Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Tharsila Prates
Publicado em 28 de dezembro de 2024 às 05:00
Torto Arado - O Musical esteve na boca do povo. Foram mais de 50 apresentações, 14 mil espectadores e primeira lembrança entre quem foi instado a opinar sobre os melhores espetáculos teatrais em Salvador, neste ano.
Adaptação livre do best-seller de Itamar Vieira Junior, a encenação não decepcionou os fãs do livro que lotaram as plateias tanto da capital baiana quanto de São Paulo, o destino seguinte.
Mas Torto... não foi a única opção. Quem viu Os Dias Lindos de Celina Bonsucesso, Vou Te Contar, Homem é Homem, Partiste e A Visita da Velha Senhora pôde participar de momentos únicos, divertidos, emocionantes. E houve mais. Esta retrospectiva é para relembrar parte do que foi o teatro por aqui, em 2024, e deixar um gostinho para começar 2025 de olho na programação, que já se inicia em janeiro, com Chame Gente, A Casa de Jorge Amado, Aos 50 Quem me Aguenta e a nova montagem de Los Catedrásticos - elenco original Macetando o Apocalipse.
O diretor Fernando Guerreiro comemorou o ano, atento a Torto Arado, à volta da atriz Rita Assemany, que protagonizou Chiquita com Dendê e Surf no Caos, e ao solo do ator Marcelo Praddo (Vou Te Contar). Usando apenas uma cadeira, Praddo deu voz a pessoas que não possuem milhões de seguidores, não estampam colunas sociais nem desfrutam de regalias dos camarotes vips do Carnaval, mas, imortalizadas pelo olhar do jornalista paulista Christian Carvalho Cruz, se transformam em verdadeiros influencers da alma. “Simples e bem feito”, opina Guerreiro.
“Belo solo do ator Marcelo Praddo, versátil e potente em cena, teatralizando histórias reais relatadas por pessoas comuns. São cinco personagens com enredos simples e complexos, interpretadas por um artista corajoso, resistente, maduro e com múltiplas possibilidades criativas”, resume Marcos Uzel, jornalista, escritor e professor.
Uzel também destaca Homem é Homem, produção da Companhia de Teatro da Ufba para o texto de Bertold Brecht. Grandes nomes como Hebe Alves e Lúcio Tranchesi se reuniram a novatos da primeira Escola de Teatro da América Latina, com direção de Caio Rodrigo e Pedro Benevides, para nos fazer pensar sobre quanto custa a identidade de um homem.
“É a história irônico-dramática de um estivador que sai de casa para comprar um peixe e, no meio do caminho, vende a alma para um grupo de soldados em troca de garrafas de cerveja e de uma suposta mudança de vida, envolvendo-se numa guerra sem sequer saber a razão do embate. Uma peça metafórica e crítica sobre mais valia, ética, princípios, alienação e a perda de noção de si mesmo, conduzida com personalidade e habilidade criativa pela dupla de encenadores e por um elenco afiado, com Lúcio Tranchesi, um dos grandes atores do teatro brasileiro, e atuações admiráveis da atriz Hebe Alves e do ator Gordo Neto”, diz Uzel.
Noites lindas
Quem também foi ao Martim Gonçalves conferir Os Dias Lindos de Celina Bonsucesso se emocionou. Chica Carelli protagonizou um espetáculo “bem dirigido, com texto poético e produção bem cuidada”, nas palavras de Fernando Guerreiro; “bela encenação, construção habilidosa de diálogos, estruturação de conflitos engenhosa e autoral na forma criativa”, para Marcos Uzel; e “uma felicidade”, diz a atriz Vivianne Laert, que faz Celina na fase adulta. A tia Pureza, da atriz Kátia Leal, garantiu boas risadas.
Montagem inédita que celebrou os 60 anos de carreira da atriz, diretora e produtora Yumara Rodrigues, que morreu aos 90 em novembro último, a peça desfila as memórias de uma senhora que envelheceu amando o cinema. Escrita especialmente para Yumara por Paulo Henrique Alcântara e dirigida por Hyago Matos, foi uma grande homenagem à dama do teatro baiano.
De volta ao musical Torto Arado, Guerreiro o considera o grande espetáculo da vida de Elísio Lopes Jr e sua melhor direção. “O livro não tem nada de teatral, é literatura pura. E foi um grande desafio fazer essa transposição”, diz ele, lembrando que a peça tem ainda direção musical de Jarbas Bittencourt, coreografia de Zebrinha, dramaturgia de Elísio, Aldri Anunciação e Fábio Espírito Santo, com produção e coordenação geral de Fernanda Bezerra.
Outra grande produção estreou entre o São João e o São Pedro: o musical Viva o Povo Brasileiro, que movimentou o Sesc Casa do Comércio, também com casa cheia. Adaptado do clássico de João Ubaldo Ribeiro, sob a direção de André Paes Leme, contou com 30 músicas originais de Chico César.
