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Fenômeno do YouTube: saiba quem é o bispo Bruno Leonardo, o profeta que parou Salvador

Com 41 milhões de inscritos em seu canal, líder religioso levou mais de 100 mil pessoas ao Parque de Exposições e representa nova leva de pregadores

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 11 de janeiro de 2025 às 02:00

O bispo Bruno Leonardo é um fenômeno nas redes sociais
O bispo Bruno Leonardo é um fenômeno nas redes sociais Crédito: Thainá Dayube/CORREIO

Pouco antes do dia 4 de maio de 2023, a gerente de captação de recursos do Hospital Martagão Gesteira, Lareyne Almeida, atendeu à ligação da ex-prefeita de um município no interior. De alguma forma, ela tinha ficado sabendo que, naquela data, a unidade de saúde receberia a visita do bispo Bruno Leonardo e queria estar presente. “Muita comoção. Ela acabou não indo porque pedi que, por favor, não fosse”, lembra.

A equipe do bispo tinha entrado em contato para a visita, que acabou levando à doação de R$ 500 mil em alimentos (44 toneladas) para o hospital. “Para a gente, foi uma coisa lindíssima, porque nós não o conhecíamos, mas boa parte dos colaboradores, sim. A gente recebe muitas visitas, mas, nos dois anos em que estou no hospital, foi a mais marcante, pela mobilização das pessoas".

A impressão de Lareyne não é tão diferente das reações de muita gente perguntada sobre Bruno Leonardo. Há quem diga que ele é uma personalidade ‘de nicho’, mas é difícil sustentar essa afirmação quando a tal bolha evangélica à qual ele supostamente pertenceria tem mais de 41 milhões de inscritos no YouTube. Fundado em 2016, o canal explodiu durante a pandemia da covid-19. Desde então, o bispo mantém uma rotina diária de vídeos de oração: às 5h, às 18h e à meia-noite.

Entre apaixonados e aqueles que torcem o nariz, não há como negar: o bispo é um fenômeno. O baiano de Salvador se tornou um dos mais populares e carismáticos líderes religiosos do Brasil. No último domingo (5), a figura de voz mansa e tom reconfortante esteve diante de mais de 100 mil pessoas, no Parque de Exposições de Salvador. Vestindo terno com corte italiano e a indicação sutil de uma grife - e com um penteado moderno, o bispo Bruno Leonardo se dirigia a fiéis que chegaram até na madrugada para esperar por ele. “Onde estão as minhas ovelhas queridas? Eu estou em Salvador”, comemorava, no início da ministração.

Era a ‘Visita do Profeta’, o evento com o qual percorre o país. O encontro provocou engarrafamento e a estação Mussurunga do metrô precisou ser fechada. "O metrô não deu atenção ao que pedimos. Chegaram ao ponto de prender as pessoas na passarela por falta de profissionalismo. Foi algo gravíssimo e eu fico muito triste pelas ovelhas que passaram por isso", lamentou, nos stories.

A analogia com ‘ovelha’ não podia ser mais clara para um pastor. No caso do bispo, se tornou um de seus bordões, replicados à exaustão no ambiente digital. Quando recitados fora da tela, contudo, parecem despertar uma emoção diferente. “Já te disse que te amo hoje? Eu te amo, ovelha querida”, é outra de suas falas mais conhecidas.

Acompanhando o bispo desde 2019, a dona de casa Neinha de Jesus, 44 anos, é o exemplo de uma seguidora que não é evangélica, mas não perde a ministração. No domingo, veio de Cachoeira para vê-lo e ganhou uma das pulseiras distribuídas por ele. Os adereços são um símbolo querido pelos seguidores e têm dizeres como ‘Nada faltando, nada quebrado, nada fora do lugar’. "Não tenho religião. Minha igreja é em casa, ouvindo o bispo. Acho que ele se tornou esse fenômeno porque fala de Deus, não de práticas de igreja".

Em sua bio nas redes, o bispo se autodenomina ‘a maior corrente de oração do mundo’. Uma de suas falas comuns é bem a de que ‘não é sobre religião, é sobre Deus’. Bruno Leonardo é representante de uma geração que se distancia de outro aspecto de grandes lideranças pentecostais midiáticas nos últimos anos: o envolvimento com política. Em suas redes, não costuma falar sobre suas preferências ideológicas e não segue políticos.

