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Entenda o aumento de passeios em favelas, terreiros e aldeias e a discussão sobre turismo responsável

Países africanos também são cada vez mais procurados e movimento faz surgir agências especializadas em afroturismo

  • Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
  • Carolina Cerqueira

Publicado em 18 de janeiro de 2025 às 02:00

Conheça histórias de quem viajou para a África e de agências que promovem uma outra perspectiva para o turismo
Histórias de quem viajou para a África e agências baianas de turismo comunitário Crédito: Arquivo Pessoal

Marília Moreira, de 35 anos, sempre quis fazer uma viagem internacional, mas nunca teve sonhos de princesa. As agências tradicionais ofereciam Estados Unidos, Canadá e alguns lugares da Europa, mas o continente que a jornalista queria conhecer era o africano. Na África do Sul em 2023 durante três meses, a baiana cumpriu o objetivo de entender as consequências da colonização por lá e os resquícios do apartheid.

“Na adolescência, não tive oportunidades de viajar e, depois, me deparei com a barreira do receio, enquanto mulher latina, brasileira, de conhecer destinos tradicionais. Um medo de sofrer preconceito, de como seria tratada na imigração, no raio-x do aeroporto”, compartilha Marília.

É para pessoas como Marília que estão sendo pensadas agências como a Brafrika, uma agência de intercâmbio voltada para o afroturismo. O termo consiste em descobrir destinos de maneira imersiva e compreender as raízes da diáspora africana. Histórias, pessoas e heranças são os principais pontos turísticos desse jogo.

Marília Moreira
Marília Moreira no Mirante The Rock, em Cape Town, África do Sul Crédito: Arquivo Pessoal

Foi justamente isso que o baiano Rodrigo Almeida, de 37 anos, foi conhecer na África do Sul e em Moçambique no ano passado, depois de decidir que já bastava de Europa. “Viajar para a África, para mim, era um sonho. Eu queria sentir como seria estar mais próximo dos meus e, de fato, tive uma sensação de pertencimento. Com certeza, foi uma experiência diferente do que uma pessoa do Sudeste ou Sul do Brasil teria lá”, compartilha.

Rodrigo fez tour por safári, distribuiu brinquedos no Dia das Crianças e quebrou estereótipos que construiu ao constatar que, por lá, as comidas não eram as mesmas da Bahia e muitas pessoas não conheciam o candomblé. Mas defende que esteve longe do turismo que chamou de folclórico.

“Tem muita gente que vai para ver o exótico, que não espera encontrar desenvolvimento; são aquelas pessoas que acham que a África é um país. Tem vários resorts de luxo para atender esse público que quer ver belas paisagens. Eu queria conhecer os moradores, ter uma padaria para ir todos os dias que fizesse com que eu me sentisse em casa”, diz Rodrigo, que é diretor da Agência Criativos, que faz consultoria e assessoria de comunicação voltadas para a diversidade.

Rodrigo Machado
Rodrigo Machado ao lado de cartaz histórico de Nelson Mandela Crédito: Arquivo Pessoal

Na contramão do turismo de massa

O tipo de viagem que Marília e Rodrigo fizeram representa um novo modelo de turismo que, deixando o movimento de massa para trás, quer cada vez mais personalização. É o que diz a presidente do conselho da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav), Ana Carolina Medeiros.

“O turismo de massa não deixa de existir. Ainda há a procura pelos pacotes certinhos, com transfer, com city tour. Mas os clientes tendem a querer cada vez mais personalização, querem uma viagem com a cara deles. Isso reflete tanto no tipo de transporte e hospedagem quanto no tipo de vivência que eles buscam. Não querem mais as mesmas fotos que todo mundo tira”, avalia.

Nessa onda, estão o turismo gastronômico, o turismo religioso e o turismo de base comunitária, por exemplo. Este último, que também pode ser chamado de turismo social e ainda turismo decolonial (ou descolonial), visa o respeito à memória e aos conhecimentos locais, buscando gerar renda para a comunidade.

O turismo religioso foi o tipo escolhido pelo advogado baiano Matheus Maciel, de 31 anos. Enquanto pessoa feita no candomblé e sacerdote do culto de ifá, ele queria conhecer as cidades onde o culto de cada orixá era mais forte. Para começar, foi, em novembro do ano passado, até a terra do povo iorubá, no continente africano. Atualmente, o local está, predominantemente, na Nigéria, mas é preciso lembrar que a divisão dos países, quando foi estabelecida, não respeitou as particularidades dos costumes e tradições.

“Conhecia nigerianos e eles me acompanharam nessa viagem, permitindo até que eu tivesse contato com reis, pessoas que não só são lideranças religiosas, mas também étnicas. Em agosto deste ano, vai acontecer o festival de Oxum por lá e estamos planejando montar um grupo de baianos devotos de orixás para ir”, conta Matheus.

Matheus Maciel com a estátua da primeira rainha
Matheus Maciel na Nigéria com a estátua da rainha yorubana da primeira dinastia Ile-Ife Crédito: Arquivo Pessoal

No último dia 11, a Prefeitura de Salvador, ao anunciar a revitalização da Casa do Benin, afirmou o interesse por ampliar as relações culturais e comerciais entre a capital baiana e a nação africana através do afroturismo. O atual Benin foi a região de origem da maior parte de escravizados trazidos ao Brasil e, principalmente, à Bahia.

