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Thais Borges
Publicado em 22 de dezembro de 2024 às 02:00
Uma muralha separa duas comunidades: ao sul, os humanos; ao norte, os feéricos (uma espécie de fadas). Nesse mundo fantástico, a humana Feyre é levada ao lado feérico como punição por matar um ser mágico disfarçado de lobo. Lá, ela precisa viver com Tamlin, o Grão-Senhor da Corte Primaveril e enfrentar uma maldição que ameaça os dois lados.
Essa é a premissa de Corte de Espinhos e Rosas, o primeiro livro da série homônima da autora americana Sarah J. Maas, lançado em 2015 tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Mais conhecida no TikTok e no Instagram pelo acrônimo Acotar (do nome original, em inglês), a saga é considerada o marco inicial de um dos subgêneros literários mais rentáveis dos últimos anos: a romantasia. Agora, quase uma década depois, o termo - a junção de romance com fantasia - atingiu o seu ápice.
Se teve um ano que a romantasia poderia reivindicar como seu, foi 2024. Além de estar presente em praticamente todas as editoras que publicam ficção, o termo concorreu à palavra do ano de 2024 duas vezes - em novembro, com o dicionário Collins, e agora em dezembro, pelo dicionário Oxford (nos dois casos, a expressão original em inglês ‘romantasy').
Ainda que o romance romântico com ambientação fantástica não seja exatamente uma novidade, agora é uma tendência dominante. Nos últimos anos, a situação escalou. "Eu me lembro da Feira de Frankfurt em 2022, por exemplo, e de perguntar a agentes e editores o que havia de mais potente na ‘romantasy’. Muitos nem sabiam do que se tratava. Na desse ano, praticamente todos tinham algum livro dessa linha para apresentar", diz o gerente editorial da Editora Planeta, Mateus Duque Erthal. Este ano, a Planeta trouxe para o Brasil um dos grandes fenômenos do gênero: Quarta Asa, de Rebecca Yarros.
Se no aspecto global é difícil apontar um único marco em 2024 que tornou esse um ano diferente para as romantasias, no Brasil, a situação muda um pouco de figura. Por aqui, um dos símbolos do ano, na opinião de diferentes especialistas do mercado literário, foi justamente o lançamento de Quarta Asa, escrito por Rebecca Yarros. Na obra, a protagonista Violet precisa sobreviver ao treinamento de uma escola de cavaleiros de dragões e lidar com o sentimento pelo líder de um esquadrão. A trama será adaptada para o streaming em uma série do Prime Video.
Quando decidiu trazer Quarta Asa, Erthal tinha tido contato apenas com um trecho - uma ideia. Não sabia o tamanho nem o que seria de fato. A contratação, diz ele, foi porque parecia haver algo ali. "Quando enfim veio a primeira versão do texto, um susto: certamente seria um livro de mais de 500 páginas, e o primeiro de uma série! O mercado editorial brasileiro ainda lutava com as expectativas dos leitores em relação ao preço de capa dos livros, em especial em alguns gêneros como o romance romântico e a fantasia. Mas eis que veio o estouro nas redes sociais, o que nos fez confirmar que a aposta tinha valido a pena", lembra ele.
Histórico
Romantasia, como o próprio termo entrega, é a junção de romance e fantasia. No entanto, é uma combinação em que os dois gêneros têm importância semelhante para a obra. Quando anunciou as palavras concorrentes este ano, o dicionário Oxford indicou que o primeiro registro do termo é de 2008, por uma editora alemã. No mesmo ano, a palavra apareceu no Urban Dictionary - há quem sustente que foi a verdadeira estreia.
Mas não passou disso. O uso só aconteceu, de fato, a partir de 2015, com os livros de Sarah J. Maas - e especificamente a série Acotar. Desde então, a popularidade tem aumentado nitidamente e o Oxford considera que só se tornou ‘mainstream’ (dominante ou convencional) neste ano.
“É impossível falar de romantasia sem falar de Sarah J. Maas”, reforça a editora-executiva da Galera Record, Rafaella Machado. No Brasil, a empresa é a responsável por publicar os livros da autora. De acordo com a Rafaella, na romantasia, os dois gêneros se sustentam fortemente, mas têm uma interseção forte. “As leitoras de romance são muito ávidas, leem um livro por dia. As de fantasia são muito dedicadas, porque são séries longas, de construção muito densa”, analisa.
Não é o mesmo de sucessos de outros períodos, como a saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer. Na saga vampiresca, os vampiros viviam no mundo como o nosso - por isso, os livros são classificados como romance paranormal. Na romantasia, a geografia, a história e a política do universo devem ser diferentes da sociedade contemporânea.
