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O mercado da pré-Medicina: como funciona o setor que trabalha com o sonho de quem quer ser médico

Nas últimas semanas, venda de curso preparatório e anúncio de turmas 'MED' em colégio movimentaram o mercado

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 8 de novembro de 2024 às 15:04

Cursos específicos para Medicina, como o Único, tomaram o lugar do pré-vestibular tradicional
Cursos específicos para Medicina, como o Único, tomaram o lugar do pré-vestibular tradicional Crédito: Paula Froes/CORREIO

"O que move o mercado da Medicina em Salvador ainda é a Bahiana. Ela entrou em um lugar que não só do preço. É do sonho. Quando entra nessa esfera, não tem mais faculdade nenhuma. E, como eu sempre digo, sonho não se negocia". A reflexão do professor de Biologia Deco Carmo, fundador do curso Deco Dicas, ajuda a entender a engrenagem de um dos segmentos educacionais que mais se desenvolveu nos últimos anos - o da pré-Medicina.

Ele se refere à Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, cuja prova está prevista para o próximo dia 24. Apesar de o estado ter, hoje, 29 cursos de Medicina, a Bahiana é a principal prova entre elas, na avaliação de professores e estudantes. Com um vestibular semestral que tem inscrição custando R$ 340, ela destoa das demais por ter maior cobrança de Biologia, abordagem aprofundada de temas de fisiologia humana e incluir questões abertas de Ciências da Natureza, como uma espécie de segunda fase.

Para muitos estudantes que querem Medicina, apenas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), tem peso semelhante. Isso porque o Enem, que tem o segundo dia de provas neste domingo (10), seleciona os candidatos para o curso da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Juntos, o vestibular da Bahiana e o Enem para a Ufba contribuíram para moldar cursos preparatórios exclusivos, turmas específicas em colégios, disciplinas isoladas com aprofundamento e até o serviço de mentoria. O faturamento depende das proporções de cada um, mas chega à casa dos milhões de reais.

A reinvenção do mercado preparatório para o ensino superior começa justamente quando ele deixa de ser ‘pré-vestibular’ e passa a ser ‘pré-Medicina’, a partir dos anos 2010. "Hoje, ou você foca em Medicina, ou não tem sustentabilidade econômica", analisa a professora Ornólia Paracampos, a Nolinha, uma das diretoras do Curso Único. Criada em 2016, a empresa passou três anos atuando de forma geral até decidir investir totalmente na Medicina.

Esse investimento em turmas exclusivas para Medicina é uma resposta tanto à alta demanda quanto ao perfil específico desse público, na opinião da pesquisadora Tatiana Weber Mallmann, que desenvolveu pesquisa de mestrado sobre a preparação para Medicina. "Essas turmas permitem direcionar o estudo dos conteúdos que mais impactam a preparação para os exames de Medicina, como simulados com estilo específico, abordagens direcionadas em disciplinas científicas e suporte emocional".

Histórico

Em Salvador, o marco inicial mais apontado por especialistas é a criação do Pontomed, primeiro curso específico com foco em aprovação em Medicina. Lançado em 2014 com as primeiras turmas em 2015, o Pontomed passou a dividir os holofotes com o Curso Único pouco depois. No ano seguinte, outro ponto de mudança: a chegada do grupo mineiro Bernoulli a Salvador, com curso e colégio. Agora, exatamente uma década depois, a venda do Pontomed à Inspira Rede de Educadores, anunciada no mês passado, representa mais um marco temporal nessa cronologia.

O Pontomed foi o primeiro curso exclusivo para Medicina em Salvador
O Pontomed foi o primeiro curso exclusivo para Medicina em Salvador Crédito: Paula Froes/CORREIO

O valor da transação é sigiloso, mas inclui a transformação dos antigos donos do Pontomed em acionistas da Inspira, que é dona 104 escolas no Brasil, inclusive os colégios Anchieta, São Paulo e Portinari, em Salvador. De imediato, a venda do curso deve fazer com que, já no ano que vem, professores do Pontomed se juntem à equipe de docentes do Anchieta, que anunciou, em setembro, a implementação de turmas ‘MED’ no Ensino Médio. A médio prazo, a previsão é de que duas novas unidades da marca sejam lançadas - uma em Salvador e outra no interior da Bahia.

Quando teve a ideia de fundar o Pontomed, o professor de Matemática Adriano Caribé tinha percebido que a Medicina dominava a escolha de pelo menos 75% dos estudantes nas instituições onde ensinava. Chamou outros quatro colegas - todos professores de ensino médio e pré-vestibular - e, juntos, decidiram investir na criação de um curso focado nesse público em ascensão.

