Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Priscila Natividade
Publicado em 18 de maio de 2024 às 11:00
Uma fazenda sustentável que nasceu de uma propriedade totalmente voltada à pecuária leiteira. O gado e as pastagens passaram a fazer parte de um sistema integrado ao cultivo de mudas de centenas de espécies que atendem, principalmente, a iniciativas de reflorestamento e de recuperação de áreas devastadas. São mudas de juçara, açaí, cacau, jequitibá e ipês que devem dobrar a produção da Fazenda Anauá nos próximos dois anos.>
Essa é a semente que o agricultor Hudson Freire Laviola Filho, de 35 anos, vem plantando ao transformar a fazenda de 100 hectares da família em uma das propriedades mais sustentáveis do país. A aposta está na agrofloresta e no melhoramento e manutenção dos recursos e da biodiversidade, cuidados com o solo, água e os animais. >
“Além do viveiro com foco em produção de mudas nativas diversas para projetos de restauração florestal e agroflorestas, iniciamos a recuperação de áreas da propriedade e desenvolvimentos de pesquisas em agrofloresta integrada com atenção especial às espécies nativas. A escolha pela produção de mudas veio com essa necessidade de regeneração florestal, alinhada à manutenção das poucas áreas preservadas em nosso território”, afirma. >
Localizada no município de Caravelas, no sul da Bahia, desde 2011, a Fazenda Anauá, após 30 anos, redirecionou o eixo das atividades para se dedicar a produção de 2,5 milhões de mudas por ano. Quando tudo começou, eram 300 unidades. Desde então, o gado e as pastagens passaram a compor um sistema que inclui também a parceria com produtores locais no cultivo de frutíferas, como melancia, mamão e café, além de pesquisas para o desenvolvimento de outras microculturas. >
Se ‘anauá’ vem do tupi que significa ‘árvore florida’, Hudson conta que uma das únicas árvores antigas próximas de onde seria mais tarde o viveiro de mudas, não por coincidência, era um ipê-amarelo. “Esta e outras árvores nasceram e vão nascer para florescer. Uma fazenda sustentável é um alinhamento econômico, social e ambiental. Seus valores vão além da produtividade”.>
Com um modelo de produção que atende principalmente a empresas do mercado de carbono, a fazenda dispensa o uso de plásticos na produção de mudas com a adoção de uma embalagem biodegradável, feita de fibra de celulose e importada da Dinamarca. A Anauá é livre de uso de pesticidas químicos e utiliza tecnologias renováveis para produção de eletricidade e captação de água da chuva. Cerca de 80% do recurso utilizado na irrigação do viveiro vem do bombeamento proveniente de energia eólica. Como funciona uma fazenda sustentável que produz mudas para agroflorestas? Leia mais na entrevista. >
O que levou a Anauá a se tornar uma fazenda sustentável e como você plantou essa semente? >
Eu já tenho uma matriz forte porque eu fui criado em zona rural, passei os primeiros anos de vida aqui e sempre tive o pé na roça. No momento de universidade, quando comecei o curso de biologia, isso me trouxe muito para essa onda da riqueza natural, principalmente, no país que a gente vive, com toda essa diversidade. Então, eu decidi voltar para a roça e já vim com essa vontade de uma produção em harmonia com a natureza, o resgate e o reconhecimento das espécies locais. Esse fascínio só foi aumentando até o nascimento do viveiro e a integração com sistemas sustentáveis, um caminho que meu pai já vinha fazendo há mais tempo com a pecuária leiteira e hoje também com sistemas produtivos com o foco em cacau, juçara e espécies arbóreas nativas. >
Como funciona uma fazenda de mudas para agroflorestas e o que essa cultura difere das outras? >
Na verdade, o foco da produção do viveiro são espécies nativas para recuperação ambiental, mas também produzimos sob demanda espécies nativas madeiráveis, frutíferas e essências para arranjos agroflorestais como a juçara, açaí, cacau, jequitibás, ipês. Já nossas áreas internas de agrofloresta abrangem essas e outras espécies na integração com pastagens. Uma fazenda de mudas nativas se difere de uma fazenda comum, principalmente pela diversidade cultural. Como já praticamos centenas de espécies e rotineiramente estamos descobrindo novas, existe uma complexidade e necessidade de estudo maior nesse sentido. >
No último ano, a Anauá conquistou o Prêmio Fazenda Sustentável na categoria pequenas propriedades, pela Globo Rural [Prêmio Fazenda Sustentável, da Editora Abril, que reconhece boas práticas sociais, ambientais e de governança de propriedades rurais brasileiras]. Como você chegou até essa transformação dentro de uma fazenda que se dedicou por 30 anos a produção leiteira?>
O Anauá nasceu em 2011, dentro de uma fazenda da família que há mais de 30 anos era voltada a pecuária leiteira, mas já tinha práticas sustentáveis nesse setor como, por exemplo, o uso de produtos homeopáticos e a rotação de pastagens. Toda essa fusão e reintegração no meu retorno para a propriedade, a junção com o meu pai – que também se chama Hudson – tem prosperado e, cada vez, vem fazendo mais sentido para nós. Meu pai hoje é um pecuarista agricultor floresteiro, assim como minha mãe. Apesar de ser um modelo um pouco diferente do meu, a gente acabou unindo a expertise do que ele tinha conquistado até aqui – não somente na propriedade, mas no histórico da vida dele – com as ideias que eu trouxe. >
