Como o TikTok está mudando a forma de fazer e tomar café

Cresce demanda por cafés especiais e utensílios para preparo

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 17 de agosto de 2024 às 05:00

Iana Joaquina ganhou dos amigos um moedor e entrou para o time dos coffee lovers
Iana Joaquina ganhou dos amigos um moedor e entrou para o time dos coffee lovers Crédito: Marina Silva/CORREIO

A leitura desta reportagem harmoniza perfeitamente com um cafezinho. Enquanto alguns leitores misturam rapidamente a água quente com o pó mais barato que encontram no mercado, outros fazem um verdadeiro ritual. É preciso escolher o grão ideal e o melhor utensílio para moê-lo e, só então, adicionar a água. Isso enquanto contemplam os aromas liberados. Tudo com calma, em nome da experiência.

Esta é a palavrinha mágica de quem tem um restaurante, bar, cafeteria ou qualquer outro estabelecimento que permite o consumo de alimentos no local e busca modernização. É em nome da experiência que, ao pedir um café, o cliente, possivelmente, vai receber uma xícara e uma cafeteira e irá, ele mesmo, passar o próprio café. Enquanto uma parcela acha absurdo pagar mais caro para ainda ter trabalho, outra aprova e se propõe a desfrutar dos momentos instagramáveis.

O termo, que originou-se fazendo referência à plataforma Instagram e difundindo a demanda por ambiente e decoração ideais para uma boa foto, já está até ultrapassado. A demanda é maior no TikTok e preza por experiências ideais para um bom vídeo. Nesta rede social, a hashtag “Coffee” tem mais de 4,8 milhões de vídeos.

Um deles ensina a fazer café cremoso, outro a fazer em casa um café gourmet digno de ser servido em uma cafeteria. Já os do ator e criador de conteúdo Franklin Medrado, de 38 anos, que tem 3 milhões de seguidores na rede, são recheados de humor. Em um deles, com um milhão de visualizações, Franklin fala sobre “a vida de quem aprecia café”, mostrando situações embaraçosas de quem passou a rejeitar cafés “normais”.

Apesar de ser ator, o papel que interpreta é dele mesmo. “Eu zombava desta galera há alguns meses, mas, em janeiro, passei a tirar o açúcar do café e sinto que foi um caminho sem volta. Me falaram que, para eu gostar, precisaria buscar um café de qualidade. Foi uma bola de neve. Comecei a experimentar diferentes tipos e fazer vídeos sobre isso. O público adora, tem muito apelo entre os seguidores”, conta.

Franklin abandonou os cafés baratos de mercado e adotou primeiro os cafés gourmets, chegando depois aos especiais. “É um outro mundo que se abre. Ainda não cheguei na pira de escolher a água específica para cada café, mas nem vou zombar porque vai que eu chego nesse ponto”, completa ele, rindo.

Diferentes tipos

O curador e especialista em cafés especiais Norman Coelho explica as diferentes categorias do grão. Numa pirâmide de classificação, na base está o café tradicional, depois vem o superior, em seguida o gourmet e, por fim, o especial. Para esta última posição, é preciso atingir uma nota superior a 80, numa escala até 100, que seria a nota máxima, inalcançável, concedida ao produto perfeito.

“Os tradicionais e superiores têm defeitos, como adstringência elevada e impurezas. Aí você precisa beber quente e com açúcar para não ficar ruim. Os gourmets não têm atributos negativos, geram bebidas limpas, mas também não têm atributos positivos relevantes”, coloca.

“Já os especiais têm, além da ausência de defeitos, conservação dos sabores naturais do fruto e são bem avaliados nos quesitos acidez, doçura e aroma, por exemplo”, acrescenta Norman. A barista e especialista em cafés especiais Sara Carvalho complementa que a categoria especial só foi incluída em 2023 na régua de classificação da Associação Brasileira de Indústria de Café (Abic).

As espécies de café mais cultivadas no Brasil são arábica e conilon
As espécies de café mais cultivadas no Brasil são arábica e conilon Crédito: Marina Silva/CORREIO

Na moda

Apesar da inclusão da categoria somente no ano passado, Norman Coelho destaca que a demanda por cafés de alta qualidade explodiu no Brasil entre 2012 e 2014, com foco nas regiões Sul e Sudeste, incentivando a abertura de cafeterias especializadas. “Agora, o que vemos é esse movimento chegando em outros locais do país, como Salvador, e saindo do nicho de público. As redes sociais têm papel fundamental nisso”, diz.

Para o especialista, vive-se uma mudança de cultura de consumo. Enquanto antes o café era consumido com foco na aquisição da cafeína, para se manter acordado e produtivo no trabalho ou nos estudos, agora o foco está na apreciação. “É uma associação com um estilo de vida, na lógica do slow food, que preza pela preparação dos alimentos em casa e o consumo sem pressa. Essa onda começou com a comida e agora chegou ao café”, analisa.

Para os chamados coffee lovers, portanto, os grãos de qualidade não são suficientes. Para um preparo digno de um vídeo no TikTok, é preciso ter as ferramentas certas. De acordo com o aplicativo e site de vendas online Shopee, no último ano, as vendas de coadores e cafeteiras cresceram 90%. No recorte Bahia, o aumento foi de 100%.

Coffee lovers

Os colegas de trabalho da designer de produtos Iana Joaquina, de 27 anos, ajudaram a movimentar esse mercado. Há três anos, ela recebeu de presente de aniversário deles um moedor e um quilo de café em grãos. Ela, que só tomava café com açúcar e leite, passou, a partir daquele momento, a mudar a forma de consumo.

