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Thais Borges
Publicado em 2 de fevereiro de 2025 às 07:27
Desde criança, o estudante Márcio Santos, 28 anos, sabia que queria ser professor. Fazia de ursos e bonecos os alunos de sua escolinha em casa. No aniversário, o presente que pedia aos pais era sempre um quadro. No ensino médio, decidiu que era isso que queria, mas não tinha certeza de qual área. >
"Mas, aos 18 anos, tive que trabalhar. Sou um homem preto, gay e periférico e, pela minha orientação sexual, saí de casa e abri mão dos estudos", lembra ele, que trabalhou como auxiliar administrativo e na área de telemarketing. A pandemia da covid-19 e uma demissão no fim de 2023, contudo, trouxeram a vontade de voltar a estudar. Pensou em Psicologia ou Medicina, mas viu que queria mesmo a docência. Na última semana, ele foi aprovado em primeiro lugar no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), para a licenciatura em Pedagogia na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), entre as vagas para cotas. >
Márcio é um dos estudantes que fez uma escolha hoje não tão popular no Brasil. Em meio a um cenário de risco de ‘apagão de professores’ - algumas pesquisas projetam que deve acontecer até 2040, outras já que estamos vivendo isso - e um imaginário coletivo de que a carreira não é vantajosa, escolheu o magistério. "Não vou romantizar. Ser professor, nos dias de hoje, com o avanço tecnológico, é muito difícil. Não dá para simplesmente dar o conteúdo em sala. Tem que entrar na vida dos alunos", diz. >
Foi diante deste cenário que o Ministério da Educação (MEC) lançou o programa Mais Professores Pelo Brasil, no mês passado, incluindo medidas que vão desde a criação da Prova Nacional Docente, (PND), que será feita anualmente e poderá ser usada por estados e municípios para concursos, assim como o pagamento de uma bolsa de R$ 2,1 mil para profissionais já formados por dois anos, além do salário da rede em que trabalharem. O auxílio é destinado a professores que ingressarem em locais com carência de docentes. Além da bolsa, eles devem cursar uma pós-graduação. >
Mas uma das medidas que teve maior repercussão foi o anúncio do Pé-de-Meia Licenciaturas, criado oficialmente para atrair futuros docentes e fomentar a permanência e conclusão dos cursos por alunos com alto desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Estudantes com notas maiores que 650 na prova que se inscreverem em licenciaturas vão receber R$ 1.050 por mês durante o período do curso. A cada mês, poderão sacar R$ 700, enquanto os outros R$ 350 serão depositados como poupança para ser sacada quando ingressar em uma rede pública. >
O contexto atual indica que o interesse pelo magistério - que já era baixo - caiu nos últimos anos por fatores que vão desde a remuneração ao desrespeito dos alunos em sala de aula. "Tem o piso nacional, mas, quando a gente pega o indicador, ele ainda é 80% menor do que a média das outras ocupações de ensino superior. Ainda é baixo e teve pouca mudança em relação às condições de trabalho", afirma a pesquisadora Gabriela Moriconi, integrante do grupo de Pesquisa em Políticas e Práticas de Educação e Formação de Professores da Fundação Carlos Chagas (FCC). >
"Tem o problema da atratividade no ingresso, mas têm os que concluem e vão fazer outra coisa. Há uma combinação entre as condições de emprego, poucos concursos, muitas vagas temporárias e professores que têm que trabalhar em mais de uma escola. Isso tem um peso grande para disciplinas com menos aulas na semana, que têm que pegar mais turmas. Tem professor com 800 alunos, mil alunos no total". >
Carência>
Diferentes pesquisas recentes falam em apagão de professores no Brasil. Um estudo publicado pelo (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) Inep em 2023 indicou que essa já é uma realidade. "O estudo aponta, ainda, que a carência de professores no país não se deve à falta de vagas nos cursos de licenciatura, mas sim à baixa atratividade da carreira do magistério", concluem. Já o Instituto Semesp estimou que o déficit de professores na educação básica pode chegar a 235 mil em 2040. >
