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O que a rodoviária de Feira, o CAB e um filme indicado ao Oscar têm em comum? Conheça a arquitetura brutalista

Construções que seguiram expressão do brutalismo tiveram seu auge na Bahia nas décadas de 1960 e 1970

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 17 de março de 2025 às 11:30

Rodoviária de Feira de Santana tem estilo brutalista, que inspirou filme com 10 indicações ao Oscar
Rodoviária de Feira de Santana tem estilo brutalista, que inspirou filme com 10 indicações ao Oscar Crédito: Reprodução

O que Feira de Santana e um filme com 10 indicações ao Oscar têm em comum? A princesinha do sertão conta com um dos principais representantes da chamada arquitetura brutalista na Bahia - ou seja, o mesmo movimento retratado no filme O Brutalista, drama do diretor Brady Corbet. O protagonista, interpretado por Adrien Brody (vencedor do prêmio de Melhor Ator), é um arquiteto sobrevivente do Holocausto que imigra para os Estados Unidos. 

Por aqui, o Terminal Rodoviário de Feira de Santana, que fica na Avenida Presidente Dutra, foi um dos primeiros monumentos construídos seguindo essa tendência arquitetônica no estado, nos anos 1960, ainda que não seja o principal deles. Um estudo liderado pelo arquiteto Nivaldo de Andrade Júnior, professor da Faculdade de Arquitetura da Ufba (Faufba) e vice-presidente da União Internacional de Arquitetos, identificou 35 exemplos de referência do brutalismo na Bahia, incluindo a balança e a Igreja da Ascensão do Senhor do Centro Administrativo da Bahia (CAB) e o prédio da Assembleia Legislativa da Bahia.

A arquitetura brutalista faz parte de uma segunda fase da arquitetura moderna. Enquanto a primeira fase, entre as décadas de 1930 e 1940, tinha formas muito brancas, suaves e leves - e teve o brasileiro Oscar Niemeyer como um dos expoentes -, a segunda fase vem após a Segunda Guerra Mundial, em um período em que muitas das crenças da sociedade da época foram colocadas em xeque.

“Esse movimento surge na segunda metade dos anos 1950, na Europa, mas no Brasil é principalmente nas décadas de 1960 e 1970, com o ápice nos anos 70. É uma vertente marcada pelo material exposto, principalmente pelo concreto aparente", explica Andrade Júnior. De acordo com o professor, o próprio nome não vem de ‘bruto' no sentido de ‘grosseiro', como podemos entender em português, mas do francês ‘brut’, que diz respeito ao concreto aparente. “É sobre a natureza e a expressão dos materiais", acrescenta.

Não era uma tendência dominante apenas no Brasil, mas em todo o mundo. No CAB, além da Alba, da igreja e da balança, prédios que abrigam secretarias estaduais também tiveram essa influência. Além disso, boa parte das unidades construídas durante a ampliação da Ufba, especialmente as implementadas com a criação do campus de Ondina, são construções brutalistas. O estudo do professor cita, ainda, outras unidades do campus do Canela, a exemplo das Faculdades de Medicina, Educação e Administração, que foram construídas na década de 1970.

No clima tropical úmido de muitas cidades baianas, contudo, ter o concreto aparente em construções pode trazer problemas nos materiais ao longo do tempo, devido à umidade. “As pessoas, em geral, acham triste, acham que é uma arquitetura cinza. Para alguns, parece que não teve dinheiro para terminar. Mas, nós, arquitetos, adoramos", diz.

Em Feira

A construção da rodoviária de Feira está inserida em um momento específico do país, que envolve o surgimento de terminais em outras cidades, incluindo capitais, como Salvador. “Rodoviária era um programa novo, uma arquitetura nova. Até os anos 1950, praticamente não existia transporte de ônibus no Brasil. A Bahia tem a política de construir rodoviárias a partir dos anos 1960", explica Andrade Júnior.

A primeira rodoviária do estado foi a de Salvador, inicialmente implantada na Sete Portas. O terminal permanece ali por 12 anos, até a construção da atual, localizada na região do Iguatemi. Concluída em meados dos anos 1970, ela também representa o brutalismo na Bahia.