De acordo com Rafaella, a romantasia também se torna mais popular a partir do momento em que as mulheres passam a escrever mais fantasia. Por muito tempo, a maior parte dos escritores de ficção fantástica eram homens - J. R. R. Tolkien, de O Senhor dos Anéis, e C. S. Lewis, de As Crônicas de Nárnia, por exemplo, só para ficar entre os clássicos. “Hoje, é um gênero muito feminino, tanto quando falamos de escritoras tanto quando falamos de leitoras”, acrescenta.
Só no Brasil, Sarah J. Maas vendeu mais de dois milhões de exemplares. Hoje, ela é o maior nome do selo, ao lado de Colleen Hoover, por trás do fenômeno É Assim que Acaba, entre outros títulos de romance contemporâneo. Ainda que sejam diferentes, parte do público de Maas se relaciona com o de Hoover.
“Li um artigo que falava sobre como a geração Z se sente ansiosa pensando em relacionamentos. Acho que esses livros acabam suprindo um pouco a vontade de imaginar cenários. Tem crescido muito a diferença ideológica entre homens e mulheres, com homens se ressentindo muito de mulheres. Acho que as mulheres encontram, nesses namorados literários, romances seguros de viver”, diz a editora-executiva.
Em 2025, além de Sarah J. Maas e Jennifer L. Armentrout (autora de De Sangue e Cinzas), a Galera Record terá novas romantasias de autoras nacionais, como Giu Domingues e Maria Freitas, que é uma escritora trans.
Uma tendência que tem surgido são gêneros híbridos, como o ‘thromance’ - mistura do thriller com o romance. Dentro da romantasia, outra tendência é o monster romance. Um dos lançamentos já anunciados pela Record é o Lua em Touro, que deve sair pelo selo Verus, em que um dos protagonistas é um minotauro.
Nacional
Um dos principais nomes da romantasia nacional é Giu Domingues, autora da Duologia Boreal. Apaixonada por A Bela e a Fera quando criança, ela acredita que muitos dos filmes de princesa da Disney eram romantasias. À medida que crescia, foi procurando livros em que romance e fantasia estavam presentes de alguma forma.
“Para mim, foi natural escrever uma história que juntasse esses dois elementos”, lembra. Quando começou a escrever o primeiro título da duologia, Luzes do Norte, em 2017, ainda não conhecia o termo. Ao terminar, em 2020, tentou vendê-lo a agências literárias, mas a resposta era de que não havia espaço para fantasia nacional no mercado. Naquela mesma época, a fantasia estourava no mundo, com o isolamento social da pandemia.
Ela decidiu publicar de forma independente e, como profissional de marketing, fez sua própria campanha, inclusive contratando influencers. “Em 24 horas, vendemos 100 cópias de forma independente. No final da pré-venda, eram 600 cópias vendidas. Assinei com minha agência e demos entrada na Galera Record. Na época, eles estavam em busca de publicar mais autores nacionais”, conta. Em dois anos e meio, Luzes do Norte vendeu 50 mil exemplares e já chegou à 10ª edição.
A inspiração para a história em que uma caçadora precisa proteger a primogênita de uma família rica veio de uma viagem ao Alasca para ver a aurora boreal e de uma carência que ela, enquanto bissexual, sentia de ler livros com representatividade LGBTQIA+. Nascia assim, uma romantasia sáfica (de amor entre mulheres).
“A literatura nacional tem muitos (livros com representatividade), então eu sabia que era um espaço seguro para escrever. As coisas que mais me emocionam são quando meninas jovens vêm me dizer que saíram do armário por causa de Luzes do Norte ou que pela primeira vez se sentiram representadas em uma fantasia”, diz. Além da duologia, ela publicou Canção dos Ossos, que é uma romantasia mais adulta, e deve lançar um novo livro em 2025.
Para Giu, acontece agora com a romantasia o mesmo que com qualquer outra tendência. No início, alguém começa a ler. É a adoção dos inovadores - um percentual pequeno da população. Depois, isso fura a bolha e chega aos adotantes iniciais - pessoas que não necessariamente são influenciadoras, mas influenciam seus pares. Depois, vem a difusão da inovação, em que uns 30% da população começa a usar o produto da vez - no caso, ler romantasia. E, por fim, há o restante da maioria, que só vai entrar na trend no último minuto.
