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Luxo do mangue: verão faz crescer consumo de ostras, mas produção na Bahia tem entraves

Ao mesmo tempo em que tem potencial para dar conta da demanda, estado está longe de explorá-lo por completo

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 4 de janeiro de 2025 às 02:00

Ostra crocante da Cia do Sertão
Ostra crocante da Cia do Sertão Crédito: Guiga Motta/Divulgação

Quando espécimes de ostra chegam à Academia Baiana da Ostra, vindas de localidades como a bacia do Iguape ou de Boipeba, elas não podem ser imediatamente colocadas à venda. No estabelecimento, que funciona há duas décadas no Mercado de Água de Meninos e oferece ostras tanto para consumo no local quanto para restaurantes e mercados da cidade, os moluscos precisam passar por um exame com um biólogo e por uma máquina chamada depuradora.

“O tanque com a depuradora fica na Ribeira e, no mercado, a gente só comercializa. Se naquele dia, 20 dúzias não forem vendidas, elas voltam para o tanque. E, assim, vamos sempre renovando o estoque", explica o proprietário da loja, Ronald Santos, que deu sequência ao negócio iniciado por seu pai. A depuradora é um sistema que ajuda a filtrar e purificar a ostra, numa medida para segurança alimentar. Só após esses processos é que elas chegam para serem comercializadas.

Esse cuidado é importante porque, no verão, as vendas em lojas como a Academia Baiana aumentam em até 95%. Mas os restaurantes não ficam atrás e têm feito movimentos nessa direção - especialmente porque os clientes ficam mais interessados em uma comida com o ‘gostinho do mar’. Essa é uma das inspirações para o Festival de Ostras Cia do Sertão e a Proa Cervejaria, na Pituba, e que está previsto para acontecer mensalmente até o fim da estação.

O evento de janeiro será já nos próximos dias 13, 14 e 15, depois que o primeiro festival, em novembro, foi considerado surpreendente. "Por ser um produto mais exótico, não imaginava uma adesão tão forte. A gente esperava algo em torno de 30% do que foi, mas servimos mais de 3,8 mil ostras em três dias. Tivemos que estender para mais dois dias, porque as pessoas estavam pedindo", conta o chef da Cia do Sertão, Ricardo Vallari.

Apesar disso, a Bahia desponta com duas realidades opostas para: ao mesmo tempo em que tem um potencial de criação imenso para dar conta dessa demanda latente, pela extensão do litoral, está longe de explorá-lo por completo. Só em termos de comparação, Santa Catarina, o maior produtor do país, responde por mais de 90% da produção nacional de ostras, enquanto todos os outros estados dividem a fatia restante.

Ostreicultura

Em 2023, a Bahia foi o oitavo maior produtor do Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A ostreicultura está principalmente em cidades baianas como Cairu (que gerou 11,7 mil quilos em 2023); Taperoá, Canavieiras, Cachoeira, Vera Cruz e Jaguaripe. O problema é que a criação baiana esbarra em aspectos que vão desde a legislação até o preconceito que muita gente ainda tem com os moluscos.

Os dois principais polos são a bacia do Iguape - que inclui Cachoeira e Maragojipe - e as baías de Cairu. Nessas áreas, a Bahia Pesca tem projetos de incentivo a comunidades. “A ostra é um dos poucos organismos que se come vivo e cru, então muita gente tem o preconceito de que, se não for de qualidade, pode matar", explica o biólogo Brunno Falcão, coordenador de unidade da Bahia Pesca e doutorando em Geoquímica pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). "Todas as nossas ostras são monitoradas. Por ser um organismo vivo, sempre vai haver risco de contaminação, mas os locais são monitorados e rastreados, inclusive com a Ufba", acrescenta.

O projeto de Cachoeira começou em 2004 e, desde então, já foi criada até uma festa da ostra para dar escoamento à produção. "O projeto de ostra é interessante, porque não precisa de insumos como ração. Os únicos apetrechos são o travesseiro e a corda", explica Falcão. Os travesseiros são uma espécie de cesta (em formato de travesseiro mesmo) onde ficam as 'sementes' de ostra.

Travesseiros são equipamentos usados no cultivo de ostras
Travesseiros são equipamentos usados no cultivo de ostras Crédito: Divulgação/Bahia Pesca

Há, ainda, um projeto piloto na praia de Coqueiro, em Jandaíra, no Litoral Norte. "A gente vai na comunidade para avaliar parâmetros físicos e químicos da água e questões de navegabilidade, porque não se pode implantar um projeto desses e ter conflito com pescadores ou com a Marinha".