"Tivemos muitos resultados bons, com grandes aprovações na Bahiana e na Ufba. Até que, esse ano, a gente iniciou as conversas com a Inspira. As conversas avançaram e a gente fechou", conta.

Adriano Caribé, fundador do Pontomed
Adriano Caribé, fundador do Pontomed Crédito: Reprodução

Atualmente, o curso conta com 500 alunos e a mensalidade para 2025 pode chegar até R$ 3.340, no caso do intensivo presencial. A proposta também era diferente na estrutura física. Enquanto até o início dos anos 2000, as salas de cursinho tinham até 250 alunos, as do Pontomed têm capacidade que vai de 70 a 90 pessoas. No dia a dia da instituição, ele promete que pouco vai mudar. "Eu continuo sendo o diretor pedagógico. A gente segue em 2025 como foi em 2024, mas com acesso a novos recursos tecnológicos, novas possibilidades de materiais. Mas o material humano para a gente sempre foi o mais importante e não vai mudar nem uma vírgula na equipe".

No Curso Único, a professora Ornólia Paracampos vê com naturalidade a tendência atual. "O que a gente percebe é que sempre existiram ‘booms’. Teve a época das Engenharias, teve a época em que todo muito queria fazer jornalismo para trabalhar na Globo, teve Direito. Agora, é Medicina", pondera. Com cerca de 800 alunos, o prepatório tem mensalidades em torno de R$ 1,5 mil.

A professora Ornólia Paracampos, do curso Único
A professora Ornólia Paracampos, do curso Único Crédito: Paula Froes/CORREIO

A possibilidade de ter uma remuneração diferenciada desde a formatura é sempre citada por alunos e professores. Hoje, o valor pago por um plantão de 12 horas em Salvador fica entre R$ 1,2 mil e R$ 1,5 mil.

Grupos

As transformações no mercado se deram concomitantemente a uma mudança importante na formação médica: a ampliação de vagas de graduação em Medicina no Brasil. Isso aconteceu ao longo de toda a década, mas ficou particularmente intenso após o lançamento do programa Mais Médicos, que tinha a criação de novas vagas como um de seus pilares, em 2013.

"Salvador virou um centro de atenção de grandes grupos, que estão investindo pesado. Eles estão vendo um potencial grande", diz o professor Deco Carmo, que cita grandes faculdades particulares que abriram cursos na cidade.

Pelo menos mais um deve ser implementado até 2026 - o das Obras Sociais Irmã Dulce, cujo lançamento foi divulgado com exclusividade pelo CORREIO.

"Apesar de chegarem muitas faculdades, elas estão brigando entre si pelos alunos. Tem um público forte que pode pagar, mas elas se tornam opção depois que eles não passam na Bahiana", acrescenta Deco. Foi depois de perceber a importância que a Bahiana tinha para alguns estudantes que, em 2018, ele lançou a isolada de Biologia que deu início ao curso Deco Dicas.

Professor do Colégio Anchieta desde 2014, ele diz que percebia dois grupos de alunos: aqueles que chegavam fortes ao vestibular e aqueles que sonhavam com Medicina, mas não se sentiam capazes de chegar ao resultado.

O professor Deco (no centro) fundou o curso Deco Dicas, focado em aulas de Biologia para vestibulares de Medicina
O professor Deco (no centro) fundou o curso Deco Dicas, focado em aulas de Biologia para vestibulares de Medicina Crédito: Reprodução

"A gente instituiu o curso com a ideia de não nos preocupar em ter os primeiros colocados, mas ajudar os que não conseguiam entrar. Mas eu sentia muito, no mercado, que se o aluno demorasse mais a passar, era mais interessante para um cursinho, porque teria o aluno por mais tempo. Isso não era dito abertamente, mas eu tinha essa leitura. Tentei ir por outro caminho: o de aprovar o mais rápido possível, para o aluno ser a propaganda do curso", conta.

Na época, já existiam outras isoladas na cidade - algumas com até 500 inscritos. Mas era centralizado; poucas disciplinas com muitos alunos. O principal norteador desses cursos já era a Bahiana de Medicina, que chegou a ser a segunda faculdade privada mais barata do Brasil. Enquanto a Ufba detém o título de curso mais antigo do país e é gratuita, a Bahiana desponta como a segunda instituição mais tradicional e a mais acessível dentre as privadas. Por não ter fins lucrativos, as mensalidades ficam em torno de R$ 7 mil, enquanto as concorrentes chegam a quase R$ 14 mil.

