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Quais são as religiões de quem faz a axé music? Em meio à polêmica, artistas reconhecem a influência da fé

Cantores e compositores contam o que levam de suas crenças para o trabalho na folia

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 22 de fevereiro de 2025 às 05:00

As religiões em cima dos trios de axé
As religiões em cima dos trios de axé Crédito: Thainá Dayube

A festa é de origem católica. O ritmo é batizado pela influência das religiões de matriz africana. Mas, no Carnaval, no comando do trio, os artistas de axé têm diferentes crenças. Entre candomblecistas e católicos, há aqueles evangélicos e até testemunhas de Jeová. Cada um leva sua fé para os dias de folia de um jeito.

Desde o início, o axé esteve de mãos dadas com a fé. “Aqui em Salvador, a religião que nos é apresentada, desde quando a gente é criança, é o catolicismo. Ainda criança, fiz catecismo”, lembra o compositor Carlos Cardoso Cabral, autor do hit Doce Obsessão. Evangélico desde 2007, ele hoje atende por Irmão Kabral e iniciou um movimento que chama de ‘a fé music’.

“Mas a minha a experiência e a minha trajetória antes de ser cristão me fizeram entender que toda a construção da música baiana é feita em cima da religião afrodescendente, porque os blocos afro fazem referência às religiões de matriz africana”, acrescenta.

O aspecto religioso foi parar no centro do debate público nas últimas semanas, depois de episódios como o que um vídeo em que a cantora Claudia Leitte troca o nome da orixá Iemanjá por Yeshua (Jesus, no hebraico), na letra da música Caranguejo. O registro de uma apresentação dela no Candyall Guetho Square, em dezembro do ano passado, viralizou nas redes sociais. Evangélica, a cantora trocou o verso “Saudando a rainha Iemanjá” por “Eu canto meu Rei Yeshua”. Contudo, aquela situação não era a primeira vez - e nem Claudia tinha sido a primeira artista a fazer algo semelhante.

O fato é que, se havia influência religiosa no axé no passado, a coisa não é tão diferente no presente. Há quem defenda que essa relação ainda passa pelas religiões de matriz africana, porque elas também influenciam aspectos de outras religiões - inclusive as protestantes. Por outro lado, há quem diga que esse diálogo acontece porque a religião faz parte de um guarda-chuva maior: a cultura.

Rituais

Não é incomum que cada artista, antes de subir ao palco ou começar a puxar um trio no Carnaval, tenha um ritual religioso próprio, de acordo com a fé que tem. Carlinhos Brown, por exemplo, tradicionalmente faz um padê antes de começar a desfilar. A oferenda a Exu é para abrir os caminhos. Uma das imagens mais icônicas da folia do ano passado foi justamente quando Brown fez o padê na Barra, no sábado de Carnaval, e falou que era importante para destrancar as ruas. O circuito Dodô, naquele dia, enfrentara problemas com trios quebrados e atrasos sem precedentes no desfile.

Há, ainda, quem faça uma oração com a equipe. Há vídeos de Ivete Sangalo, por exemplo, recitando o Pai Nosso ao lado dos músicos de sua banda, e dos foliões que aguardavam o trio. No ano passado, até profecia teve: Baby do Brasil viralizou ao dizer justamente a Ivete que o apocalipse e o arrebatamento estavam próximos, quando a cantora passava com seu trio pelo camarote de uma emissora de televisão. Ivete, por sua vez, respondeu que 'macetaria' o apocalipse.

“Existem coisas que realmente são espirituais, que afetam lá na alma da pessoa. Quando nós procuramos uma saída, muitas pessoas vão buscar uma religião. Isso acontece com as outras também, não só com a religião cristã. Mas é por isso que, na minha opinião, muitos artistas têm se convertido. Só que muitos sobrevivem, tem isso como profissão e não abandonam”, avalia o Irmão Kabral.

O cantor Tonho Matéria acredita que os símbolos das religiões de matriz africana foram, de certa forma, incorporados por outros segmentos religiosos. “Se você vai para o catolicismo, vê cores de matriz africana. Se vai para o pentecostal, tem o óleo ungido, a proteção das mãos, a cabeça no chão. A música e os ritmos estão inseridos neste lugar”, explica.

Para ele, religião é uma questão pessoal. Candomblecista, convive com uma família com integrantes espíritas e evangélicos, mas o cantor defende que, na música, a influência da religião de matriz africana seja preservada. “A África é o berço cultural do mundo e deu tudo para a gente. Deu os ritmos, as harmonias, as cores, a natureza. O rock foi criado pela cultura negra, o blues é negro, assim como o jazz, o samba reggae, o samba, o ijexá”, diz.

No Carnaval, a cultura negra é um dos fundamentos desde as primeiras agremiações e movimentos, de acordo com ele. “Eram elementos completamente trazidos das músicas de matriz africana, do candomblé mesmo. Quando você começa a entender esse processo de construção no passado, vai ver que hoje não é diferente”, pondera.

