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Thais Borges
Publicado em 15 de março de 2025 às 05:00
Em cada um dos dois celulares, a criadora de conteúdo Jhoyce Leal, 35 anos, mantém dois aplicativos de Whatsapp - um ‘normal’, outro na versão Business. Nos aparelhos, também tem instalados os apps dos principais mercados e está sempre de olho tanto nas promoções online quanto nos estabelecimentos perto de onde mora. Ela compartilha os descontos com os 63 mil seguidores que tem no perfil @achadosdajhoyce no Instagram. >
"É muita pesquisa mesmo e é bom estar no meio de pessoas que gostam de promoção. Um vai passando para o outro e, se tiver barato, a gente até compra para deixar estocado. É uma força-tarefa que o pobre classe média baixa faz para economizar. Cria-se uma rede de apoio, porque a gente fica o tempo todo no celular. Estou sempre online, no Whatsapp, na rua, no Telegram", conta.>
A definição de Jhoyce para força-tarefa não é infundada. Como ela, outros tantos baianos têm se tornado ‘ases’ na busca pelos descontos. As estratégias para fugir da inflação nas compras do mês nos últimos tempos vão desde acompanhar perfis como o da própria Jhoyce como ter aplicativos de mercados, participar de clubes de compras dos estabelecimentos, canais de promoções no Whatsapp, Telegram e Instagram e aproveitar datas especiais, como a Semana do Consumidor, que começou nesta sexta-feira (14) e vai até a próxima sexta (21). >
O hábito de procurar por preços menores fez com que Jhoyce ficasse mais protegida da alta de preços. A inflação de fevereiro na Região Metropolitana de Salvador (RMS) chegou a 1,38% - maior do que a de janeiro (0,38%), do que o índice nacional (1,31%) e a mais alta para o mês desde 2016, quando o registro foi de 1,41%. Os números foram divulgados na última quarta-feira (12), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). >
Ainda assim, Jhoyce considera que não foi afetada. Morando e trabalhando em um escritório de contabilidade no Centro de Salvador, ela também circula pela região em busca dos preços mais baixos. Mas, hoje, com os apps e anúncios dos próprios mercados, só vai às lojas físicas depois que avalia que o garimpo virtual valeu a pena. >
"Eu tenho certeza de que economizo uns 40% por mês, em comparação a quando eu comprava tudo apenas indo no mercado. Minha compra dava mais de R$ 1 mil. Desde que comecei a focar mais nisso, chego a fazer mercado por R$ 400 e, ao longo do mês, vou comprando mais alguma coisa que preciso. Escuto das seguidoras que também economizam cerca de 30, 40% por mês". >
Para a professora Jamily Dias, que é doutora em Economia e docente do curso de Ciências Contábeis da Unijorge, buscar descontos é uma estratégia válida em momentos de inflação persistente. "No longo prazo, esses hábitos ajudam a equilibrar o orçamento, mas precisam ser acompanhados de planejamento para evitar compras por impulso apenas porque um item está em promoção", pondera. >
Algumas possibilidades listadas por ela também são comprar alimentos da estação, que costumam ser mais acessíveis; comparar preços entre mercados e feiras livres; aproveitar programas de fidelidade e cashback que alguns mercados oferecem e buscar marcas alternativas. "Muitos produtos de marcas alternativas têm qualidade semelhante a marcas líderes de mercado, mas com preços mais baixos". >
Multifatorial>
Dos nove grupos de produtos investigados pelo IPCA, a RMS teve aumentos maiores do que o restante do Brasil em quatro - despesas pessoais, alimentação e bebidas, habitação e saúde e cuidados pessoais. As principais diferenças, segundo a supervisora de disseminação de informações do IBGE, Mariana Viveiros, são justamente em despesas pessoais e habitação. "O que aparece com mais destaque na RMS, em termos de diferença do país, são principalmente dois itens que tem muito a ver com turismo: hospedagem e pacote turístico", diz. >
Enquanto a hospedagem variou 0,42% no país, cresceu 6,05% em Salvador, o que tem a ver com a inflação do verão e do período de festas como o Carnaval. "Fora isso, em habitação, a gente tem a energia elétrica que aumentou muito para todo mundo. E tem o gás de botijão entre as despesas de habitação que também provocam esse descolamento". >
No caso dos alimentos, a inflação aumentou 0,7% no Brasil e 1,12% na RMS. Esse crescimento, contudo, é multifatorial, de acordo com a planejadora financeira e economista comportamental Lai Santiago. >
