Já parou para pensar quantas vezes você usa o ChatGPT por dia?

Quatro em cada 10 consumidores digitais utilizam a inteligência artificial para trabalho ou estudo, aponta pesquisa

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  • Priscila Natividade

Publicado em 20 de outubro de 2024 às 05:00

Imagem gerada por IA, a partir de palavras-chave como trabalho, ChatGPT e estudo
Imagem gerada por IA, a partir de palavras-chaves como trabalho, ChatGPT e estudo Crédito: Imagem gerada por IA/ CORREIO

No mesmo mês que o Prêmio Nobel de Física foi concedido aos cientistas Geoffrey Hinton e John Hopfield pelo trabalho pioneiro que fizeram no aprimoramento de Inteligência Artificial (IA), os holofotes se voltam, mais uma vez, para a presença crescente de sistemas que aprendem automaticamente, a partir de nossas experiências cotidianas. Na mesma velocidade na qual a tecnologia avança para a revolução das redes neurais artificiais, a IA já não é mais nem de longe uma previsão, um futuro distante, tendência, ou coisa de filme de ficção científica.

Prova disso é o fato de que quatro entre cada 10 consumidores digitais no Brasil (40%) já utilizam IA para o trabalho ou estudo. Isso quer dizer que quase metade usa ferramentas como ChatGPT, por exemplo, nas tarefas tanto no ambiente acadêmico quanto nas atividades laborais. O estudo inédito sobre o 5G e IA na América Latina e no Mundo, feito pela consultoria Omdia, foi divulgado durante a edição o maior evento de conectividade, inovação e tecnologia da América Latina, o Futurecom, que aconteceu em São Paulo, entre os dias 8 e 10 de outubro.

As redes neurais permitem que as IAs aprendam e processem informações. A pesquisa que analisou os impulsionadores e inibidores do crescimento futuro, incluindo aplicações que inserem Inteligência Artificial, ouviu 20 mil pessoas em 20 países do mundo – entre eles, o Brasil – em agosto deste ano. Ainda conforme o relatório, a média de países latino-americanos para o uso de Inteligência Artificial Generativa (GenAI) chega a ser maior do que a média global de 66%, alcançando 73%. O Brasil ocupa a 5ª posição no ranking de uso no mundo, atrás apenas da Índia, China, Egito e Arábia Saudita.

“Foi a primeira vez que a gente fez essa pergunta na pesquisa e eu achei uma surpresa positiva porque é um uso produtivo, uma maneira de se formar profissionalmente. Como a gente viu na pesquisa, só países como China, Índia, Arabia Saudita e Egito ficaram acima do Brasil na questão do uso do ChatGPT e o segundo ponto positivo também foi a finalidade, justamente, trabalho e estudo. Então, não há um uso recreativo ou sombrio. É uma coisa focada na minha formação, no meu trabalho”, explica o gerente sênior da Service Providers Americas da Omdia, consultoria responsável pela pesquisa, Ari Lopes.

"Foi a primeira vez que a gente fez essa pergunta na pesquisa e eu achei uma surpresa positiva porque é um uso produtivo, uma maneira de se formar profissionalmente"

Ari Lopes
gerente sênior da Service Providers Americas da Omdia

Países mais desenvolvidos utilizam bem menos a IA para trabalho ou estudo, usam mais em redes sociais e para recomendação, ainda de acordo com Lopes. Já países em desenvolvimento, como Brasil, acabam utilizando o ChatGPT para buscar informação ou aprimoramento. Quem responderam a pesquisa, pessoas que já usam jogos, IA e qualquer tipo de serviço na internet. A maior faixa etária dos entrevistados foi de 25-34 anos (22%), 35-44 anos (22%) e 45-54 anos (20%).

“A gente percebeu que o brasileiro é um ávido utilizador de novas tecnologias e o que a pesquisa aponta sobre o uso do chatGPT de IA é um resultado claro disso. O aviso que fica é: vamos investir em educação. Proibir não faz sentido, mas oferecer qualificação de como usar, quais os riscos e de que maneira as pessoas podem tirar o melhor do que esse tipo de tecnologia pode oferecer. Entender quais as suas limitações, o que pode e o que não pode e que ela, obviamente, não é a única fonte de informação”, opina.