Certo e errado

Em 2015, foi estabelecido o Código Mundial de Ética do Turismo da Organização Mundial do Turismo da ONU. O Sesc São Paulo foi a primeira instituição brasileira a assiná-lo. Mas, cada vez mais, novas discussões surgem no ramo. Em 2022, uma multidão atirou garrafas de água contra uma turista que escalou uma pirâmide protegida no México e foi detida em seguida.

Na última semana, a influenciadora carioca Manu Cit esteve em Salvador e, ao publicar um story dizendo que estava quase “salvadoriana”, foi alvo de muitas críticas nas redes sociais. Após o episódio, ela pediu desculpas e disse que foi “uma brincadeira”.

Para refletir sobre o assunto, “Reorientar a bússola, descolonizar a viagem” foi o tema de um evento do Sesc São Paulo em 2024. A educadora social, mestra em Turismo e coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac), Bel Santos Mayer, defende que “a bússola do turismo precisa ser reorientada”. Para ela, isso poderá acontecer através do turismo de base comunitária.

“É não somente observar o outro, mas também observar a si mesmo. É saber que, ao mesmo tempo que você leva o seu olhar, também está sendo olhado. Você registra uma imagem, mas também está sendo registrado. Você não está ali para passar e ser servido. Você está ali para ouvir, fazer junto, conhecer e ser conhecido”, explica Bel.

A educadora social destaca que não é errado querer conhecer o diferente. O equívoco está em considerar o diferente enquanto inferior. “O problema está quando há um olhar de exotismo que diminui o outro. A gente quer desconstruir esse lugar de zoológico social. O turista não pode achar que está fazendo um favor para aquela comunidade ao estar ali”, provoca.

O geógrafo Rafael Sanzio Araújo dos Anjos complementa que é preciso celebrar a valorização que esses territórios estão recebendo após séculos de invisibilidade, mas que é preciso ponderar. “A comunidade é que tem que ditar as regras, dizer o que pode e o que não pode ser feito ali, o que pode ser conhecido ou não. E, aos visitantes, cabe respeitar esses limites”, pontua o professor da Universidade de Brasília (UnB), colaborador do Centro de Estudos Afro-Orientais da Ufba e CEO do Projeto GEOAFRO.

Outra proposta

É pensando nessa desconstrução que o Rolé dos Favelados acontece desde 2016. Criador da iniciativa, Cosme Vinicius Felippsen, de 35 anos, guia turistas pelos morros do Rio de Janeiro. Enquanto os cursos tradicionais de turismo orientam o não posicionamento político, o Rolé dos Favelados se reconhece enquanto progressista e de esquerda. Marielle Franco, assassinada em 2018, já fez o tour e costumava divulgá-lo.

Cosme e grupo de visitantes
Cosme e grupo de visitantes Crédito: Arquivo Pessoal

Cosme começou no ramo aos 8 anos, sem nem saber direito o que estava fazendo. “Dois estrangeiros me pediram para eu guiá-los pelos becos do Morro da Providência e me deram um picolé no final”, lembra.

“O Rolé é para quem quer problematizar questões sociais. Durante o passeio, eu incomodo, questiono o que é favela, provoco reflexões. Ninguém vai somente para subir, ver uma bela paisagem e beber caipirinha”, explica Cosme.

Quando esteve em Salvador, em 2018, Cosme e o comunicador Paulo Almeida se juntaram para promover uma edição especial do Rolé dos Favelados no Bairro da Paz. O episódio somou-se a diversas iniciativas na cidade e no estado.

Salvador, Bahia

Rede Batuc, criada em 2019, reúne iniciativas voltadas para o turismo comunitário na Bahia. Ao todo, são 24 opções de roteiros na capital e no interior. Alguns deles são: tour na região do Uruguai e Massaranduba, tour gastronômico de preparo de pratos da culinária baiana, vivência em uma aldeia pataxó de Porto Seguro e visita a quilombos onde acontece a produção de ostras de mangue e azeite de dendê.

Para Alberto Viana, turismólogo, pesquisador e membro da comissão estadual da Rede Batuc, a geração de renda para a comunidade local é um dos principais pilares do turismo comunitário ou de base comunitária, que prevê que o lucro não seja inteiramente destinado às grandes empresas. “É um instrumento de geração de trabalho e renda que complementa as atividades principais que o coletivo já realiza, seja agricultura familiar, pesca artesanal ou mariscagem, por exemplo”, defende.

Turismo comunitário promovido pela Rede Batuc
Turismo comunitário promovido pela Rede Batuc Crédito: Divulgação/Rede Batuc

Bahia Guide Service (BGS) surgiu em 2020, com uma proposta parecida, focado em tour privativos e customizados. Há roteiros clássicos, de praias, esportivos e os culturais, que são os principais. “O passeio cultural de dia inteiro visitando a Cidade Baixa e a Cidade Alta é o mais procurado, mas temos observado uma crescente demanda pelos tours de experiências relacionadas à cultura afro-brasileira", conta Gabriela Parnetti, guia de turismo e uma das sócias do BGS.

Alguns desses tour são as aulas de percussão e de preparo de moqueca e a visita a um terreiro de candomblé. “O público é composto por estrangeiros, mas também brasileiros. Para a nossa surpresa, os brasileiros se encantaram por essa modalidade de turismo”, acrescenta Gabriela.

Gabriela Benetti e os demais sócios do BGS
Gabriela Parnetti (terceira da esquerda para a direita) e os demais sócios do BGS Crédito: Divulgação/BGS