“Por que esse foi o ano da romantasia? Porque estamos entrando no momento de difusão, que é da maioria. O processo editorial leva tempo. Você adquire uma romantasia e dois anos depois ela vai ser publicada”, explica. “Por isso, eu digo aos meus colegas autores: não tentem seguir trends. Se você está fazendo para seguir uma trend, você já está atrasado”.
A escritora FML Pepper também vê o momento atual da romantasia com cautela. Autora de Deusa de Sangue e Deusa de Sonhos, publicados pela Planeta, Pepper é uma das autoras que começou a escrever romantasia antes que soubesse que existia um nome para a categoria. Seu primeiro título, Não Pare, foi publicado de forma independente em 2014 e, desde então, já foram 15 milhões de leituras de ebook.
Ela se divide entre a atuação como dentista e como escritora, mas já que por muito tempo não se imaginou como autora de livros. A virada veio em 2009.
“Eu sempre fui boa aluna. Me formei em odontologia, fiz mestrado e estou fazendo agora a minha quinta pós-graduação. Mas estava tentando engravidar e pedi duas gestações, até que tive uma gravidez de altíssimo risco. Tinha que ficar deitada e tomando injeção. Fiquei de barriga para cima. Imagine isso para uma pessoa que trabalha desde os 15 anos”, conta.
O marido começou a trazer livros para ela ler. O primeiro foi Crepúsculo, que estava no seu auge. Até o fim da gestação, tinha lido quase 100 obras, de todos os gêneros. Entre as leituras, veio a inspiração: e se a se apaixonasse pela pessoa que precisa matar? Foi assim que teve a ideia para sua primeira trilogia.
“Eu escrevi ‘Não Pare’ 42 vezes, porque, no começo, era uma dentista escrevendo. Depois, fui atrás de livros para aprender o processo de edição, a jornada do protagonista, fui para congresso nos Estados Unidos. Fui lapidando, lapidando. Lancei Não Pare na Amazon 11 meses antes de Sarah J. Maas lançar Corte, que é considerada a precursora da fantasia. Mas, naquela época, tive que classificar como paranormal, o mesmo e Crepúsculo”.
Para ela, o fato de a romantasia ter virado o negócio vez - como já foram livros de bruxos com Harry Potter, vampiros como Crepúsculo, distopias como Jogos Vorazes e eróticos como 50 Tons de Cinza - traz tanto felicidade quanto preocupação.
“Quando você começa a ter o afluxo de muitos colegas profissionais que, teoricamente, não são da romantasia, e começam a fazer romantasia porque suas editoras pedem, pode começar a se dar o nome a histórias de baixa qualidade. Mas sei também que o próprio leitor separa o joio do trigo. O boom trouxe um público que não nos enxergava, mas minha preocupação é com uma enxurrada desenfreada”.
Ainda existe, para ela, uma curva de crescimento para o gênero, mas seria algo que caminha para o platô. “Minha sensação é que vai ficar nesse platô aqueles que mostrarem resultado de qualidade. Não acho que já está em queda, porque tem novas categorias sendo colocadas dentro da romantasia, como hot, dark, monster, sáfico. Tudo isso começa a abastecer os públicos”.
Escape
Quem busca uma romantasia muitas vezes está procurando escapismo, mas também uma forma de lidar com questões reais, atuais e até pessoais. Essa é a visão da editora de aquisições da Arqueiro, Frini Georgakopoulos. A Arqueiro tem, no catálogo, duas duologias de romantasia: O que o rio sabe, de Isabel Ibañez, e Caçador sem coração, de Kristen Ciccarelli, os dois publicados este ano.
Enquanto a segunda traz como protagonistas uma bruxa e um caçador de bruxas que precisa lidar com seus traumas, a primeira tem uma protagonista latina que foge para o Egito com o objetivo de descobrir o que aconteceu com seus pais. “Aqui, a magia é algo mais sutil, mas o foco é atualíssimo: colonização e exploração de artefatos históricos por colonizadores. Em ambos os livros, os personagens são apaixonantes, as histórias são repletas de aventura e o leitor vira a última página entretido e com muito o que pensar também”, diz ela. Ambas as sagas terão continuações publicadas em 2025.
“A romantasia também traz vários sub aspectos e seus tropes, ambos presentes nos dois gêneros que a criaram: os protagonistas serão rivais que virão a se apaixonar (o famoso enemies-to-lovers)? A protagonista feminina é "a escolhida" para salvar a todos? O herói é na verdade o vilão? Isso tudo para ilustrar que leitores de romantasia buscam personagens cativantes e histórias envolventes”, diz ela, referindo-se aos recursos narrativos usados na ficção (os tropes ou ‘clichês’).