Quais os desafios desse processo de integração? >
Claro que quando você está propondo algo novo, uma realidade nova, passa por uma diversidade de desafios porque tem também essa questão dos erros e acertos. Porém, a integração dá essa oportunidade, não só de melhorar ambientalmente as qualidades estruturais de solo, o resgate de fauna, da vida, da ecologia, mas de proporcionar diversidade em uma propriedade nossa que possa se sustentar e ser realmente sustentável. >
Essa transição vem acontecendo. Na verdade, não somente a transição, mas a integração. Ainda temos atividade na área de pastagem, mas o grande foco da propriedade está no viveiro, na produção escalonada de mudas nativas. Há sempre uma sincronia e uma integração de todas essas atividades. Estamos juntos em todas as atividades e isso acabou puxando meu pai para a energia do viveiro. Temos um pequeno longo caminho pela frente. >
Hudson Anauá
agricultorDe que maneira você enxerga o potencial desse tipo de cultura, sobretudo, na Bahia? >
Agroflorestas biodiversas com integração de espécies nativas e práticas agroecológicas podem resgatar e acelerar os processos de regeneração garantindo qualidade de vida e estabilidade econômica. Um agricultor agroflorestal não se separa ou difere do agronegócio. A integração já não é somente uma realidade, mas uma necessidade diante das mudanças climáticas. Estamos em uma das maiores áreas de biodiversidade do planeta, altamente ameaçadas pelo mau uso do solo. Nesse momento, o mercado de captura de carbono em áreas degradadas tem efetuado os maiores plantios em escala de espécies nativas voltadas a recuperação de áreas degradadas. Nos últimos anos, triplicamos a nossa capacidade produtiva. Quando começamos foi um grande desafio porque as empresas buscavam as mudas apenas para atender demandas de fiscalização. Agora temos um novo cenário, que nos levou a ampliar nossa capacidade, desenvolver parcerias, inclusive, com instituições estrangeiras, principalmente em Moçambique. >
Quais os avanços e inovações você destaca também? >
Já temos hoje uma produção de mudas baseada em embalagens biodegradáveis, fomentando o uso dessa tecnologia em todo o Brasil pela nossa representação. O viveiro foi um dos pioneiros a trazer uma tecnologia dinamarquesa em que a base da embalagem das mudas é de fibra de celulose. O paperPot, da Ellepot, dispensa o uso de plástico. Toda essa tecnologia, aliada às técnicas de manejo aplicadas na produção interna do viveiro com estufas automatizadas, reforça esses avanços. Estamos também na Amazônia entrando com a bandeira Anauá, trabalhando com a expectativa de ampliar esse know-how associado a toda tecnologia integrada ao nosso viveiro. >
Quais são os próximos planos da fazenda quanto a integração de novos sistemas produtivos?>
Existe um plano de médio a longo prazo em montar um laticínio que irá produzir leite e iogurte orgânicos. Antes de 2010, a fazenda já foi bem ativa na questão da produção leiteira chegando a tirar cerca de 750 a 1 mil litros de leite por dia. Meu pai trabalhava com leite orgânico mesmo sem essa certificação. Então, esse sonho é mais antigo, mas teve que ser postergado até pelo nosso foco no aumento da produtividade do viveiro. Porém, ele ainda existe. A gente tem a parte de estrutura quase toda pronta. Só precisamos equipar com alguns materiais para poder realizar esse sonho do laticínio. A ideia é que ele também esteja todo integrado com alguns produtos agroflorestais como o chocolate do cacau que estamos colhendo. >
Hudson Anauá
agricultorÉ mesmo possível ter rentabilidade com respeito à natureza? Como fazer isso na prática? >
Mais que possível é necessário neste momento planetário que estamos atravessando. Na prática, ainda temos muito que resgatar de conhecimento das riquezas que naturalmente são de nosso território. Além de desenvolvimento e pesquisa, necessitamos de apoio da sociedade para acelerarmos e tornar cada vez mais possível e real para mais produtores. Não temos muito tempo para isso, o clima está nos mostrando. É urgente.>
Hudson Filho é sócio-proprietário do Viveiro Anauá. Produz mudas nativas há 10 anos e é consultor em reflorestamento, sistemas agroflorestais e recursos hídricos. Ele atua ainda na capacitação de temas ligados a coleta de sementes, construção de viveiros e produção de espécies nativas, voltada para aldeias, comunidades rurais, agricultores e estudantes, em regiões do Brasil e também na África, em Moçambique.>
O III ESG Fórum Salvador, que acontece em Salvador na próxima semana, dias 22 e 23 de maio, é um projeto realizado pelo Jornal Correio e Site Alô Alô Bahia com o patrocínio da Acelen, Alba Seguradora, Bracell, Contermas, Grupo Luiz Mendonça - Bravo Caminhões e Ônibus e AuraBrasil, Instituto Mandarina, Jacobina Mineração - Pan American Silver, Moura Dubeux, OR, Salvador Bahia Airport, Suzano, Tronox e Unipar; apoio da BYD | Parvi, Claro, Larco Petróleo, Salvador Shopping, SESC, SENAC e Wilson Sons; apoio institucional do Sebrae e Prefeitura Municipal de Salvador e parceria do Fera Palace, Hiperideal, Hike, Ticket Maker, Uranus2, Vini Figueira Gastronomia e Zum Brazil Eventos. >