Diretor do Futurecom, Hermano Pinto, concorda que o brasileiro é um grande adepto do uso de novas tecnologias. A curiosidade e o interesse são notáveis: “De um lado, a IA é uma grande ferramenta que acelera processos e elimina coisas repetitivas. Em sociedades em desenvolvimento há uma oportunidade imensa sobre esse uso. Por outro lado, no Brasil, especificamente, há a questão da curiosidade. A população acelerou o processo de adoção muito rapidamente. O brasileiro ‘mete as caras’ para fazer a coisa funcionar. Ao se lançar em uma nova tecnologia não tem medo de errar. Foi assim também no uso das redes sociais e do smartphone, por exemplo”.

"No Brasil há a questão da curiosidade. A população acelerou o processo de adoção muito rapidamente"

Hermano Pinto
diretor do Futurecom

Existe ainda uma propensão significativa à inovação. “Nós nos lançamos intuitivamente à inovação. Usar o que há de novo ali é uma constatação muito importante, tanto com relação ao uso da IA como ao surgimento de novas tecnologias aqui no Brasil. E nesse sentido, o que mais chama atenção na pesquisa é o uso dos sistemas de inteligência para o trabalho e aprendizado, extrapolando, inclusive, na comparação com outros países. Isso diz muito sobre como você leva a tecnologia, mostra que as pessoas estão buscando aplicação com utilidade, com grande foco na busca por eficiência e na melhoria dos processos”, comenta.

Demanda

De olho nesse movimento, marcas como a Intel querem acelerar ainda mais a presença de IA em seus equipamentos. A expectativa é que em 5 anos, oito em cada 10 PCs vendidos tenham IA internamente, ou seja, sem uso de nuvem. É o que explica o gerente de Marketing da Intel Brasil, Bruno Shigemura.

“A experiência que o usuário tem hoje com um notebook com inteligência artificial é revolucionária. A forma que a gente interage com o computador como estamos acostumados está mudando com a introdução IA no notebook, já traz todo o poder de processamento para uma unidade de processamento neural especificamente para rodar tarefas de inteligência artificial, ou seja, uma unidade específica para isso. Se, por exemplo, você quer transformar uma imagem a partir de um texto, esse processamento será feito todo no próprio notebook, de forma local, segura, quando muitas demandas ainda são feitas na nuvem”.

Além disso, Shigemura destaca a capacidade de aprender desse recurso com base no treino da IA no notebook. “As pesquisas que ele pode fazer, se ele tiver um banco de dados localmente, tudo isso pode ser desenvolvido e essa IA vai treinar cada vez mais em cima de algo específico que esse usuário quer atingir. A inteligência artificial, ela não vem para substituir nada. Ela vem para adicionar, agregar, auxiliar nas tarefas do dia a dia e não excluir. A gente está acostumado, às vezes, a trabalhar em planilhas exaustivas e perder muito tempo com isso, enquanto a IA pode ajudar a executar e a criar. A parte humana, fica. Assim como a criatividade”.

Atualmente, a Intel já tem IA presente nos processadores Core Ultra 200V (Lunar Lake) oferecendo também baixo consumo de energia. Nos próximos dois anos, a marca prevê o envio de 100 milhões de processadores com aceleradores de IA, a partir de unidade de processamento neural (NPU). “Os consumidores de hoje estão cada vez mais criando, ligando, jogando e aprendendo em movimento. Quanto maior for a demanda por IA e a sua presença no dia a dia, o impacto sobre o valor para consumidor final não será uma questão, até porque esse é um produto que se encaixando no nosso portfólio. Para o público que está buscando sempre inovação, melhorar o dia a dia, não vejo que isso vai impactar diante da forma como a demanda cresce”.

A era da IA para PC significa que a ela está saindo da nuvem e entrando em todas as áreas. “É fato que a IA ela vai estar cada vez mais presentes em dispositivos e diferentes formatos. Hoje a gente está falando em notebooks, mas eu enxergo que a inteligência artificial estará presente em todos os dispositivos. Uma cidade inteligente com sistemas conectados, sistemas de emergência que conversam entre eles, tudo remotamente e sendo treinada para cada vez ser mais específica, inteligente e com uma precisão em cima disso. Você não vai só encontrar IA no notebook, mas em inúmeros cenários do nosso dia a dia”, opina.