Para Deco, a pandemia da covid-19 foi um dos pontos de virada até chegar à sede atual do curso, que tem 340m². "Quando estourou, as escolas e os cursinhos demoraram para se organizar. A maioria ficou esperando. E, além disso, tinha o entrave da câmera, que muitos não tinham essa expertise. Só que eu já vinha tentando no YouTube, tentando emplacar com a câmera e não conseguia, porque a linguagem é diferente", lembra.

Naquela época, ele fez um conteúdo gratuito com foco em escolas públicas - o ‘1000 com Deco Dicas’. "Preparava um arquivo com 16 alternativas e gravava no YouTube. Trouxe muitos alunos para o meu entorno", conta o professor. O projeto foi o embrião de um livro físico lançado este ano, com 3000 mil questões de vestibulares de Medicina. Outro episódio foi quando gravou um vídeo denunciando os problemas de um vestibular online da Bahiana, em 2020. A prova foi cancelada, teve reaplicação presencial e o número de alunos saltou de 70 para 200.

Com as revisões específicas a cada semestre, a média de alunos hoje fica em torno de 350. Na modalidade intensiva presencial, o valor total para o semestre e a taxa de matrícula fica em R$ 3,7 mil. Em 2023, o faturamento foi de R$ 1,4 milhão e a previsão é de aumentar em 12% este ano - chegando a R$ 1,5 milhão.

Até então, tudo é totalmente focado na Bahiana, mas, no próximo ano, vai lançar um curso focado em Enem para atender ao público nacional. "A aprovação de quem faz a isolada chega a ser duas vezes mais rápida do que de quem não faz. Para passar na Bahiana, não basta saber o que é sistema imune. Os detalhes das questões ele só consegue ver e exercitar na isolada", explica.

Famílias

Um aspecto comum nesse mercado é que os estudantes dificilmente buscam apenas um produto: quem faz cursinho ou ainda tem aulas no colégio tem grandes chances de fazer uma isolada.

Por isso, o investimento das famílias é alto. Além da mensalidade das escolas, o professor de Redação Lucas Rocha estima pelo menos R$ 1 mil sejam destinados para outros cursos, por mês, pelas famílias. Isso só é possível porque a maior parte deste público é de classe média alta ou classe alta.

Com o curso de Redação que leva seu nome, ele oferece treinamentos que vão de R$ 250 a R$ 300 por mês, com descontos para ex-alunos e possibilidade de descontos em caso de pagamento antecipado. Cada turma tem no máximo 15 estudantes.

O professor Lucas Rocha, fundador do curso de Redação que leva seu nome, é um dos que aponta as mudanças no mercado
O professor Lucas Rocha, fundador do curso de Redação que leva seu nome, é um dos que aponta as mudanças no mercado Crédito: Reprodução

"Quando o Enem surge como ferramenta de ingresso nas instituições públicas, os estudantes passam a concorrer com o Brasil todo e começam a sentir necessidade de serem diferenciados em Medicina. O foco desses alunos é o recorte de Ciências Naturais e a Redação", afirma.

O faturamento mensal só com cursos voltados para Medicina fica em torno de R$ 10 mil. "O mercado da educação voltou a aquecer, justamente com a chegada de todas essas empresas aqui na Bahia", avalia ele, que também trabalha nos colégios Portinari e Leffler, nos cursos Interseção e Grandes Mestres, além da rede Gregor Mendel.

A mudança na estrutura familiar também contribui para que os pais consigam investir mais, na avaliação do professor Edmundo Castilho, diretor do Colégio Anchieta. "Antigamente, a família tinha dois ou três filhos. O orçamento para a educação era dividido entre eles. Hoje, até as famílias de classe média baixa têm um filho. Isso faz com que consigam colocá-los em colégios melhores, matricular numa isolada e até pagar uma faculdade de Medicina particular. A tendência é que o mercado se expanda, porque mais famílias terão menos filhos", analisa.

Renda extra

As possibilidades de atuação nesse mercado não se restringem a grandes empresas. Há quatro anos, o mentor de vestibulandos Rafael Barreto, 22, oferece não apenas o serviço de mentoria, mas módulos e cadernos de questões focados nos assuntos que mais caem nas provas. A ideia veio depois que foi aprovado tanto na Ufba quanto na Bahiana, no fim de 2019.