Na sequência, os técnicos fazem uma pré-seleção na comunidade para identificar pessoas que têm interesses. O passo seguinte é fazer coletores artificiais - telhas de garrafa pet que identificam a viabilidade da larva da semente, que é o 'filhote' de ostra. Tendo viabilidade de fixação, depois de 45 dias, já tem semente. Elas são colocadas no travesseiro até chegar ao tamanho comercial, que leva entre sete e oito meses.

Na Bahia, as ostras são criadas de forma natural. Portanto, todas são de uma espécie nativa - Crassostrea rhizophorae, conhecida como ‘ostra de mangue’ -, que acontece em todo o Nordeste do Brasil. Em Santa Catarina, é mais comum a criação da Crassostrea gigas, a ostra-do-pacífico, natural de países como Japão e Coreia do Sul.

O maior gargalo para desenvolver a cadeia produtiva, na avaliação de Falcão, é a certificação das ostras e o financiamento para ampliar os projetos existentes na Bahia Pesca. “Licença a gente já tem. Se conseguirmos a certificação, vamos precisar construir uma estrutura, uma edificação mesmo, com todas as normas de segurança".

Ostras cultivadas na Bahia são nativas
Ostras cultivadas na Bahia são nativas Crédito: Divulgação/Bahia Pesca

Sustentável

Outra das principais iniciativas que movimenta o mercado de ostras baiano é promovida pela Aliança Kirimurê, um projeto que reúne cerca de 200 famílias de pescadores e marisqueiras da Baía de Todos. A ostra corresponde a cerca de 20% da produção.

"Nossa ostra é uma das mais sustentáveis do Nordeste. Trabalhamos com coletas de sementes nativas, que são os filhotes. Elas são coletadas no ambiente natural, com garrafas pet", diz o CEO da Aliança e engenheiro de pesca Zeca Bezerra.

A produção é de 200 dúzias por semana. Com cada uma a R$ 30, o faturamento semanal é de cerca de R$ 6 mil. Os principais compradores incluem os restaurantes mais estrelados de Salvador - o grupo Origem e o Manga - , mas também abastecem uma rede de resorts no Litoral Norte, eventos pontuais e consumidores individuais.

"O diferencial dessa ostra é que ela passou por um processo de desenvolvimento de sabor. Alguns chefs com paladar mais sensível não apreciavam essa ostra, especialmente pelo retrogosto", lembra.

No entanto, ao longo de dois anos, eles foram testando formas e locais de cultivo. O teor de sal passou a ser refinado de acordo com o paladar do cliente e, há, claro, a depuração. "Hoje, temos um produto exclusivo. A dúzia vale bem mais do que R$ 30, mas a gente compete com Santa Catarina, que produz em larga escala, então não dá para trabalhar um valor muito acima".

Para Bezerra, além da necessidade de mais políticas públicas para desenvolver essa cadeia, falta mostrar que é possível gerar renda para as comunidades produtoras. "Não adianta chegar e fazer um curso com a comunidade. Tem que mostrar que é possíve, segurar na mão e fechar todo o ciclo produtivo até a comercialização", avalia.

No prato

Hoje, com a estrutura que existe na Bahia, a produção ainda é pequena, mas já abastece restaurantes da região. Durante o período do Festival de Ostras da Cia do Sertão e da Proa Cervejaria, tal qual aconteceu na edição de novembro, todos os pratos da casa terão ostras como o principal ingrediente.

A inspiração para os pratos veio da herança familiar do chef Ricardo Vallari, que tem laços com o Recôncavo baiano. "Sempre tive vontade de trabalhar com ostra, mas a proposta do restaurante era mais de sertão. Como veio o verão, cabia essa coisa mais leve, e tive a ideia de ir além da ostra crua", diz. Entre os pratos da primeira edição, havia variações como ostra empanada e guioza.

Festival de Ostras da Cia do Sertão
Festival de Ostras da Cia do Sertão Crédito: Guiga Motta/Divulgação

Ele encontrou a Academia Baiana de Ostras, que passou a ser sua fornecedora. "É uma forma de fomentar um produto que tem um estigma. O próprio consumidor tem um pouco de preconceito com a ostra local, mas isso tem mudado por causa das ostras de cativeiro". Na primeira edição, o faturamento foi de R$ 44 mil reais na casa (considerando que incluiu dias como segunda e terça-feiras, cujo movimento é menor).