Festa
O ano encheu-se de celebrações. O Teatro Gamboa foi palco dos cinco anos do espetáculo Das ‘coisa’ dessa vida, que teve direção de João Miguel, texto de Gildon Oliveira e performance emocionante de Ricardo Fagundes, premiado pelo trabalho em 2019 com o então Braskem, hoje Bahia Aplaude. Na peça, Nalde, uma pessoa LGBTQIAPN+ do interior nordestino, compartilha memórias, dores e alegrias de ser quem é.
O Gamboa ainda recebeu Sonhos. Os atores Gil Santana e Ney Porto deram vida a dois homens encenando um jogo que cruza sonhos de pessoas simples, sonhos interrompidos e sonhos de grandes criadores e personalidades mundiais. O espetáculo marcou os 45 anos de carreira de Gil, que assinou texto e direção. Quem aí viu?
O público da capital foi agraciado com novas encenações de Partiste, premiada em 2010, na categoria Melhor Texto. Muito bom rever a história de uma família sofrida, mas amorosa, que enfrenta mil dificuldades e tem na matriarca o seu esteio.
2024 marcou ainda os 60 anos - e o fechamento provisório - do lendário Teatro Vila Velha, que está sendo requalificado pela prefeitura de Salvador, com previsão de reabertura em 2025. Marcio Meirelles e equipe, contudo, ocuparam outros locais, como o Museu de Arte da Bahia (MAB), e encenaram Josefina, a dos Ratos, e a recente Esse Caminho Longe, entre outras. Os amantes da história deste teatro, em particular, podem aproveitar as férias para rever momentos icônicos na exposição Vila Velha, Por Exemplo, em cartaz até 16 de fevereiro no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM).
Sr. Oculto foi a última apresentação antes da reforma. Se Em Meu Nome é Gal, no cinema, vimos um Rodrigo Lelis encantador, nesta adaptação cênica de O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Sr. Hyde, a performance dramática oscilou entre a culpa e a vilania de um médico que se torna um monstro. Com direção de Marcio Meirelles e texto de Mônica Santana, um Rodrigo Lelis atormentado, comemorando 10 anos de carreira.
Querem mais? O roteirista, ator e produtor Ruan Passos e seu espetáculo infantojuvenil mais que fofo - Saudades, João - conquistaram mais de sete mil espectadores desde a estreia, há dois anos. Não é para qualquer um. Várias vezes em cartaz, e as crianças amam.
O ator Frank Menezes encarnou nova personagem e colocou Aleluia à disposição da plateia. O espetáculo do veterano promete voltar no ano que vem. Fiquem ligados.
O diretor artístico, professor e colunista do CORREIO, Gil Vicente Tavares, destaca a produção dos alunos e alunas da Ufba, além da Companhia de Teatro da universidade, com as peças Homem é Homem e A Visita da Velha Senhora, em um momento em que o teatro profissional na Bahia ainda vive uma crise.
“Temos muitos profissionais capacitados para fazer cinco, seis espetáculos do nível de Torto Arado por ano, em Salvador, bastando políticas públicas e um olhar sensível e atento do empresariado que garantam recursos”, afirma.
A Visita da Velha Senhora, do suíço Friedrich Dürrenmatt, dirigida por Gil, com dramaturgia de Cleise Mendes, nunca havia sido montada em Salvador e foi estrelada por Ítala Nandi e outros grandes nomes como Frank Menezes, Bira Freitas, Lúcio Tranchesi e Claudio Cajaíba. Quem assistiu não pagou nada, e foi um espetáculo grandioso.
Além do incentivo financeiro insuficiente, há outro defeito: acostumar-se a chamar de temporada apresentações que não passam de 1 mês em cartaz. É preciso correr para assistir durante um ou dois finais de semana apenas. Isso não é temporada, e o teatro baiano merece mais.
Curto Circuito e Bahia Aplaude
O Curto Circuito das Artes, realizado pela Fundação Gregório de Mattos (FGM), anunciou a programação da 2ª edição para janeiro e fevereiro. Espaços como o Quarteirão das Artes, Bocas de Brasa, no Subúrbio, e o Teatro Gregório de Mattos receberão a peça Aos 50 Quem me Aguenta, com Edvana Carvalho; Surf no Caos, com Rita Assemany; Vou te Contar, com Marcelo Praddo; e Museu do que Somos, dirigido por Antônio Sena Jr.
Os ingressos são gratuitos e deverão ser retirados 1 hora antes dos espetáculos. Os dias, locais e horários poderão ser conferidos no site da FGM.
Já o Prêmio Bahia Aplaude, ex-Braskem de Teatro, caminha para a sua 30ª edição. As peças da capital podem se inscrever até o dia 31 de março de 2025. As do interior, já selecionadas, estiveram em cartaz em novembro, em Salvador, durante a Mostra Interior em Cena (confira a lista abaixo).
Pelo segundo ano consecutivo, elas concorrerão junto com as produções da capital. Serão cinco finalistas em cada categoria (Espetáculo Adulto, Espetáculo Infantojuvenil, Direção, Ator, Atriz, Texto, Revelação, Performance e Categoria Especial). O anúncio e a premiação acontecerão no primeiro semestre de 2025. As datas ainda serão divulgadas.