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Carolina Cerqueira
Publicado em 8 de março de 2025 às 08:00
Dendê, mandioca e urucum são os três ingredientes cultuados pela chef de cozinha Solange Borges, de 62 anos. Mas o primeiro deles é o verdadeiro rei. "Foi o dendê que levou a gente para o mundo", diz ela, que é idealizadora do Festival do Dendê. A quarta edição do evento acontece em Camaçari dos dias 12 a 16 de março. >
Além de Solange, o evento vai ter a presença de outros chefs, como Alex Atala (D.O.M.), Fabrício Lemos e Lisiane Arouca (dupla que comanda o Grupo Origem), Katrin e Dante Bassi (Restaurante Manga) e Peu Mesquita (Lafayette e Vona SSA). >
O objetivo é exaltar a culinária, os ingredientes e os produtores locais. Tudo começou na Agrovila Pinhão Manso, em Camaçari. É um espaço onde cerca de 20 mulheres produzem alimentos como banana, aipim e dendê, que são vendidos em feiras coletivas.>
Polos como esse, que ainda fazem a produção do tipo pilão, são importantes agentes de preservação. A tradição do cultivo tem perdido força na Costa do Dendê e os preços têm aumentado para o consumidor final. Segundo os especialistas, os motivos são a falta de incentivo financeiro e as dificuldades na produção. Apesar de receber o título de 'terra do dendê', a Bahia, em 2024, acumulava apenas 1,4% da produção nacional. >
É na Agrovila que está instalado o projeto de Solange Borges chamado Culinária de Terreiro (@culinariadeterreiro), no terreiro Unzo Nganga Kuatelesa Ninza. "A gente acreditou que a forma de quebrar preconceito era fazendo as pessoas conhecerem o terreiro, então pensamos na culinária como atrativo e deu muito certo", lembra a chef. >
É através da comida que ela abre diversos caminhos para a própria vida. Conta que aprendeu a cozinhar com "mainha", que era empregada doméstica de forno e fogão. "Ela cozinhava quando estava grávida de mim, então acho que fui contaminada com esses aromas", brinca Solange. >
Mas a história não é tão romântica assim. Ela perdeu a mãe cedo e, sendo a irmã mais velha, precisou cuidar dos mais novos. "A única forma que eu vi foi continuar vendendo acarajé, como minha mãe fazia", explica.>
O Festival do Dendê tem como foco justamente as mulheres empreendedoras, considerando as baianas de acarajé como as primeiras da categoria no Brasil. Serão as mulheres as principais expositoras no evento.>
Programação >
Na Feira de Saberes e Sabores, o público poderá acompanhar estandes com artesanato local e biojóias, além da exposição e venda de produtos regionais como dendê, mel, licuri, cacau, dentre outros. >
O festival terá ainda visita a quilombo, jantar exclusivo, palestras, oficinas, cozinha-show, degustação e apresentações culturais. Está na quarta edição e afirma se consolidar como um dos principais encontros gastronômicos e culturais do estado.>
O público pode se inscrever no site festivaldodende.com.br para as atividades de cozinha-show com alguns dos chefes participantes. No dia 16, um jantar coletivo preparado pelos chefs também está à venda. >
Um workshop sobre empreendedorismo feminino promete buscar reverter o principal problema que as mulheres da comunidade enfrentam, segundo Solange. "O escoamento da produção é a principal dificuldade. A gente precisa precisa mostrar o que tem e muitas mulheres não sabem como fazer ou têm vergonha", pondera.>
Reconhecimento >
Solange fala por experiência própria. Foi preciso um empurrão de uma amiga para que ela mesma se reconhecesse como chef de cozinha. "Eu via aqueles profissionais com aquele charme e resolvi fazer o curso no Senac, mas demorei para entender que eu já era uma chef", lembra. >
Depois da conversa com a amiga, ela correu para trocar seu nome no Instagram. Chef Solange Borges, decretou. "O conhecimento tradicional é importante, tem valor. Muita coisa que eu aprendi no curso minha mãe já sabia. São os povos tradicionais que descobrem e a academia sintetiza", afirma Solange. >
"Nosso povo só foi escravizado porque detinha tecnologia e conhecimento. Fomos escravizados porque éramos muito bons e precisamos agora usar esses conhecimentos para nós mesmos. É isso que o Festival do Dendê busca fomentar também", finaliza. >