Coffee lovers reservam cerca de 30 minutos do dia para preparo do café
Coffee lovers reservam cerca de 30 minutos do dia para preparo do café Crédito: Marina Silva/CORREIO

“Comecei a pesquisar e fui querendo estudar cada vez mais sobre café e provar cafés diferentes. Hoje, durante a semana, por conta da correria, eu tomo o café gourmet que compro no mercado já moído. Mas quando eu tenho mais tempo, peso os grãos especiais que compro pela internet, passo no moedor elétrico, fervo a água e coo com filtro de papel o café fresquinho que eu gosto”, compartilha Iana.

Segundo Norman Coelho, é mais fácil encontrar grãos de cafés especiais pela internet porque a produção é feita por demanda para preservar o frescor do grão. Não é a mesma lógica das prateleiras de supermercados. É comum encontrar, inclusive, sites de vendas nos quais os clientes podem fazer a assinatura e receber, uma vez ao mês, o produto em casa, selecionando o plano de acordo com o tipo de moagem e a quantidade.

Ele também é coffee lover e, assim como Iana, prepara o café em casa. Ele diz reservar cerca de 30 minutos por dia para o ritual da bebida. “Faço a moagem manualmente, espero a água chegar na temperatura ideal (por volta de 95 ºC), faço a extração do café filtrado e espero o café ficar na temperatura amena, enquanto curto os aromas. Só vou beber depois de deixá-lo esfriando por uns sete minutos para que a temperatura não me impeça de sentir os sabores e vou bebendo com calma”, conta.

Confira matéria com itens do kit iniciante
Confira na reportagem os itens para o kit iniciante. Alguns estão à venda na cafeteria Garimpo da Barista Crédito: Marina Silva/CORREIO

Os melhores cafés, garantem os especialistas Norman e Sara, são os moídos na hora. Por isso, para quem quer mais qualidade, a recomendação é a compra dos grãos. Na reação em cadeia, é preciso adquirir um kit de utensílios adequados. Prepare o bolso porque os itens não são baratinhos.

Café baiano

Sara ainda explica a importância dos grãos de café de alta qualidade. "Os especiais mais baratos custam, em média, R$ 50 o pacote com 250 gramas. Mas é possível encontrar valores de até R$ 150 o pacote com 150 gramas”, compartilha a especialista.

Para o mercado de cafés especiais, é essencial a transparência com as informações sobre a produção: onde é produzido, quem são os responsáveis, se é ou não sustentável. Nesta área de investimento, o Brasil e a Bahia ganham destaque com o café.

No país, em 2023, foram 2,2 bilhões de quilos de café exportados, gerando um faturamento de oito bilhões de dólares. Os maiores compradores do café brasileiro foram EUA, com 340 milhões de quilos, seguido da Alemanha, com 306 milhões, de acordo com dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).

Para 2024, a previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de 58,81 milhões de sacas beneficiadas em todo o país. A Bahia deve ficar com 3,56 milhões destas, ocupando o quarto lugar do ranking do país (superada por Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, respectivamente).

Cafés de Piatã, na Bahia, estão entre os melhores do mundo
Cafés de Piatã, na Bahia, estão entre os melhores do mundo Crédito: Marina Silva/CORREIO

Segundo Norman Coelho, a Bahia tem excelentes áreas de produção e resultados satisfatórios, inclusive, em concursos e prêmios. A região da Chapada Diamantina é referência para os cafés de alta qualidade, assim como o Planalto de Vitória da Conquista. Os tipos de café mais produzidos por aqui são arábica e conilon.

“Arábica e canephora são espécies de grãos. O conilon é uma variedade da espécie canephora. Os cafés especiais, em geral, são da espécie arábica, que é mais sensível e necessita de temperaturas mais baixas e latitudes mais elevadas. O produto costuma ser mais apreciado e mais caro, já que a produção tem custo elevado”, explica o especialista.

De Piatã, na Chapada, saem alguns dos produtos de mais qualidade e sucesso da Bahia nas competições internacionais. Lá, a 1.400 metros de altitude, é produzido o Café Boninal. Toda a produção é do tipo arábica, tanto de gourmets quanto de especiais. O principal local de vendas é Salvador, mas os produtos são enviados para cidades do interior da Bahia e para estados como Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Ceará e Rio Grande do Sul.

O público é formado, majoritariamente, por mulheres das classes A e B, em torno dos 35 anos. Segundo o mestre de torra e avaliador de cafés Bruno Silva, de 44 anos, dono do Café Boninal, desde a criação da marca, em 2017, as vendas de cafés especiais aumentaram em torno de 40%.

“É um aumento muito significativo. Os cafés especiais são os queridinhos agora. Só quem não quer é quem nunca experimentou, seja pela falta de oportunidade ou pela limitação financeira mesmo. Mas, de um modo geral, as pessoas estão sendo mais seletivas, acho que elas estão aprendendo a tomar café, na verdade”, analisa o empresário.

2ª edição da Feira Baiana de Cafés Especiais

O que: degustação, presença de produtores, workshops, cursos, palestras

Quando: 17 e 18 de agosto, das 13h às 20h

Onde: Doca 1, Comércio - Salvador

Ingressos: a partir de R$20, pelo link na bio do Instagram @feirabaianadecafesespeciais ou na bilheteria do local nos dias de evento