Depois de ser aprovado na Ufba e na Bahiana, Rafael Barreto criou uma mentoria para ajudar outros candidatos
Depois de ser aprovado na Ufba e na Bahiana, Rafael Barreto criou uma mentoria para ajudar outros candidatos Crédito: Reprodução

"Estava naquela empolgação de começar a faculdade e estudar algo que sempre gostei, mas veio a pandemia da covid-19 e foi um balde de água fria. Então, veio essa iniciativa de retomar um sonho que eu tinha, que era de compilar todas as dicas de estratégias e habilidades em um único material", lembra.

Rafael queria passar adiante o entendimento de que o conteúdo não é tudo. Ele indica que os alunos busquem o que, de fato, é mais importante - a exemplo de conhecer melhor as provas que vão fazer, como os temas e abordagens mais frequentes. "O primeiro estalo que tive foi perceber que, mesmo que eu fosse uma pessoa estudiosa, tinha pessoas mais estudiosas do que eu, que tinham uma rotina mais exaustiva, e não tinham o mesmo resultado".

Desde o início, ele já atendeu quase 600 alunos. A ideia da mentoria, contudo, é complementar o estudo teórico - seja no cursinho, no colégio ou na isolada. No início, eram apenas videochamadas individuais, mas a demanda cresceu tanto que ele teve que fazer sessões em grupo. A partir desses encontros, são definidos os momentos individuais com cada mentorado.

Hoje, Rafael tem uma renda média mensal de R$ 4 mil com as mentorias e os materiais. "Eu não dependo disso, porque meus pais têm uma condição financeira. Mas isso me garante um padrão de vida, porque tenho meu próprio carro, viajo e tenho um lazer que vem dessa renda". A participação na última turma de mentoria ficou por R$ 347.

Rafael Barreto vende cadernos de questões organizados por ele
Rafael Barreto vende cadernos de questões organizados por ele Crédito: Reprodução

Uma das estudantes que faz a mentoria com ele é Yasmin Oliveira, 17 anos. Aluna do Colégio Antônio Vieira, ela escolheu a carreira no período da pandemia. "Meus estudos sempre foram desorganizados e sem metas, então eu acabava estudando mal e sem altos rendimentos", conta ela, que decidiu fazer a mentoria este ano. "Além de me ajudar com relação à organização do que eu estudaria a cada dia, facilitou muito o meu desenvolvimento no equilíbrio".

Cursos online podem ser alternativa acessível no preparo para Medicina

Enquanto cursos preparatórios presenciais podem custar mais do que um salário mínimo, os cursos 100% online despontaram como uma alternativa para parte dos estudantes. A conclusão é do pesquisador Marcos Morgental Falkembach, que desenvolveu uma pesquisa sobre o que chamou de inovação disruptiva no segmento de pré-vestibular e os impactos nos modelos de negócios. O estudo foi objeto de sua tese de doutorado em Administração na Universidade Federal de Santa Maria, no ano passado.

"O curso online pode ser muito bom, desde que o aluno obviamente tenha disciplina. Acho que a pandemia, de alguma forma, desmitificou isso", diz ele, que entrevistou gestores de cursos como o Me Salva e o Stoodi. O Me Salva tinha planos a partir de R$ 29,90. Enquanto o plano do Enem no Stoodi sai por três parcelas de R$ 80,40, o de Medicina custa três prestações de R$ 92.

Falkembach conta que ficou surpreso com os resultados da pesquisa. De acordo com ele, os cursos online também foram melhorando, desde o seu surgimento em meados dos anos 2010. "A gente observa hoje um conjunto de ferramentas muito maior, uma melhora significativa na qualidade das aulas. Tem curso que oferece material físico, como o Me Salva", cita.

O Me Salva, inclusive, lançou a versão Me Salva MED, específico para Medicina. "Há um mercado bastante pujante de Medicina e existe não só uma roupagem publicitária, mas um ajuste do produto, como da carga horária".

Ainda que sejam mais recentes na Bahia, há registros dos primeiros cursos focados em Medicina há pelo menos 20 anos, a exemplo do curso Fleming, que está presente na região Sul do Brasil e em Brasília. Para Falkembach, eles atraem estudantes porque os profissionais médicos ainda têm salários maiores do que de outras áreas.

"A discrepância que existe entre a remuneração desses profissionais para os profissionais de outras áreas é muito grande. O que acontece é que, por conta disso, muitos alunos que, por vezes, não teriam vocação para ser médico buscam a profissão visando essa remuneração diferenciada".