A principal dessas causas é a desvalorização do cambial. "O dólar se valorizou muito frente ao real. Em 2024, foi mais de 27%. Isso vai impactar no fluxo das exportações. É muito mais vantajoso, para o grande produtor, vender para o mercado externo que vai pagar em dólar, do que vender para o mercado interno", explica. Ou seja, uma vez que os produtores daqui preferem vender para fora do país, há um certo desabastecimento local. >
Em contrapartida, tudo que é importado chega mais caro. Esse é o caso do trigo, que afeta produtos como pães, biscoitos e massas. "Além de tudo, tem uma série de insumos, como os fertilizantes, que em sua maioria são importados. Isso vai impactar no preço do produto final", acrescenta a planejadora financeira. >
Para completar o quadro, houve o aumento nos preços dos combustíveis devido à valorização do preço do petróleo internacional. Isso encarece o transporte de mercadorias, como lembra a professora Jamilly Dias, da Unijorge. "A inflação de alimentos ainda é um desafio, mesmo com o Banco Central, mantendo juros mais altos para conter a alta de preços", avalia. >
Rotina>
No início da pandemia, a criadora de conteúdo Milena Abreu, 36 anos, começou a procurar descontos online para enviar no grupo de amigas. Aos poucos, o hábito foi crescendo e se tornou o perfil @qualeapromocao, que tem mais de 34 mil seguidores e mostra principalmente preços de mercados de Salvador e Lauro de Freitas. >
"Como trabalho também com ação promocional, estou muito na rua e todo dia vou a mercados. Às vezes, vou a três ou quatro por dia". Todos os itens são fotografados por ela, para garantir a quem acompanha que realmente os descontos existem. >
Milena costuma receber pedidos de procura por preços menores em itens como bebidas e carnes, típicos para o churrasco, além de fraldas e leite. "Como o café teve um aumento muito grande, as pessoas estão pedindo muito, além do azeite", afirma. Tanto o café quanto o azeite têm tido alta de preços nos últimos meses, afetados por questões climáticas. >
Ela percebe que até o interesse dos seguidores aumentou. Mas a avaliação de Milena é que tanta procura vale a pena, se a pessoa souber como comprar. Mesmo com a inflação, ela tem conseguido gastar entre 40% e 50% menos. >
"Consigo economizar bastante, principalmente porque aproveitei os descontos nos últimos meses, quando os mercados Bompreço estavam fechando. Tinha coisa que custava R$ 50 e eu paguei R$ 6". Além disso, a depender do produto, ela recomenda comprar pelo menos três unidades, se o desconto for bom. "A gente está vivendo um momento que só dá para comprar com promoção", lamenta. >
Mesmo com as estratégias para a economia, a criadora de conteúdo Daniele Araújo, 31, calcula que não deixou de sentir o impacto da inflação. Ela estima que, buscando os descontos, economiza entre R$ 100 e R$ 200 por mês. >
"Hoje em dia, o pessoal pede muita indicação de café e ovo, que tiveram picos absurdos", afirma ela, que atualiza o perfil @achadosdadani no Instagram, além de acompanhar grupos de Whatsapp com compartilhamento de descontos. >
Ela também é do time que avalia comprar mais de uma unidade de produtos, a depender do valor. "Já peguei 10 pacotes de feijão, na época em que estava custando R$ 8, R$ 9. Paguei R$ 3 por quilo. Foi um descontão", conta.>
Como tem muitas seguidoras que são mães, ela ainda recebe muitos pedidos por indicações de fraldas e de leite, além de itens de higiene e limpeza. "A dica que sempre dou é ir aos mercados quando estiver passando por eles e fazer uma pesquisa e uma lista de compras para ver o que precisa repor ou não. Muitas vezes a gente compra de vez, mas para focar na economia, tem que ter um controle. Eu também fico de olho nos apps dos mercados. Abro várias vezes no dia, até porque trabalho com links". >
A professora universitária Juliana Castro, 30, é uma das consumidoras que acompanha as ofertas. Ela tem o hábito de concentrar as compras do mercado no início do mês, para evitar outros gastos menores durante o período. "Como eu uso essa estratégia, ver os lugares que estão com melhor preço é a melhor forma. Vou olhando esse radar, sigo influencers que fazem esse roteiro e sou a doida da tecnologia. Então, eu também uso aplicativos para fazer minha lista de compras. Cadastro e, na hora, vou bipando para ver a evolução dos preços", diz ela, que também acompanha canais para receber links de promoções. >
