Mercado de audiolivros cresce no Brasil com vozes famosas, imersão e desafios de gravação

Atores como Murilo Rosa, Denise Fraga, Fabrício Boliveira e Marcos Palmeira narram títulos disponíveis

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 15 de setembro de 2024 às 05:00

Audiolivros
Audiolivros Crédito: Quintino Andrade

Você já ouviu um livro? A pergunta pode parecer estranha para quem ainda não sabe que a visão não é o único sentido a ser aplicado diante de um livro. As obras físicas já haviam chegado às versões digitais nos chamados e-books e agora chegam com tudo ao formato de áudio. De vozes quase anônimas às mais famosas, como Denise Fraga, Murilo Rosa e Fabrício Boliveira, o desafio é alcançar a entonação certa e não interpretar demais. A imaginação que a literatura provoca ainda deve ficar a cargo do leitor...ou ouvinte.

Nada de música de fundo ou mudança de palavras. É uma mera contação de história, como os pais fazem para os filhos na hora de dormir. A única intervenção possível é a velocidade do áudio. Há quem prefira um ritmo mais acelerado.

O mercado já é consolidado em países como Estados Unidos e aqui no Brasil começa a crescer depois da onda de sucesso dos podcasts. A pesquisa Nielsen BookData, da Câmara Brasileira do Livro (CBL) com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), mostra que, de 2019 para 2023, as vendas de e-books e audiolivros cresceram 81%. A evolução do faturamento desses dois setores foi de 38%.

Enquanto as adaptações para e-book são mais baratas, para audiolivros saem mais caras, por demandarem a contratação de narrador e diretor, o cuidado com pronúncia e sotaque e ainda um tratamento de áudio com edição, masterização e mixagem.

Disponíveis em plataformas como Skeelo, Tocalivros e UBook, as assinaturas mensais custam R$19,90 e dão direito a um amplo catálogo, mas, ainda assim, para algumas obras é cobrado um valor adicional. Também é possível encontrar audiolivros no YouTube e Spotify, por exemplo, mas nem todos terão as devidas licenças para comercialização.

O Skeelo começou a trabalhar com audiolivros em 2020 e atualmente tem 718 títulos no catálogo. Alguns exemplos são: Torto Arado, escrito por Itamar Vieira Junior e narrado por Zezé Motta (produzido pela Todavia); e O Menino da Lua, escrito e narrado por Ziraldo (produzido pela Melhoramentos). 

"Esse ano já tivemos mais de 50 milhões de minutos consumidos com audiobooks no aplicativo. O Skeelo está atento ao crescimento da tendência e trabalhando para aumentar a disponibilização de acervo no mesmo ritmo", afirma André Palme, Diretor de Conteúdo e Marketing do Skeelo. 

Audible conta com 150 mil audiolivros no catálogo
Audible conta com 150 mil audiolivros no catálogo Crédito: Captura de tela

A Audible, empresa da Amazon voltada para audiolivros que é um dos principais nomes do setor, completa um ano de atuação no Brasil em outubro. Enquanto na época do lançamento eram 100 mil títulos no catálogo e 500 narradores, agora são 150 mil títulos e 600 vozes no país. Pela primeira vez, a Audible participa este ano da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que começou no dia 6 e vai até este domingo (15).

Para a diretora-geral da Audible no Brasil, Adriana Alcântara, o formato democratiza ainda mais o acesso à literatura. “A gente oferece uma experiência adicional, uma possibilidade de leitura simultânea com outras atividades. Você pode escutar um livro enquanto faz compras ou espera no trânsito, por exemplo. E não tem uma fórmula mágica, cada pessoa vai descobrir o que encaixa melhor para ela ou para cada tipo de livro”, diz.

