comecei a acompanhar e entender um pouco do ramo em que eles estavam inseridos, estando presente nos eventos maiores e nas festas nos finais de semana da SAN e da Amsterdam, quis participar mais daquele processo, tive vontade de agregar e comecei a me arriscar a produzir minhas próprias festas no local. Além da autenticidade, meu pai e meu padrinho nunca tiveram medo de arriscar”, afirma Luiza.

André Gagliano e  a filha Ana Luiza, do Grupo San Sebastian
André Gagliano e a filha Ana Luiza, do Grupo San Sebastian Crédito: Marina Silva/ CORREIO

O Grupo San acaba de completar 15 anos. Além do Carnaval de Salvador, são cerca de quatro eventos grandes de nível nacional por ano, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte. Por outro lado, André destaca a capacidade de renovação que a filha está trazendo para o negócio. “Meu pai tinha bloco de Carnaval e eu amava ficar do lado dele. Aprendi muito, minha escola foi essa. Ela agregou na empresa porque veio com ideias novas, sangue novo, pensamentos novos. E com Ana Luiza, vem uma galera da idade dela, da faculdade, da social dela, então ela consegue renovar a boate com público jovem, descolado, moderno, sem rótulos”.

Influência

Base sólida já construída, uma reputação estabelecida e uma rede de contatos pronta para ser aproveitada. Ainda que o setor artístico e de entretenimento seja um celeiro fértil para os 'nepo babies', o professor do Núcleo de Negócios da Wyden, Avanilton Marinho vê outros setores com oportunidades favoráveis.

“Fica evidente que os pais podem abrir muitas portas. Porém, isso não deve ser visto apenas como uma 'vantagem injusta', mas como uma realidade que faz parte de muitos setores. Ao mesmo tempo, também é importante reconhecer que essas oportunidades vêm acompanhadas de uma pressão e expectativa enormes, o que pode ser um peso para quem está começando. Setores, como moda, política e até mesmo em negócios tradicionais ou qualquer área onde o capital social e a rede de influência tenham um grande peso, é provável que os 'nepo babies' encontrem mais oportunidades”.

"Isso não deve ser visto apenas como uma 'vantagem injusta', mas como uma realidade que faz parte de muitos setores. Ao mesmo tempo, também é importante reconhecer que essas oportunidades vêm acompanhadas de expectativa enormes"

Avanilton Marinho
 professor do Núcleo de Negócios da Wyden

Faz a diferença quem entende o privilégio das portas que já estão abertas, mas também está disposto a trabalhar para provar que merece estar ali por seus próprios méritos. “Ter visão, ser inovador e não depender apenas do legado dos pais. Construir uma identidade, inovar sem alienar a base que já foi construída. Também é preciso lidar com críticas e com o julgamento de que o sucesso só veio pelo nome ou pela influência dos pais. Ou seja, criar um caminho próprio, mesmo tendo partido de um ponto já privilegiado”.

O sócio fundador da 2GB Entretenimento, Guto Ulm, iniciou agora o processo de inserção do filho Lucca Ulm na empresa, após morar em São Paulo por dois anos. Sua função está muito voltada a pesquisa de novas oportunidades de negócios. “Sem dúvida, quando os pais têm uma trajetória de sucesso, isso cria uma oportunidade para os filhos. No entanto, o efeito comparativo sempre será colocado em questão e o sucessor precisa criar sua identidade na nova fase da empresa. Caso ele apenas dê continuidade, sem implementar mudanças, vai encontrar dificuldades. Sempre converso com Lucca nesse sentido”, diz Guto.

"Caso ele apenas dê continuidade, sem implementar mudanças, vai encontrar dificuldades. Sempre converso com Lucca nesse sentido"

Guto Ulm
sócio fundador da 2GB Entretenimento

A produtora tem mais de 25 anos de mercado, com experiência, sobretudo, no carnaval. Guto também é proprietário do Camarote Brahma. Entre os projetos para esse ano está a realização do Pé na Areia Mali com Durval Lelys e o Réveillon Praia do Forte.

Guto Ulm, Sócio fundador da 2GB Entretenimento e o filho Lucca Ulm
Guto Ulm, Sócio fundador da 2GB Entretenimento e o filho Lucca Ulm Crédito: Divulgação

“Os projetos que mais me envolvo atualmente são os eventos na Arena Mali (Pé na Areia Mali e Samba da Mali), No Rolê, e o Camarote Brahma, principal projeto da 2GB. Da Mali, faço parte do quadro societário. Meu propósito na 2GB sempre foi rejuvenescer a empresa, fazendo com que ela converse cada vez mais com o público jovem e se mantenha atualizada no mercado que vem mudando constantemente”, reforça Lucca.

Coordenadora e professora do curso de Gestão e Negócios da Universidade Salvador (Unifacs), Emily Góes, reforça que herdar o legado, aumenta a exigência de inovação. “Sabemos que podem surgir frustrações que são causadas pelas comparações entre pais e filhos, mas não podemos esperar pessoas e estratégias empresariais iguais, o tempo todo. Empresas que não se atualizam, não crescem e correm o risco de retroagirem economicamente. Para os 'nepo babies', adequar isso é mais fácil tendo em vista a época e o contexto de modernidade em que estão inseridos".