Um ponto importante para entender a falta de professores, segundo a pesquisadora Gabriela Moriconi, da FCC, é entendê-los também como dois grupos: o dos polivalentes, que são aqueles que trabalham na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, e o dos especialistas, formados em licenciaturas específicas e com atuação nos anos finais do fundamental e no ensino médio. >
No caso dos primeiros, não há tanta perspectiva de falta de profissionais, devido ao grande número de vagas em Pedagogia. O que tem alertado especialistas, contudo, é a qualidade dessas graduações. "O ponto é em relação aos especialistas mesmo, considerando professores com formação adequada para as disciplinas que lecionam", diz Gabriela. Em algumas áreas, esse déficit é ainda pior, como Física, Química, Sociologia e Filosofia. "Faltam alunos interessados em cursar essas licenciaturas e que de fato permaneçam na carreira". >
Escolha>
Foi numa licenciatura específica que a estudante Glaucia Barbosa, 46, se inscreveu - no seu caso, Geografia, na Ufba. Ela trabalha com encomendas de doces e salgados, mas a relação com a docência é de família: é filha, neta, sobrinha e prima de professores. Para ela, o mercado de trabalho está difícil para qualquer área. >
"Não traz segurança. Os concursos não acontecem com a periodicidade necessária. As escolas privadas têm aderido cada vez mais à contratação por MEI (Microempreendedor individual)". Ainda assim, ela não pretende mudar os planos. "Não se tem outra forma de lidar com a questão a não ser encarando e lutando por melhores condições de trabalho", acrescenta. >
O sacerdote afrobrasileiro Carlos Júnior, 26, decidiu se inscrever para licenciatura em História na Ufba porque já atua como educador em comunidade de terreiro. Ao contrário de outros colegas, ele conta que a reação dos outros ao seu curso foi positiva e veio com incentivos. "Meu ciclo familiar e meus amigos sabem a extrema importância do ensino", conta. >
Já o estudante Kevin Mascarenhas, 17, fez caminho contrário. Ele pensava em fazer a licenciatura em Letras Vernáculas, que era algo com que se identificava, mas mudou Engenharia de Software. "Considero uma área agridoce, já que acredito que as experiências boas como professor, tirando a parte financeira, dependem da turma com a qual você trabalha", lamenta. >
Futuro>
Para quem já está cursando alguma licenciatura, como a estudante Valentina Barbosa, que faz História na Ufba e é professora no pré-vestibular social, o futuro reúne desde as possibilidades de viver a carreira que escolheram por vocação até as incertezas da área. Vinda de uma família de professores, ela entrou primeiro no curso com a intenção de trabalhar como pesquisadora. Acabou se apaixonando pela sala de aula. >
"Na família, fui muito incentivada. Eles falavam a realidade: que era difícil, que teria dias desgastantes, mas qual profissão não é? Eles entraram num cenário diferente do que encontro hoje, que é com o novo ensino médio aprovado em julho de 2024, porque reduz a carga horária de algumas disciplinas", avalia. >
Aluna da licenciatura em Letras Vernáculas na Ufba, Clara Morais, 23, está prestes a se formar e se sente dividida sobre o futuro. Pensa tanto em estudar para concursos de redes públicas de ensino quanto trabalhar com revisão de texto, área em que fez estágio. Ela admite que a rotina em sala pode ser desgastante. >
"Se aumentasse o tempo de planejamento e diminuísse a carga horária em sala, deixaria as coisas mais atraentes. Também é preciso deixar a jornada e a qualidade de trabalho melhores para incentivar as pessoas", analisa. Quando decidiu fazer Letras, até seus pais, que são professores de teatro, sugeriram que fizesse outra coisa. "Meu curso tem esse estigma. Muita gente se interessa pela área e papel do professor é essencial, mas o interesse acaba diminuindo pelas condições de trabalho".>
Já o estudante Valmir Borges, 23, que cursa a licenciatura em História, escolheu essa graduação porque sempre percebeu que se interessava pela escola além do que era obrigatório. "É comum ver gente falando que adora História, mas, na hora de entrar na faculdade, não está interessado - e não porque não gosta, mas porque a possibilidade de trabalhar em sala é muito negativa. O professor está lidando com sala de aula lotada e, nos últimos anos, com um público que questiona fatos comprovados", diz.>