Trajetória

Bruno Leonardo é o principal nome da Igreja Batista Avivamento Mundial (Ibam), fundada originalmente em Cajazeiras, nos anos 2000. Ele começou a pregar aos 15 anos, mas os registros mais antigos são de 2012, no Facebook da própria igreja. Nas fotos, há desde momentos em que o bispo prega para dezenas de fiéis até registros de ordenação de obreiros ou de ‘subida ao monte’. Nas postagens mais antigas, há cards anunciando modalidades de cultos não tão comuns na religião evangélica, como o fechamento de corpo (um bordão sobre uma prática atribuída às religiões de matriz africana no senso comum). O fechamento de corpo, contudo, foi adotado por igrejas neopentencostais, como a Universal do Reino de Deus.

Em 2012, cards anunciavam cultos de fechamento de corpo
Em 2012, cards anunciavam cultos de fechamento de corpo Crédito: Reprodução/Facebook

Desde o início, as postagens pareciam ser direcionadas para cada usuário. "Você que precisa de Deus em qualquer área da sua vida", diz uma, que tem palavras como ‘prosperidade e libertação escritas por meio de edição de imagem. Com o avançar dos anos, o estilo das publicações muda, se tornando mais sofisticadas. Os anúncios incluem inaugurações de novas filiais da Ibam, inclusive em cidades como Feira de Santana.

O Ibam começou em Cajazeiras
O Ibam começou em Cajazeiras Crédito: Reprodução/Facebook

No segundo maior município do estado, o bispo mantém uma igreja no Centro, mas também um templo que ocupa quase um quarteirão inteiro na Avenida Presidente Dutra, uma das principais de Feira. O espaço fica fechado a maior parte do tempo, sendo usado apenas durante as visitas do bispo, que costumam atrair mais fiéis do que o normal. Apesar da fundação em Cajazeiras, a sede da igreja em Salvador também fica em um local de grande circulação, na Avenida ACM.

Porém, a transformação não veio só nas postagens. Nesse mesmo período, Bruno Leonardo se firmava de uma forma mais personalista - aos poucos, se tornava ‘o Profeta’. Entre 2017 e 2018, já é possível identificar vídeos com o logotipo pelo qual ficou conhecido, com seu nome ao lado de dois leões. O símbolo está presente em todas as fachadas dos templos da Ibam, abaixo do nome da igreja e junto das palavras ‘Ministério Bispo Bruno Leonardo’.

No dia 25 de dezembro de 2019 - ou seja, menos de três meses da pandemia, um card comemorava os 80 mil inscritos no YouTube. Ou seja: praticamente mais de 40 milhões de inscritos chegaram a partir da pandemia. O YouTube não divulga rankings, mas, de acordo com a plataforma Social Blade, o canal dele está em 41º lugar entre os mais engajados do Brasil.

Na maioria dos vídeos, Bruno Leonardo grava com uma câmera de boa qualidade, no que parece ser um escritório bem decorado. "Quem começa o dia orando terminará o dia agradecendo", diz ele, na oração das 5h da última sexta-feira (10). Com estilo clean e um porta-retrato com a esposa ao fundo, Bruno vestia um casaco em tom cru e usava o topete com o qual ficou famoso. Em menos de seis horas, o vídeo tinha 2,2 milhões de visualizações e 835 mil curtidas. "Antes de você sair, eu te peço: compartilhe essa oração. Que cada compartilhamento seja uma benção enviada".

Nos comentários, milhares de pessoas dizem receber a benção e se livrar do 'laço do passarinheiro' (as armadilhas que desviam da fé). No Instagram, os comentários são mais direcionados a ele. "Te amo, Deus. Bom dia Bispo! Eu já te disse que te amo hoje?", escreveu uma usuária, na sexta-feira. O YouTube tem um programa de monetização com diferentes possibilidades de pagamento, que é em dólar. Uma das formas mais comuns é pela visualização.

O bispo não mora mais em Salvador. Contatado pelo CORREIO através de dois assessores e do Instagram, ele não respondeu aos pedidos. A única resposta foi de uma de suas assessoras, que disse que o bispo já tinha voltado a São Paulo. Ainda assim, ele mantém uma casa de praia em Interlagos, condomínio de luxo no Litoral Norte. Pessoas que têm imóveis na região resgataram um anúncio de venda da casa por R$ 16 milhões.

