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Publicado em 3 de agosto de 2024 às 17:07
“Gosto de usar cogumelos mágicos de forma recreativa, de preferência perto de alguma cachoeira para me conectar com a natureza, com os animais e para contemplar a vida”, revela a DJ Vivi Seixas, filha do eterno maluco beleza, o roqueiro baiano Raul Seixas.
Sobre microdose de “cogumelos mágicos”, da qual também é adepta, ela diz não poder falar muito. “Não tive ainda uma experiência que me permitisse afirmar estar sentindo a diferença, como vejo acontecer com outras pessoas.”
Aos 43 anos, recém completados, no último dia 28 de maio, Vivi Seixas conta ter muita ressaca de tudo. “Tomo três drinks e já não me bate bem, no dia seguinte estou mal, gosto dos cogumelos mágicos por isso, é algo que não me deixa nesse estado ruim, com a energia baixa e ao mesmo tempo me permite curtir uma onda bem boa.”
Há cerca de 20 anos trabalhando em baladas na vida noturna, onde tem muita droga e álcool, a artista acredita no uso consciente de psicodélicos como uma forma de redução de danos e para se blindar de outras drogas mais nocivas.
“Os cogumelos mágicos não fazem mal para o meu corpo e não dá ressaca e além disso me sinto mais criativa em meu trabalho com a música, como DJ, meus ouvidos ficam mais sensíveis.”
‘Ayahuasca conecta com a espiritualidade’
Além dos cogumelos mágicos, Vivi Seixas revela utilizar outras substâncias psicodélicas. “Consagro ayahuasca de vez em quando com os indígenas, isso me conecta com a minha espiritualidade”, diz a DJ Vivi Seixas.
No caso da ayahuasca, a DJ diz que a primeira vez que bebeu foi por uma questão de saúde e com a orientação de sua médica homeopata, adepta do Santo Daime, com quem se trata desde os 6 anos.
“Eu estava com uma dor surreal na lombar, já tinha ido a vários médicos e ninguém sabia o que eu tinha, não aparecia nada em exames”. A médica sugeriu que ela fosse a um ritual de cura do grupo religioso. “Eu fui e após dois dias era como se nunca tivesse sentido a dor, desapareceu completamente.”
Entretanto, Vivi Seixas diz se identificar mais com os rituais conduzidos pelos indígenas. “Não vou sempre, porque é muito profundo, mas gosto porque me mantém nesse rumo da conexão com minha espiritualidade e do autoconhecimento, da gratidão pela vida e por estar viva.”
Legalidade e debate sobre proibicionismo
Os psicodélicos, e especialmente os cogumelos mágicos, andam mesmo em alta. No Brasil, vários outros famosos também já falaram publicamente sobre o assunto. O cantor Zé Ramalho até transformou a experiência em canção, a famosa “Avohai”. O jornalista Nelson Motta também declarou recentemente utilizar microdose dos fungos psicodélicos.
Nos Estados Unidos, um caso que causou bastante comoção foi o do ex-lutador de boxe, Mike Tyson. Muito temido por seus adversários, conhecido por arrancar pedaços de orelha de seus oponentes no ringue, ele quase foi à nocaute por uma grave depressão que o levou à beira do suicídio.
O lutador há alguns anos revelou ter sido salvo pelos cogumelos mágicos. Ele se tornou sócio de uma empresa que pesquisa e oferece terapias com psicodélicos para tratar atletas e veteranos de guerra.
Famosos e anônimos estão buscando nos cogumelos mágicos (e em outros psicodélicos) uma solução para problemas de saúde que remédios convencionais não estão conseguindo resolver, como depressão grave, ansiedade e vícios.
E cada vez mais pessoas saudáveis também estão adotando os alucinógenos como uma forma de se conhecer melhor, para rezar e se conectar com o universo e a natureza.
E ainda tem uma outra turma que, sem grandes pretensões, busca apenas dar uma relaxada, curtindo uma ‘onda legal’ sem ter que encarar depois uma ressaca tenebrosa, é o chamado uso adulto ou recreativo.
No caso dos cogumelos mágicos, com tanta gente comprando, não deu outra, um mercado lucrativo rapidamente se formou em torno desse consumo.
O problema é que no Brasil empresas e consumidores vivem sob disposições regulatórias nebulosas e muita insegurança jurídica. A enorme demanda segue escalando, embalada não apenas por depoimentos de famosos, mas também pelos sinais positivos da ciência.
Recentemente, pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, analisaram estudos já publicados para entender como a substância presente nos cogumelos mágicos age no organismo de pacientes com depressão, com base no acompanhamento de 436 pessoas com o transtorno. Os resultados foram publicados recentemente na BMJ, revista médica britânica da British Medical Association.
Com base na análise, os cientistas acreditam que a psilocibina dos cogumelos mágicos pode ser mais eficaz do que antidepressivos tradicionais. “Os efeitos do tratamento com psilocibina foram significativamente maiores entre pacientes com depressão secundária, quando escalas de autorrelato foram usadas para medir sintomas do transtorno após o uso do psicodélico”, observam os autores na conclusão do artigo.
‘Negar acesso a psicodélicos é como negar acesso à vacina da Covid’
A alta no consumo de psicodélicos está reacendendo o debate sobre a legalidade. Dezenas de sites e perfis nas redes sociais vendem abertamente os cogumelos mágicos do gênero Psilocybe cubensis (aqueles que brotam no esterco em pastos), que contém psilocibina, substância alucinógena proibida no Brasil. Afinal, eles podem ou não ser vendidos?
Os cogumelos mágicos no Brasil não estão diretamente listados como substâncias proibidas pela Anvisa. Mas, a psilocibina contida neles, sim. Isso permite diferentes interpretações sobre a venda de cogumelos mágicos ser legal ou não.
Para quem quiser se aprofundar mais neste assunto, o blog da Mayya (mayya.com) é uma boa referência. A empresa com foco no bem-estar e na educação sobre o uso responsável de cogumelos mágicos é uma nova parceira do site Psicodelicamente.
Fato é que o imbróglio em torno dos cogumelos mágicos no Brasil escancara a urgência de uma revisão na atual política de drogas proibicionista. Mas, infelizmente, enquanto parte da sociedade clama por mudanças e pelo fim da guerra às drogas, lobbies políticos poderosos arrastam o país na contramão de possíveis avanços.
É o caso, por exemplo, da PEC das Drogas, a Proposta de Emenda Constitucional 45/2023, aprovada pelo Senado Federal, que criminaliza qualquer porte de drogas ilícitas, independente de sua quantidade.
Em entrevista ao site britânico The Standard, o cientista David Nutt, um dos maiores nomes da ciência psicodélica, afirmou que ‘negar acesso a psicodélicos é como negar acesso à vacina da Covid’. O pesquisador é chefe do Centro de Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres.
Por lá, a mistura maléfica de conservadorismo, preconceito e desinformação também provocam estragos. Nutt é ex-conselheiro-chefe sobre drogas do governo britânico, foi demitido em 2009 após afirmar que LSD e MDMA eram menos perigosos que o álcool. “Fui despedido pelo governo por dizer a verdade sobre estas drogas”, disse ele.
Texto do jornalista Carlos Minuano, que também é fundador e diretor da Psicodelicamente (www.psicodelicamente.com.br), revista digital independente de jornalismo psicodélico, apoiada pelo ICFJ (International Center for Journalists)