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Carolina Cerqueira
Publicado em 2 de fevereiro de 2025 às 05:00
A ideia inicial daquela produção audiovisual era contar as agruras de estudantes negros de medicina no Brasil. Mas, num mundo já cheio de narrativas sobre os obstáculos, a diretora e roteirista Mariana Jaspe encontrou um outro ponto de vista para a história. O protagonismo ficou com o encontro metafórico da historiadora Mayara Santos com Maria Odília Teixeira, a primeira médica negra do Brasil. >
Com essa narrativa, o documentário “Quem é essa mulher?” foi premiado em dezembro de 2024 pelo Júri Popular na 19ª edição do Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro e reconhecido como “Melhor Longa Sob o Céu Nordestino”. Assim como Maria Odília, Mariana Jaspe, que tem 38 anos, é mulher, negra e baiana. Do bairro de Brotas, em Salvador, para o mundo, ela acumula peças, filmes, documentários e o posto de diretora e roteirista da Rede Globo. >
De 2018, quando chegou à empresa, para cá, participou de projetos como a adaptação de “Um Defeito de Cor”, o programa “Conversa com Bial”, o especial "Falas Negras 2024" e a série documental “Flordelis: Questiona ou Adora”. Este último, por ter sido o primeiro do qual participou integralmente, fazendo o roteiro e a direção, tem um lugar especial no coração de Mariana. >
“Eu gosto desse lugar onde o desejo encontra a prática. Hoje eu consigo escrever e dirigir um mesmo projeto e isso é raro na TV. Eu olho para a criança que eu fui e falo ‘Caramba! Eu sou diretora-geral de projetos muito legais na Rede Globo!’”, diz ela. >
O posto pode impressionar mais a família e os amigos, mas a contratação foi só o início da jornada e Mariana não se permite tirar os pés do chão. “Caminhante” é o que responde quando alguém pergunta como ela está. Sempre estudando e trabalhando mais e mais, apesar de ter encontrado o lugar que lhe interessa: aquele no qual consegue contar histórias com um olhar próprio sobre o mundo. >
Ela sabe que o caminho para uma mulher negra nordestina não é fácil, mas escolhe todos os dias colocar paixões e realizações como novas perspectivas sobre as dores. “A força com a qual eu sigo desenvolvendo os meus projetos é o que me permite contar as histórias que eu acredito da forma como eu acredito”, destaca. >
Cinema >
A estreia de Mariana no cinema foi com o curta-metragem “Carne”, primeiro filme de terror escrito e dirigido por uma mulher negra no Brasil. Protagonizado por um casal negro, foi selecionado para mais de 35 festivais, entre brasileiros e internacionais, e vencedor do Prêmio de Melhor Filme pelo Júri Oficial do Festival Audiovisual de Vera Cruz. >
Em 2023, colocou no mundo o segundo filme, chamado “Deixa”. Protagonizado por Zezé Motta e ainda contando com Dan Ferreira e Jéssica Ellen no elenco, narra a história de uma mulher que vive o último dia da própria liberdade antes do marido sair da prisão. >
As histórias que conta não abandonam aspectos da vida e das crenças da roteirista e diretora. Criada por mãe solo, Mariana nunca estabeleceu uma conexão com o pai. “Quando tinha seis anos, ele me ligou, falou que iria me visitar no próximo sábado... e esse sábado nunca chegou. Com 15 anos, por insistência de minha mãe, finalmente o conheci. Mas ele era um completo desconhecido, não me despertava nenhum sentimento. Eu entendi que minha mãe bastava”, compartilha. >
Conexão com a TV >
Na infância, o sonho não era ser diretora e roteirista. Um vídeo que registra uma atividade dela na escola prova: “Quero ser dentista e dona de loja de parafuso”, diz ela na gravação. Um pouco mais velha, anunciou que queria ser diplomata, faria Direito na Universidade Federal da Bahia. Mas a conexão com a televisão falou mais alto. >
Nas gincanas e feiras da escola, estava sempre filmando, criando vídeos, brincando de apresentar. Em casa, era grande entusiasta das telenovelas e sempre ia ao cinema com a mãe, que a criou sem a presença do pai. Todas as sextas-feiras, alugava três a quatro filmes na locadora para o final de semana. Mariana entendeu qual era o sonho, o agarrou para si e o fez caminhante. >
Aos 18 anos, foi para Recife fazer faculdade de Rádio e TV na Universidade de Pernambuco. “Queria um estágio, então peguei uma lista telefônica e fui ligando. Quando liguei para a Rede TV, Jorge Oliveira atendeu e disse que precisava de um estagiário e que era para eu ir lá no dia seguinte”, lembra Mariana. Foi assim que ela conseguiu o emprego. Depois do curso, foi para Madrid, na Espanha. Fez uma especialização seguida de um mestrado e trabalhou na Record Espanha. >
Colocou os pés no chão novamente e voltou ao Brasil para o trabalho de formiguinha de construção de carreira. No Rio de Janeiro, fez um curso de direção de cinema e uma oficina de roteiristas da Rede Globo, na qual obteve destaque e serviu como porta de entrada para a emissora. >
Atualmente, Mariana está entre o Rio de Janeiro e São Paulo e carrega consigo todos os lugares por onde passou e, claro, o lugar onde nasceu. A cada jornada, uma nova maneira de ver o mundo é transferida para os audiovisuais que produz. O próximo projeto é uma série documental que criou, escreveu e está dirigindo para o Globoplay. >
O audiovisual no forno falará sobre a G Magazine, uma revista voltada para o público homossexual com conteúdos de nudez masculina. A marca, iniciada em 1997, foi descontinuada em 2013, mas será relançada em 2025 em formato digital. >
Carne (2018) - Itaú Play | No curta-metragem de terror, em uma noite de verão, um jovem casal negro tem uma acalorada discussão na piscina. Quando um deles entra na casa, o outro é surpreendido por Àmân, uma figura misteriosa com apetite voraz. >
Deixa (2023) – Entra este mês no Itaú Play | No filme, Carmen é uma mulher que vive o último dia de liberdade antes do marido voltar da prisão. >
Flordelis: Questiona ou Adora (2022) – Globoplay | A série documental conta a história de Flordelis, estrela gospel e deputada federal, que tem sua trajetória interrompida após o assassinato do marido. >
Resistência Negra (2023) – Globoplay | A série documental de cinco episódios faz um mergulho na história da resistência negra e do movimento negro brasileiro desde a chegada dos primeiros negros sequestrados de África até os dias atuais. >
O documentário "Quem é essa mulher?", sobre a primeira médica negra do Brasil, a baiana Maria Odília, formada pela Ufba, rendeu a criação de um memorial em Salvador. O Memorial Maria Odília é uma exposição permanente, aberta à visitação gratuita, que fica na Escola de Saúde Pública de Salvador (ESPS), Rua Miguel Calmon, nº 75, Comércio. >
O equipamento vinculado à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) foi inaugurado pela Prefeitura de Salvador em 15 de dezembro de 2023, 114 anos após Maria Odília formar-se no curso de Medicina.>
A visitação acontece de segunda à sexta, das 8h às 16h30. >