Vozes famosas

Adriana ainda destaca a porta aberta no mercado pelos audiolivros para autores, editoras e atores. Para estes últimos, é uma possibilidade à mais, além do teatro, televisão e cinema. Alguns dos nomes de destaque que narraram audiolivros pela Audible são: Otávio Muller (1984, de George Orwell), Marcos Palmeira (Dom Casmurro, de Machado de Assis), Denise Fraga (Orgulho e Preconceito, de Jane Austen) e Silvero Pereira (Iracema, de José de Alencar). 

A narração de obras literárias por famosos não é novidade. Antes dos anos 2000, houve iniciativas primárias convertidas para LPs, CDs e fitas cassetes, mas a onda não perdurou. Agora, os áudios em streaming parecem ter chegado para ficar, verdadeiramente balançando o mercado.

O formato também abre um novo leque de oportunidades para as produtoras e estúdios de gravação. Em São Paulo, o Studio FX chega a gravar entre 200 e 300 livros ao mesmo tempo. Em Salvador, o mercado ainda é escasso, mas chegou à produtora de áudio Plus+, que tem um estúdio próprio na Barra.

Foi lá onde o ator soteropolitano Fabrício Boliveira gravou “Drácula”, escrito por Bram Stoker, para a Audible. São 21 horas de áudio. Também lá foi gravado o audiolivro de Tudo Nela é de se amar, escrito e narrado por Luciene Nascimento.

O produtor musical e sócio da Plus+, Davison Biola, de 43 anos, está acostumado a atender cantores como Aline Rosa, Saulo Fernandes e Adelmo Cazé e, em quase 20 anos de atuação, nunca havia gravado audiolivros. “Um parceiro nosso que mora em São Paulo soube que a Audible buscava um estúdio em Salvador e aceitamos o desafio”, lembra.

Fabrício Boliveira e Davison Biola
Fabrício Boliveira e Davison Biola Crédito: Arquivo Pessoal/Davison Biola

Davison atuou como técnico e, de São Paulo, um diretor dirigiu a narração, através da conexão entre os computadores e videoconferências. Foram cinco horas de gravação por dia, durante cerca de um mês. “Foi mágico poder acompanhar esse bastidor e ouvir tudo antes do livro ser publicado. Durante as gravações, eu fechava o olho e ficava ouvindo Fabrício contar a história”, lembra o produtor.

Assim como Fabrício, Murilo Rosa precisou transformar as habilidades de ator para narrar. É dele a voz de A Arte da Guerra, de Sun Tzu. O audiolivro da Audible foi lançado em agosto deste ano e tem duas horas e trinta e dois minutos de áudio. Ele conta que foi desafiador não poder explorar a interpretação.

“Não podia dar uma supervalorização porque era uma narração, eu tinha que deixar quem estivesse ouvindo viajar. Não dá para explorar os personagens; não é uma novela em áudio, é alguém contando uma história”, lembra.

Narrações acontecem em estúdios de gravação e movimentam mercado de gravadoras
Narrações acontecem em estúdios de gravação e movimentam mercado de gravadoras Crédito: Arquivo Pessoal/Davison Biola

A autora Thalita Rebouças também foi fisgada pelo exibicionismo, mas conseguiu equilibrar. Ela mesma deu voz ao livro que escreveu: Felicidade Inegociável e Outras Rimas, lançado em março deste ano. “Eu amei. Eu sou exibida, gosto de aparecer. E é muito bom ler em voz alta o que eu mesma escrevi porque eu sei exatamente como eles saíram na minha cabeça”, diz.

Murilo Rosa confessa que ainda é muito adepto dos livros físicos, mas que, diante da correria do dia a dia, escutar livros “já está sendo um caminho verdadeiro”. A autora Paula Pimenta, que teve seus livros Minha Vida Fora de Série e Fazendo Meu Filme 4 transformados para versão em áudio, diz que adorou escutar as próprias obras e que está, aos poucos, aderindo aos audiolivros como consumidora.

Editoras atentas

O movimento vem sendo percebido pelas editoras. A Arqueiro começou a conceder licença para produção de audiolivros em 2019 e já possui 176 títulos disponíveis. “O primeiro foi Confissões de uma Garota Excluída, de Thalita Rebouças. Todos vieram depois ou concomitantes com o livro físico e têm o físico como referência”, explica Silvia Leitão, coordenadora de audiolivros da Arqueiro e da Sextante.