Essa rotina de buscar mais economia começou há cinco anos, quando foi morar sozinha. Desde então, ela enumera itens que consegue economizar com esse acompanhamento. Em azeites, por exemplo, já comprou por até R$ 30 mais barato. "Eu consigo ver uma diferença grande pela escolha do mercado, depois que pesquiso os descontos. Já economizei coisa de R$ 100, R$ 150, só indo em um ao invés de outro". Juliana ainda tem um grupo com 11 amigas que dividem o que encontram. "Mas cada uma vai compartilhando os mercados onde tem ido e a gente vai em outras partes da cidade, se for valer a pena". >
Estabelecimentos>
Cada mercado também tem suas próprias táticas para oferecer descontos atrativos aos clientes. No Assaí Atacadista, uma das principais propostas é o aplicativo Meu Assaí. "Os descontos disponibilizados no aplicativo são direcionados de duas formas: a primeira é com base em itens que são essenciais para a cesta de compra dos clientes, sendo um atrativo para as vendas. Já a segunda maneira é com base em nosso CRM (Gestão de relacionamento com o cliente, na sigla em inglês), em que direcionamos os descontos específicos para cada usuário, com base em seu perfil de compras", explica o gerente comercial nacional da marca, Evandro Pegoraro. >
No aplicativo, os clientes podem visualizar as ofertas de acordo com sua geolocalização, buscando a loja mais próxima. De acordo com Pegoraro, quem usa o app pode economizar, em média, 15% nas compras. "A principal dica para os clientes que utilizam o aplicativo Meu Assaí é incluí-lo em sua rotina, conferindo as ofertas antes de iniciar as compras para aproveitar as melhores oportunidades para economizar", acrescenta. O app já tem 14 milhões de usuários. >
Outras iniciativas são programas de relacionamento, como o que o GBarbosa lançou em dezembro do ano passado. Integrado ao app da marca, o Clube GB é um programa de fidelidade que inclui jogos virtuais e recompensas para ofertas exclusivas. Por meio de inteligência artificial, identifica as preferências de produtos dos clientes cadastrados e oferta as vantagens de acordo com os hábitos de cada um. >
"Por meio de uma experiência lúdica e interativa, queremos estar ainda mais próximos dos nossos clientes, recompensando aqueles que nos prestigiam com diversas vantagens, ofertas personalizadas e relevantes", disse o diretor-geral da empresa, Marcos Femia, no lançamento.>
A expectativa para os próximos meses é de que os preços podem continuar mais altos - em especial, no que diz respeito a alimentos afetados por questões climáticas e pelos custos do transporte. No entanto, há aspectos que podem ajudar a diminuir a pressão sobre os preços, de acordo com a economista Jamilly Dias, doutora em Economia e professora do curso de Ciências Contábeis da Unijorge. >
Isso inclui a expectativa de uma safra melhor de grãos, como o arroz e o feijão; a provável desaceleração da inflação ao longo do ano, caso o Banco Central continue com as políticas para o controle de preços e a valorização do real frente ao dólar, qu pode reduzir o custo de importação de insumos. >
"Por outro lado, incertezas globais, como o preço do petróleo e o cenário econômico internacional, ainda podem pressionar os custos. Isso significa que os consumidores devem ficar atentos e adaptando seus hábitos de compra pelo menos até o segundo semestre de 2025", orienta. >
Enquanto isso, uma recomendação da planejadora financeira Lai Santiago é montar um planejamento de gastos com limites específicos daquilo para o que cabe na realidade de cada família. Além de priorizar esse planejamento, ela indica compras mais direcionadas, incluindo a troca de marcas ou de itens, a exemplo de optar por frutas da estação ao invés das importadas. Ela também sugere fazer receitas em casa com ingredientes mais saudáveis, que podem substituir alimentos mais caros. >
"Também aproveitar feiras livres e mercados alternativos do bairro, que podem oferecer preços melhores. Não estamos falando aqui do mercadinho superfaturado gourmet, mas, às vezes, numa rua num bairro específico você vai ter uma feira livre que vai praticar preços menores", diz. >
Ela também indica evitar compras impulsivas e acompanhar a variação de preços ao longo do tempo. Ainda vale aproveitar datas criadas pelos próprios mercados, como o dia da semana dedicado às carnes ou a descontos em hortifruti. >
"Muitos mercados acabam também praticando valores mais altos em datas específicas do mês, como é o caso do início do mês, quando a maioria da população tem o seu salário na conta. Evitar o mercado nesse período pode também ajudar a fazer alguma economia e, lá, focar naquilo que realmente precisa", completa. >