Durante os dias de festival, apenas pratos com ostra são vendidos - os preços iam de R$ 18 a R$ 64. "É que é um produto de alto valor agregado. As pessoas veem como um produto de luxo. Acho que é o grande responsável pelo faturamento não foi o volume de vendas, mas o aumento do tíquete, que acaba sendo mais alto do que o de um prato feito com outras proteínas".

No Puxadinho, o chef Jamil Máximo tem um prato de ostras fixo no cardápio, que tem muita presença de frutos do mar. A partir de janeiro, a que hoje é empanada deve ser gratinada. A porção com duas unidades sai por R$ 38, enquanto a com quatro custa R$ 56. Mas, em geral, costuma trazer as ostras de Santa Catarina. "Com a nossa produção na Bahia é limitada, acaba não tendo disponibilidade em larga escalal", pondera.

Apesar disso, Jamil cita a experiência que teve com a ostra kirimurê, que comprou no Mercado do Peixe. "Falei: tenho que botar no me cardápio, porque as pessoas têm que conhecer isso. Quando eu cozinho, eu falo da Bahia", diz.

Ostras Crocantes do Puxadinho
Ostras Crocantes do Puxadinho Crédito: Leo Freire/Divulgação

Na Academia de Ostras da Bahia, o proprietário Ronald Santos mantém quatro tanques de ostras. Nos finais de semana, nove pessoas trabalham no local para dar conta dos pedidos. Nessa época, vende 200 dúzias a cada quinzena e chega a ter que buscar outros fornecedores.

Mas ele sente falta de mais estrutura. Já tentou ter seu próprio cultivo, em Caboto (Candeias), anos atrás, mas desistiu pelos altos índices de pesca com bomba na região. "Antes da bomba, já tinha tido problemas com furtos. Não foi para a frente", lamenta.

Certificação pode mudar o cenário da produção de ostras na Bahia

Ostras são moluscos bivalves - ou seja, têm uma concha composta por duas válvulas. Mas um dos pontos que exige maior atenção é o fato de serem filtradores. Isso significa que ela vai filtrar o que quer que esteja naquele ambiente - e pode, por isso, ficar contaminada por bactérias, por exemplo. Daí a importância do processo de depuração.

Não há como garantir 100% de segurança - seja aqui ou em qualquer outro lugar -, mas uma certificação poderia indicar que aquela ostra vem de um cultivo monitorado.

"A gente poderia ter um potencial até maior do que Santa Catarina, mas fica limitado à comercialização. A ostra filtra muita coisa e tem alguns problemas, como questões de coliformes fecais e streptococcus (bactéria). No entanto, tem uma legislação no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) que faz com que os estados tenham um plano de monitoramento de todas as áreas de ostreicultura", explica o gerente de projetos da Bahia Pesca, Júnior Sanches.

Ele se refere à portaria 884 de 2023 do Mapa, que criou o Programa Nacional de Moluscos Bivalves Seguros (MoluBiS), que dispõe sobre o controle higiênico-sanitário de moluscos destinados ao consumo. De acordo com Sanches, na Bahia, quem deve fazer esse plano é a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab).

"Não dando coliformes fecais (nos testes) e dentro da legislação, a gente poderia fazer a certificação e ter a venda direta dessas ostras no estado todo. Isso agregaria muito, comercialmente, para todo mundo, principalmente para o pessoal do Iguape", afirma.

As características da ostra a tornam diferente da lambreta, por exemplo, que é uma iguaria bem mais popular e acessível nos restaurantes baianos. "Os dois são moluscos bivalves, mas são espécies diferentes. A lambreta vive enterrada, se movimenta. A vida da ostra é fixada, filtrando água", diz Brunno Falcão, coordenador de unidade da Bahia Pesca.

Mas não é consenso de que uma certificação pode destravar a indústria de ostras local. Para o CEO da Aliança Kirimurê, Zeca Bezerra, com um litoral tão grande quanto o da Bahia, seria necessário ter várias certificações de origem. "Além disso, a certificação está só identificando, mas o produto e a qualidade do produto vão ser os mesmos", opina Bezerra.

Procurados pelo CORREIO, o Mapa não respondeu aos questionamentos antes da publicação da reportagem, enquanto representantes da Adab não foram localizados.