Dois lados

IAs Generativas como o ChatGPT, Gemini e Copilot são capazes de gerar conteúdos em novos formatos escritos ou falados a partir dos dados que foram utilizados para treiná-las. Professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro sênior do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), Euclides Chuma ressalta que a IA não cria conteúdos novos, mas sim, formatados à sua compreensão.

“Na prática, a IA é como um resumo de escola a moda antiga onde o aluno consultava a enciclopédia ou a Wikipédia e escrevia com suas próprias palavras o que ele entendia dos textos. As IAs generativas não criam conteúdos realmente novos, elas criam conteúdos com formatos novos. Podemos enviar um documento e pedir à IA generativa para corrigir os erros de escrita, fazer um resumo do documento ou pedir explicações detalhadas sobre o conteúdo do documento”.

"As IAs generativas não criam conteúdos realmente novos, elas criam conteúdos com formatos novos"

Euclides Chuma
professor e pesquisador da Unicamp e membro sênior do IEEE

Diante de um cenário onde o Brasil possui grande adesão às novas tecnologias, ao mesmo tempo que a IA pode tornar os profissionais mais competitivos - assim como as empresas que trabalham - o aumento do seu uso mostra o quanto é urgente a adoção de regras, como defende Chuma: “Normalmente, as pessoas procuram utilizar a tecnologia para melhorar sua eficiência profissional e pessoal. Em ambas as aplicações, a IA pode ser útil e perigosa. Empresas e governo devem adotar urgentemente regras para o uso das IAs e das informações que elas utilizam e produzem para não se propagar erros, até porque não existem responsáveis legais pelos erros cometidos pela inteligência artificial”, completa o professor.

Mais de 70% dos profissionais adotam recursos de IA por conta própria

A IA não só já chegou como uma ferramenta no mundo do trabalho, mas também se tornou uma competência profissional. Dados divulgados pelo Índice de Tendências de Trabalho 2024 sobre o uso da IA no Brasil e no Mundo apontam que em menos de um ano, a adoção de IA generativa no trabalho quase dobrou. A pesquisa realizada pelo LinkedIn e a Microsoft destacou também o impacto da IA não só a maneira como as pessoas trabalham, mas também como se qualificam e são contratadas.

Os dados mostram que 83% dos brasileiros já estão usando IA no trabalho. Entre as principais motivações está a dificuldade para acompanhar o ritmo e o volume de trabalho, economia de tempo, estímulo a criatividade e concentração em atividades mais relevantes. A mesma pesquisa mostrou ainda que 87% dos líderes brasileiros concordam que a adoção de IA é crucial para permanecer competitivo.

O Índice se baseou em um estudo feito com mais de 31 mil pessoas em 31 países, incluindo o Brasil, informações sobre tendências do mercado de trabalho e de contratação no LinkedIn, além de sinais anônimos de produtividade do Microsoft 365 e pesquisas com clientes da Fortune 500.

“A IA está redefinindo o mercado de trabalho atual e está claro que precisamos nos adaptar a esta transformação”, confirma o ceo do LinkedIn, Ryan Roslansky. No Brasil, 74% dos usuários de IA dizem que incluíram, por conta própria, as ferramentas de IA na sua rotina de trabalho.

"A IA está redefinindo o mercado de trabalho atual e está claro que precisamos nos adaptar a esta transformação"

Ryan Roslansky
ceo do LinkedIn

No final do ano passado, o LinkedIn viu um aumento global de 142 vezes no número de usuários adicionando habilidades de IA como Copilot e ChatGPT aos seus perfis e um acréscimo de 160% no número de profissionais não técnicos que usam cursos do LinkedIn Learning para desenvolver suas aptidões em IA.

Outra tendência observada é que menções à IA nas postagens de emprego do LinkedIn geraram um aumento de 17%. “Os líderes que investem no desenvolvimento de competências de suas equipes darão às suas organizações uma vantagem competitiva e criarão equipes mais eficientes, diversas e inovadoras”, acrescenta Roslansky.

*A repórter viajou até São Paulo a convite da Intel para acompanhar o evento.