A arquiteta Lays Aguiar, 28 anos, foi conquistada pela nostalgia do lado fantástico, já que costumava ler o gênero, independente de ter romance. Ela também descobriu o termo acompanhando a comunidade BookTok, no TikTok, no início da pandemia da covid-19.
“Acho que histórias de amor arrebatadoras sempre foram populares, mas elas não me atraíam tanto. Sei que o que me trouxe para a romantasia foi justamente a aura mágica, de universos fantásticos e aventuras épicas que viraram a chavinha para mim. Acho até que os absurdos que beiram à toxicidade e à loucura nos livros que li são muito mais ‘digeríveis’ por estar num mundinho destacado da realidade”, opina.
Leitora de Acotar e Crescent City, outra série de Maas, Lays se prepara para encarar Quarta Asa e De Sangue e Cinzas. “Para o mercado, não sei o que mudou. Mas sei que este ano vi pessoas deixando de tratar a romantasia como ‘guilty pleasure’ (prazer com culpa) para ser apenas ‘pleasure’ (prazer)”, completa.
Curva
Outra sensação do momento é Powerless, de Lauren Roberts, lançado em julho pela Rocco. Na obra, um príncipe treinado para matar e uma garota que finge ter poderes se tornam oponentes numa competição mágica. Para a editora de aquisições da Rocco, a romantasia pegou as pessoas um tanto desprevenidas, mas agora todo mundo está prestando atenção. Deixou de ser apenas um fenômeno entre jovens no TikTok.
“Começou a se tornar um pouco desafiador, porque, assim como em qualquer outro gênero, começam a aparecer mais e mais títulos. Acho que, a essa altura, todas as editoras já estão passando um pouco do frenesi inicial e começando a ficar mais seletivas com os títulos”, avalia.
Para o próximo ano, além da continuação de Powerless, uma das apostas da editora é Quicksilver, de Callie Hart. O título foi publicado em inglês em junho, de forma independente, e rapidamente se tornou um sucesso. Este mês, a Netflix anunciou que adquiriu os direitos de adaptação do livro.
Apesar de populares, as romantasias ainda não figuram nas listas de mais vendidos no Brasil. No ranking da Amazon, por exemplo, divulgado na semana passada, não há nenhum do gênero entre os 25 mais populares. “Ainda estamos na curva de crescimento. O mercado fala muito de romantasia, o Booktok fala muito, mas se pegar as listas, ainda não é muito falado. Está crescendo. Acho que, no ano que vem, a coisa vai ser bem maior do que esse ano”, afirma o diretor comercial e de marketing da Rocco, Bruno Zolotar.
O que acontece é que, desde 2019, mudou a dinâmica como os livros são vendidos no Brasil. Com o fim de grandes redes de livrarias físicas, principalmente a Saraiva e a Cultura, a grande vitrine passou a ser a Amazon, de acordo com Zolotar.
“Antigamente, vocês e ia numa Saraiva e via os lançamentos na porta. Agora, as pessoas olham os mais vendidos na Amazon. No passado, lançamento vendeu mais. Hoje, são livros de catálogo vendendo desde 2021, por isso Colleen Hoover vendendo desde 2021 sem parar. Até 2018, você lançava um livro e esperava os dois, três primeiros meses. Hoje, vai acontecendo quase um ano depois. Estamos na fase de amadurecimento”, completa.
É o primeiro livro da série homônima. Num universo com feéricos, é considerado precursor do gênero. Num mundo dividido por uma muralha, homanos vivem de um lado e feéricos de outro
A humana Feyre se torna caçadora para sustentar a família. Um dia, na floresta, mata uma criatura mágica que estava na forma de lobo. Depois, uma besta exige reparação e a leva para o outro lado da muralha. Lá, ela passa a viver com Tamlin, Grão Senhor da Corte Primaveril. Aos poucos, ela descobre que precisa lutar contra uma maldição que ameaça os dois mundos.
Primeiro volume da série Mariposa Escarlate, o livro conta a história de uma jovem bruxa precisa se esconder, em um mundo onde elas são executadas. Mas elase envolve com um caçador de bruxas.
É o início da saga de uma guerreira que ousou desafiar as normas dos homens e as lendas dos deuses.
Romantasia nacional sáfica em que uma caçadora precisa proteger a filha primogênita de uma família.
Um príncipe treinado para matar e uma garota que finge ter poderes se tornam oponentes numa competição mágica.
A protagonista precisa sobreviver ao treinamento de uma escola de cavaleiros de dragões.