Alguns dos demais títulos são: Os Pilares da Terra, escrito por Ken Follett e narrado por Spencer Toth, que tem 20 personagens; A Revolta de Atlas, escrito por Ayn Rand e narrado por Adriano Pellegrini, com 63 horas de um audiolivro que levou seis meses para ser produzido.

Enquanto uns possuem apenas um narrador, outros podem contar com dois, como é o caso de Amor em Jogo, de Elena Armas, que foi narrado por Aline Macedo e Rafael Maia. “Os capítulos vão alternando entre voz feminina e voz masculina, gerando uma experiência bem imersiva de entretenimento”, conta Silvia.

Para a coordenadora, o formato é uma tendência mundial que foi impulsionada pela pandemia e veio para ficar. “Depois da pandemia, que estimulou muito o uso de telas, celulares e afins, notamos que é uma opção para consumir conteúdo e descansar a vista. [...] Depois da chegada da Audible ao Brasil, em outubro de 2023, percebemos uma procura maior pelo formato”, acrescenta.

A escritora Paula Pimenta complementa, destacando a importância do formato para pessoas com deficiência visual. “É um ponto a mais para a acessibilidade”, diz. Mesmo para quem pode ler, a escuta pode oferecer uma experiência ainda mais imersiva. Há quem escolha apenas escutar ou ler e escutar ao mesmo tempo.

“É sensorial. Para o romance erótico, tem esse acréscimo porque é uma leitura que busca imersão. O objetivo é criar um momento íntimo. Se você tem ali um áudio que simula como se tivesse uma pessoa contando essa história no seu ouvido, fica mais íntimo ainda”, destaca a escritora de literatura erótica carioca Lola Belluci.

Como o cérebro interpreta o formato?

O neurologista Raphael Ribeiro Spera, médico-assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, concorda. Segundo ele, ler e escutar ao mesmo tempo cria imersão e pode reforçar os estímulos e a captura de informações. Ele indica a adoção simultânea do formato com a leitura para quem quer aprender novos idiomas e para quem tem diagnóstico de TDAH ou qualquer dificuldade de concentração para leitura, e defende os livros físicos para crianças em processo de alfabetização.

O especialista ainda afirma que tanto a leitura quanto a escuta fazem o cérebro trabalhar, não existindo um formato mais nobre do que o outro ou que funcione melhor do que o outro. “Não é uma receita de bolo, algumas pessoas têm mais facilidade de aprender ou memorizar conteúdos ouvindo, enquanto outras funcionam melhor lendo e escrevendo”, coloca o especialista, que é membro da Associação Brasileira de Neurologia (ABN).

A psicóloga e escritora Vanina Cruz celebra os audiolivros no cenário atual. “Nos traz para um lugar da escuta quando nós estamos muito falantes, sempre tentando sermos ouvidos e com dificuldade de ouvirmos o outro”, analisa. Mas alerta para o aproveitamento dos audiolivros para a realização simultânea de tarefas, como escutar um livro enquanto pratica exercício físico ou faxina a casa, por exemplo.

“Quando realizamos muitas coisas ao mesmo tempo, sentimos que estamos sendo produtivos, mas, na verdade, podemos estar fazendo tudo pela metade. É um prejuízo da atenção plena e pode trazer sobrecarga. Será que essa leitura está sendo proveitosa? Se você estivesse só concentrado no áudio, não seria diferente?”, questiona a psicóloga.

Onde encontrar audiolivros?

Audible (R$19,90 por mês)

Skeelo (R$19,90 por mês)

Tocalivros (R$19,90 por mês)

UBook (R$19,90 por mês)

Storytel (R$19,90 por mês)

Youtube (canais gratuitos, como Domínio Público Audiolivros)

Spotify (canais gratuitos, como Audiolivros em português)