Para Tonho Matéria, não há problema em ter artistas de diferentes religiões no axé. Ele cita, inclusive, aqueles que são ateus. “O que não gosto é de pessoas que bebem dessa fonte e acham que aquilo que está se fazendo não é merecedor, que não conseguem construir um diálogo e que só a igreja prevalece. Acho um engano, porque o ideal é o diálogo. Mesmo você indo para qualquer religião, não tem como não beber água da fonte do princípio. E o princípio está inserido nas matrizes. Não tem como fugir”, diz.

Cultura

Filho do sambista Firmino de Itapuã, o hoje pastor Fernando de Itapuã passou pelo Olodum e pela banda Baby Léguas antes de se converter à igreja evangélica. Ainda que a música seja importante para as celebrações de qualquer religião, por muito tempo, ele conta que foi difícil ver o samba reggae ou mesmo o axé em ritmo gospel. Antes, existia uma separação entre os dois universos - a música ‘mundana’ e a música gospel. Isso fez com que, segundo ele, muita gente torcesse o nariz quando ele tocava canções cristãs no ritmo do samba reggae.

“Como eu venho desse berço, eu utilizo da minha cultura. Acho que o grande problema que acontece hoje é que a gente não faz essa diferenciação entre religião e cultura. Eu compreendo que existem muitas coisas da cultura que estão impregnadas na religião, mas ela faz parte da cultura do meu povo”, explica.

O pastor criou a banda Tambores Remidos, no início dos anos 2000 e acredita que quebrou um paradigma pelo pioneirismo. O grupo até participou da gravação do álbum Esperança, do Diante do Trono, em Salvador, em 2004. Foi o sétimo disco ao vivo do grupo mineiro, que, na época, era o maior fenômeno gospel do país.

“Mesmo eu sendo um homem evangélico protestante, não deixei de ser um homem negro. Não deixei de amar a minha cultura. Não é porque virei evangélico que não tenho o direito de utilizar a minha cultura”, explica o pastor, que também é sociólogo e historiador.

De acordo com ele, os tambores do samba reggae, que ganharam vida com o Olodum, não são os mesmos usados nas cantigas de candomblé. Enquanto a religião usa instrumentos como o agogô e os atabaques rum, rumpi e lé, o samba reggae usa as marcações, além das caixas e do repique.

“O samba reggae é criado a partir do que se fazia nos blocos afro. Muitos (integrantes) vêm do candomblé e os afoxés se utilizam de toda a rítmica dos terreiros, mas os blocos afro criaram uma coisa própria - um ritmo próprio, sobretudo o Olodum”, diz. Para ele, o debate precisa ser amadurecido em todo o país. “A maior agremiação, em número de pessoas negras, são as religiões neopentencostais, que estão instaladas nos subúrbios e interiores do Brasil inteiro. Não digo isso como quem fala do ponto de vista de disputa, mas do ponto de vista de que lá estão pessoas que querem se utilizar da sua cultura”, pontua.

‘Minha religião é a arte’, diz Daniela Mercury

Daniela Mercury
Daniela Mercury Crédito: Divulgação

Ao longo da carreira, Daniela Mercury foi uma das artistas que mais cantou sobre sua fé. Em Baiana, por exemplo, ela se define como uma mulher ‘católica de candomblé’. Em De Deus, de Alah, de Gilberto Gil, ela narra que ‘A voz de Deus é a voz da música’. “Minha religião é a arte”. De formação católica, Daniela passou por treinamento de líderes, palestras e o encontro de jovens conhecido como Escalada. Desses momentos, ela levou os princípios do catolicismo como aprendizado. “A misericórdia, a compreensão, o respeito, a dignidade, a caridade, a solidariedade, tudo que vim, ao longo desses anos da minha vida, traduzindo também em minha luta pelos direitos humanos, porque achava que a caridade em si não era bastante”, explica. Além disso, o candomblé faz parte da vida dela desde criança. No palco, a relação está lá. “Respeito, tenho fé, rezo, mas quando eu estou no palco, eu sou artista e tento transferir todo esse conhecimento, todo esse amor pela humanidade para minha arte”.

‘Respeito muito a religião que faz parte da minha história’, diz Lazzo

O cantor Lazzo Matumbi abriu oficialmente o Carnaval do Pelô, nesta sexta-feira (9)
O cantor Lazzo Matumbi Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor

Filho de pais católicos, Lazzo Matumbi fala de seu respeito pelas religiões de matriz africana. “Meu santuário é a natureza, o mar, o Sol. Mas respeito muito a religião que faz parte da minha história, mesmo sem dizer que sou adepto. Sou admirador com muito respeito”, conta. No Carnaval, Matumbi trocou os trios pelos palcos há alguns anos e tem seus rituais próprios. “Diria que a minha fé e a segurança espiritual são muito mais da minha ancestralidade e dos meus guias que me dão força”. Antes de se apresentar, ele prefere ter seus momentos individuais de concentração e reflexão. Ele conta que conversa com seus guias ancestrais e seus guias e pede para fazer a sua música da melhor forma possível. “Minha concentração é muito pessoal. É da minha energia, da minha fé”. Em alguns momentos, o cantor chega a evitar contato com as pessoas para reservar um período de introspecção. “Prefiro estar quieto no meu canto porque a música é minha vida. Me considero um artesão, não um artista”.