“Outro escritório, liderado pelo arquiteto Yoshiakira Katsuki, um japonês radicado na Bahia, projetou quatro rodoviárias no interior. A de Vitória da Conquista foi projetada, mas não foi construída. As de Jequié, Itabuna e Feira de Santana foram", explica.

O terminal foi inaugurado em 1967 e, desde então, conserva o estilo arquitetônico. “As calhas da cobertura da rodoviária de Feira são superdimensionadas, exageradas. Eles têm vigas e calhas com função de sustentar e coletar água da chuva. Elas são vantajosas para dar essa expressão arquitetônica", acrescenta o professor.

Rodoviária de Feira de Santana
Rodoviária de Feira de Santana Crédito: Reprodução

Um ponto em contraste é que, apesar de brutalista, a rodoviária de Feira é pintada - em geral, isso não acontece nessa expressão arquitetônica. Não é possível, no entanto, afirmar com certeza que a decisão pela pintura foi para evitar a umidade. Já as pedras usadas na frente da rodoviária, que fazem a contenção, também representam o material bruto, sem revestimento. “Eles preferiram deixar a expressão da verdadeira natureza do material. A beleza estaria associada a isso".

Para a arquiteta Carina Macêdo, que atua em Feira de Santana, a rodoviária é um marco arquitetônico da cidade. A grandiosidade da construção, inclusive dos seus vãos, é citada por ela também como uma das expressões do brutalismo no terminal.

“O brutalismo tem como uma das características exacerbar a utilização dos materiais em acabamento, a exemplo do concreto, em estruturas bastante robustas, como forma de fazer esse significado. A estética se resolve na própria função e o belo pode existir mesmo sem ser bem acabado", diz Carina. “A rodoviária de Feira de Santana corresponde às características brutalistas de forma geral. Mas, a meu ver, os estilos arquitetônicos aqui já chegam um pouco simplificados. Então, ela tem um formato mais minimalista em relação a obras de Salvador, por exemplo", pondera.

Segundo Carina, o brutalismo aparece não apenas na rodoviária, mas em outras construções de Feira de Santana - inclusive em imóveis particulares. Reflexos dessa influência ainda podem ser percebidos em casas construídas nas décadas de 1980 e até 1990, especialmente em bairros como a Santa Mônica e arredores da Avenida Getúlio Vargas.

“Aqui em Feira, a gente tem um exemplar com características dessa arquitetura no Corredor dos Araçás, que se chama Casa Araçás, que é do escritório Moreira Andrade. Saiu até no Arquidaily, que é uma plataforma digital mundialmente conhecida", explica.

O maior

Apesar da representatividade das rodoviárias, o maior símbolo do brutalismo na Bahia é o prédio da própria Faufba, que fica no bairro da Federação, em Salvador. O edifício foi um dos primeiros de que se tem registro no estado, com a construção no período entre 1963 e 1971, segundo o estudo do arquiteto e professor Nivaldo de Andrade Júnior.

Faculdade de Arquitetura da Ufba
Faculdade de Arquitetura da Ufba Crédito: Reprodução/Ufba

“A Faufba é uma das mais belas obras de brutalismo da Bahia e faz um diálogo com a Faculdade de Arquitetura da USP (Universidade de São Paulo), que é considerada a obra-prima do brutalismo no Brasil", explica. A autoria do projeto foi dos arquitetos Diógenes Rebouças, Ana Maria Fontenelle, Analdino Lisboa e Carlos Campos.

Enquanto movimento, contudo, o brutalismo é considerado ‘datado'. Há algumas importantes construções ainda na década de 1980, como o Fórum de Justiça do Piauí, em Teresina, e a Biblioteca Central da Ufba, no campus de Ondina.

“Era uma tendência, mas outros movimentos na arquitetura foram ganhando protagonismo. Hoje, não se vê, embora ainda se façam algumas obras com concreto aparente, como no Palacete das Artes. Aquele anexo na parte de trás, construído nos anos 2000, tem influência do brutalismo", completa o professor, citando a construção nos fundos do Museu de Arte Contemporânea da Bahia, na Graça.