No ano passado, o bispo e outras duas pessoas se afogaram no mar da região. Ele ficou duas horas no mar e foi resgatado por salva-vidas. "Teve um momento que eu olhei pra Deus e disse: Senhor, me salva. Nos salva, pai. Eu lembrei que Deus me disse que esse ano seria o ano do livramento", contou, em stories feitos na época.

Ele se apresenta como bacharel em Teologia e juiz de conciliação. O cargo é vinculado à Ibam, já que ele não faz parte da lista de juízes leigos e conciliadores do Tribunal de Justiça da Bahia. A Ibam, por sua vez, não faz parte de entidades como a Convenção Batista Baiana. A entidade disse não ter nada a declarar. "A Convenção Batista Baiana reforça que o Bispo Bruno Leonardo não faz parte da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil - Seção Bahia e que a Igreja Batista Avivamento Mundial, liderada por ele, não faz parte da Convenção Batista Baiana nem da Convenção Batista Brasileira", informaram, em nota.

Hospitais

O trabalho do bispo Bruno Leonardo também ganhou evidência porque ele faz significativas doações a hospitais, anunciadas durante a Visita do Profeta. Só em Salvador, já houve doações para entidades como as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) e o Hospital Aristides Maltez, além do Martagão Gesteira. No último domingo, ele doou R$ 2 milhões ao Hospital Santa Izabel.

Inicialmente, o bispo fez uma visita ao Santa Izabel, sem combinado prévio, segundo a gerente de qualidade do hospital, Soraia Accioly. "Ele se mostrou bem sensibilizado à causa da pediátrica e também foi a algumas unidades de adulto. A gente percebeu o quanto ele é querido. Os pacientes pediam oração e a gente via uma preocupação dele em creditar a doação para uma instituição com credibilidade". O bispo tinha estudado o hospital e fazia perguntas sobre como tudo funcionava. Fez, então, o convite para que algum representante se juntasse ao evento. Somente lá o valor foi divulgado.

No Aristides Maltez, não teve visita - mas a doação chegou em abril. Assessores fizeram três visitas à unidade, antes do evento na Arena Fonte Nova. "Acredito que tudo que foi levado para ele o tocou realmente", avalia o diretor administrativo Washington Couto. A doação foi creditada dois dias depois do evento. "Fizemos aquisição de medicamentos quimioterápicos. Foi uma doação muito importante e a gente agradece muito ao bispo e aos seus fiéis todos os dias. A gente é uma instituição 100% filantrópica e que depende de doações", explica. O hospital conta com cerca de 12 mil doadores fixos que, em média, somam R$ 520 mil mensais.

Já as Osid receberam, em novembro, R$ 500 mil em gêneros alimentícios. O montante é o mesmo que havia sido doado ao Martagão Gesteira meses antes. Isso significou 44 toneladas de alimentos, que foram usados durante todo o ano, segundo a gerente de captação do Martagão, Lareyne Almeida.

"Esse tipo de doação é muito importante, porque ajuda a reduzir nossa despesa", explica ela. A visita até hoje é lembrada por ela com carinho. "Ele parava, dava muitas mensagens de conforto. As mães choravam, os colaboradores choravam, reconhecendo nele uma liderança espiritual mesmo", relata.

Uma das pessoas que se sentiu tocada foi a enfermeira Naiana Lima, 36. Evangélica batista, ela acompanha o bispo desde 2022. "Falei para ele que a vida dele era uma benção e que já tinha aprendido muito com o conteúdo dele. A resposta foi que essa era a missão dele".

Mas, como há diferentes segmentos no cristianismo, o bispo não é unanimidade. Esse é o caso da comunicóloga Fernanda Santos, 26 anos, que é católica, mas já frequentou uma igreja evangélica ‘de parede preta’ (tendência dos templos mais modernos). "Acompanho muitos pastores, mas, na internet, todo mundo está querendo ser coach religioso. Gente com promessas vazias. Mas se você abrir a Bíblia, vai ver que ele não está falando nada além do que está escrito".

Em 2024, o pesquisador Adoliran Silva defendeu uma dissertação de mestrado na Ufba sobre Bruno Leonardo. Ele aponta que o bispo tomou para si o posto de profeta do novo tempo. "O fenômeno midiático que ele promove se alinha com a lógica do consumo religioso na era digital, em que a experiência espiritual é crescentemente vivida de forma individual, sem a formação necessária de laços comunitários, refletindo uma nova forma de religiosidade mediada pela tecnologia", escreve.