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Carolina Cerqueira
Publicado em 23 de março de 2025 às 05:00
O filme ‘Branca de Neve’, que chegou aos cinemas esta semana, entra para a lista dos live-actions da Disney que trazem uma nova perspectiva sobre os contos de fadas dos irmãos Grimm. Na onda da busca pela aproximação com a realidade, as vilãs estão ficando menos más e ganhando mais camadas de complexidade e mais protagonismo. >
Malévola, a vilã da Bela Adormecida, ganhou um filme próprio em 2014. Cruella, dos 101 Dálmatas, teve o filme lançado em 2021. No recente Wicked, a Bruxa Má do Oeste teve sua história contada e mostrou que a mulher tida como má foi ridicularizada por colegas durante a infância e rejeitada pelo pai.>
Para a bacharela e licenciada em História e doutora em Educação Olívia Tavares, que tem pesquisas sobre vilãs, o cenário mostra um enfraquecimento da dualidade bem versus mal e a humanização dos personagens das histórias. “A percepção é de que há um embaralhamento de posições de sujeito dessas personagens; ninguém é totalmente bom ou mau.”>
“Essas vilãs ganham espaço para que suas histórias também sejam contadas e as pessoas consigam entender as motivações que levaram elas a terem certas atitudes consideradas como más”, coloca a mestra em Letras, Literatura, Sociedade e Interartes pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná Camila Rossoni.>
Ela lembra que, nos contos de fadas originais, as mulheres representadas como vilãs seguiam um padrão. “Viviam isoladas e eram aquelas que não casaram ou que tinham comportamentos que as colocavam como bruxas”, pondera Camila. >
Papel moral >
Isso porque os contos, que eram originalmente histórias disseminadas oralmente e depois chegaram aos livros e salas de cinema, tinham um papel moral fortemente demarcado frente à sociedade. “Eles eram feitos para que as crianças aprendessem moral e bons costumes, que seguissem o que a sociedade esperava delas. O papel do homem era salvar e ser o herói. O papel da mulher era casar e, se não seguisse isso, era a vilã da história”, explica a pesquisadora. >
Olívia Tavares acrescenta que o cenário atual é diferente e os filmes acompanham essas mudanças. “Os contos de fadas são histórias vivas e que vão se adaptando à cada contexto histórico. Eles ainda trazem lições de moral, mas lições diferentes das de 1937 quando foi criado o primeiro filme da Disney”, coloca. >
No século 21, a lição da vez é o empoderamento feminino. Moana é uma personagem forte e corajosa que enfrenta desafios. No filme Valente, Merida deveria casar-se com o cavalheiro que conseguisse a sua mão durante um torneio, mas escolhe seguir o próprio caminho. No filme Encanto, Mirabel tem um papel de destaque e é a salvação de uma família ameaçada. >
“Eu trabalho com uma virada social. Quando os contos surgem, em meio à ideia de modernidade no contexto industrial, a mulher era responsável pela casa enquanto os homens trabalhavam. Na pós-modernidade, há uma pluralidade. As mulheres podem trabalhar e estudar e podem não ter filhos e não casar”, contextualiza Olívia. >
Vilãs queridinhas >
Na virada social, com as ‘boazinhas’ empoderadas e as ‘más’ humanizadas, as vilãs também ganham fãs. Para Olívia, a escolha das atrizes para esses papéis é fundamental. “São divas do cinema, consagradas, que têm um marcador diferenciado”, diz a pesquisadora, que destaca o papel de Angelina Jolie como Malévola. >
Mas a questão de gênero também entra na conta. “A indústria cinematográfica é calcada na juventude, em quem está no auge. As atrizes que fazem as vilãs já não servem para fazer as mocinhas e princesas. A vilania já não é mais marcada pelo feio, mas continua marcada por essa passagem de uma mulher que não é mais jovem”, completa. >
No filme Espelho, Espelho Meu, quem faz a vilã é a atriz Julia Roberts, que também protagonizou o icônico Uma Linda Mulher. “Na época do lançamento, em 2012, o diretor Tarsem Singh disse que queria contar o que acontece com aquela mocinha do filme Uma Linda Mulher, queria mostrar essa vivência depois dos 40”, lembra Olívia. >
A pesquisadora conecta o fato à pesquisa que fez no doutorado sobre o filme Cinderela, de 2015. A partir da discussão sobre a vilã da história, a madrasta, Olívia destacou três fatores: competição feminina, preocupação exacerbada em ser bela e desejo de ser amada. >
“Ou seja, a gente percebe uma vaidade dessa personagem, uma competição com a mulher mais nova. É uma vilã humana, mulher. Você olha para o filme e vê que ela não é má, ela está ali com suas vivências, querendo viver sua vida”, finaliza a pesquisadora.>
No filme Branca de Neve, a beleza da enteada desperta a inveja da madrasta, nomeada como Rainha Má. A personagem é interpretada pela atriz Gal Gadot, conhecida por papéis de heroína em filmes produções como Mulher-Maravilha, Velozes e Furiosos e Alerta Vermelho.>