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Thais Borges
Publicado em 19 de janeiro de 2025 às 07:19
Íris e Édra são duas meninas que se apaixonaram na adolescência, mas cresceram. Por cinco anos, as fãs e leitoras da escritora Elayne Baeta esperaram por novidades de um dos casais mais queridos da literatura brasileira jovem e LGBTQIA+. Quando o retorno das personagens foi anunciado, com o lançamento de Coisas Óbvias Sobre o Amor - a continuação da duologia iniciada com O amor não é obvio, em 2019, pela Galera Record -, no fim de novembro, a expectativa foi refletida nos números.
Com o novo título, a baiana de Salvador se tornou a detentora da marca de maior pré-venda de um autor brasileiro, com 16 mil exemplares vendidos em apenas 48 horas. Dez mil foram em apenas 24 horas. O recorde superou a pré-venda do livro de Felipe Neto (Como Enfrentar o Ódio, a maior pré-venda da Companhia das Letras), que teve 10 mil vendidos, porém em mais tempo. O primeiro livro da duologia de Elayne já era um bestseller, com 100 mil exemplares vendidos.
"Números são pessoas. Dá para encher um estádio nessa brincadeira, um Bavi da vida", brinca Elayne, em entrevista ao CORREIO, por videochamada, na última terça (14). "Uma parte de mim nunca processa (o que está acontecendo), mas gosto porque isso me dá o prazer de sempre me impressionar. Eu escrevo porque quero ser lida e compreendida. Mas minhas leitoras estão lá e são barril dobradaço", acrescenta.
No próximo dia 25, será o pontapé inicial da turnê de lançamento de Coisas Óbvias Sobre o Amor, justamente em Salvador, com uma sessão de autógrafos na livraria LDM do Shopping Vitória Boulevard, a partir das 15h. Ao todo, serão oito cidades até maio. Em Salvador, assim como em São Paulo e no Rio de Janeiro, haverá, ainda, a festa Fancha - um evento especial em que parte da venda dos ingressos (já esgotados) será destinada a ONGs apoiadas pelo projeto social da tour. Em cada cidade, serão arrecadadas doações para entidades que acolhem pessoas LGBTQIAPN+ em situação de vulnerabilidade. Em Salvador, será a Casa Marielle Franco Brasil.
A escolha por começar em Salvador foi natural - e, segundo Elayne, sempre será assim. "Para mim, é inegociável. Salvador me pariu como pessoa. O Sudeste pode ter a oportunidade que for, mas não cresce meu olho a ponto de me influenciar a perder meu sotaque e minhas origens", diz a escritora de 27 anos, que mora no Rio de Janeiro desde 2021.
Além de Salvador, ela passou boa parte da infância em Santo Antônio de Jesus (SAJ), no Recôncavo baiano. Na capital, morou no Uruguai e no Caminho de Areia; em SAJ, na Rua Acre. "A rua era de terra. Quando asfaltou, foi mágico", lembra. "Sinto que Salvador é um mundo e o interior é outro. Eu vivi entre esses dois mundos, porque nas férias continuava indo para Salvador. Devo à Bahia tudo que sou".
Romances
Antes mesmo de saber ler, Elayne já inventava histórias. Pegava os livros de estudo do pai, ouvia histórias do avô ou passava horas na extinta livraria Saraiva do Shopping da Bahia. Foi lá, por exemplo, que percebeu, na adolescência, que não era fácil encontrar romances com duas meninas. Seu primeiro amor literário foi Capitu, personagem de Machado de Assis. Os clássicos da literatura brasileira formaram seu gosto quando mais nova - Jorge Amado e Graciliano Ramos , por exemplo.
Mas Elayne gostava mesmo era de histórias de amor. "Essa fase de leitura durou pouco porque eu me descobri cedo, aos 14 anos, e fiquei pensando que nenhum livro contava minha história". Ao mesmo tempo, crescia a paixão pela escrita. Escrevia no Orkut e, depois, originais no Wattpad. Foi nessa última plataforma, inclusive, que publicou a primeira versão de O amor não é óbvio, em 2017, e foi notada pela Galera Record.
A duologia traz não apenas dois períodos diferentes da vida de Íris e Édra como dois pontos de vista. Enquanto o primeiro livro era contado por uma Íris, a garota feminina que se descobre lésbica, a nova obra traz a perspectiva de Édra, uma mulher lésbica desfeminilizada. "No primeiro livro, Íris se apaixona por uma mulher desfeminilizada, que é o que eu sou. O retorno agora tem sido mais emotivo para mim. Tenho recebido mensagens de mulheres femininas que não sabiam como era ser a mulher lésbica desfeminilizada. Elas entenderam essa camada".
Elayne acredita que a duologia traz, assim, a experiência completa. Mas defende que não deve ser lida apenas por leitoras lésbicas ou da sigla LGBTQIAPN+. "Meu trabalho é um romance lésbico, mas, no final das contas, é um romance. Gosto de falar para as pessoas que passei a vida inteira lendo romance hétero e nem por isso sou hétero".
A vida também não era fácil. Elayne começou a trabalhar aos 12 anos e já fez de tudo: deu aulas de inglês, foi vendedora, trabalhou como designer e até em funerária. "Meu primeiro livro foi escrito no celular, com a tela rachada, e no netbook que ganhei com 15 anos e que a tecla A não funcionava direito", lembra. "Eu não tinha muita esperança que o meu trabalho ia dar certo. Por isso, sou muito grata pelo jeito como minha vida virou. Hoje, as coisas estão melhorzinhas. Ajudo minha família"
Atualmente, suas preferências literárias mudaram um pouco. Gosta de ler sobre psicologia e, principalmente, de livros escritos por mulheres. Só para citar algumas, elenca Maya Angelou, Virginia Woolf, Carla Madeira e Adélia Prado. "Carla é meu grande amor e tenho o prazer de dizer que já autografamos lado a lado. Recebemos o prêmio de 100 mil livros vendidos na Record juntas. Ela estava lá, recebendo, sei lá, o quinto dela", diz, aos risos. "Por muito tempo, a literatura foi uma cadeira que só homens podiam sentar. Mulheres são muito mais viscerais. Perde quem só lê literatura escrita por homens", reflete.