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Chef, fotógrafa, artista e 'cebola': a história da mulher que mudou a cara do verão

Fundadora do Preta, Angeluci Figueiredo ignorou quem dizia que o projeto não daria certo

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 18 de janeiro de 2025 às 02:00

A chef e fotógrafa Angeluci Figueiredo
A chef e fotógrafa Angeluci Figueiredo Crédito: Divulgação

As primeiras reações, quando anunciou que pretendia abrir um restaurante em uma ilha, no início da década passada, foram de descrença. "Diziam que eu era louca. Todo mundo achava. Mas eu nunca desisti", lembra a chef Angeluci Figueiredo, o nome por trás dos restaurantes Preta (hoje na Ilha dos Frades, no Museu de Arte Contemporânea e no Palacete Tira-Chapéu). Usar apenas ‘chef’ para descrevê-la parece injusto. Angeluci é também empresária, fotógrafa, artista e bacharel em filosofia.

"Cheia de camadas", define-se. A timidez que aparece sempre que precisa estar no centro das atenções não esconde a conquista: Angeluci é "a" Preta - a mulher que mudou a cara da gastronomia baiana no verão, com uma estética e pratos típicos do mar. Desde a fundação do primeiro restaurante - na Ilha de Maré, hoje fechado -, em 2011, até a inauguração oficial do Preta Tira Chapéu, em dezembro, a culinária dela se tornou um dos símbolos da estação em Salvador. "Diziam: como você vai montar um restaurante em uma ilha, se você não sabe nem nadar? Hoje, eu sei nadar, tenho carteira (de habilitação náutica) e navego a qualquer hora. Não tenho medo nenhum do mar", acrescenta.

Se o Preta - e, consequentemente, Angeluci, que agora é mais reconhecida como Preta do que pelo nome de batismo - já fala por si, era difícil imaginar isso, quando teve o esboço da ideia. Era fevereiro de 2011 e a então repórter fotográfica do caderno Bazar&Cia, que integrava o CORREIO, tinha sido pautada para uma reportagem com a editora Paula Magalhães. Fariam uma rota gastronômica pela Baía de Todos os Santos, mostrando as possibilidades de restaurante da região.

Na época, Angeluci sentiu que, ali, havia uma carência. Nenhuma das opções lhe pareceu muito legal, especialmente quando pensava sobre as marinas. Viu uma oportunidade. "Paula disse que eu ia ficar rica. Cadê, Paula, que eu ainda não fiquei rica?", brinca, em entrevista no último dia 7, no Tira-Chapéu. A reportagem foi publicada em 20 de fevereiro daquele ano, mas o principal feito viria depois.

Os meses seguintes foram de busca de local, compra de imóvel, decoração e criação de cardápio. Como boa parte do investimento foi para montar a cozinha, o mobiliário foi praticamente todo reformado por ela. Angeluci sempre gostou de reaproveitamento: transformava cadeira quebrada em um item único, resgatava móveis de amigos e pegava até barcos encalhados em São Joaquim. "O restaurante todo é de fragmentos de várias histórias".

Em dezembro daquele ano, o primeiro Preta abria as portas. Mas o dia 1 foi um fiasco. "Ninguém apareceu, só a família, que dizia que não ia dar certo. Ficou todo mundo naquele silêncio. Parecia mais um funeral do que abertura de restaurante. Mas, depois, começou a pegar". O boca a boca cresceu e a própria Angeluci, que conhecia muita gente, foi seu marketing. Na época, além do Bazar, era fotógrafa da coluna social. Dizia que tinha ‘um restaurante no fim do mundo’ e indagava se as pessoas não queriam conhecer. Aos poucos, os clientes começaram a aparecer mesmo.

"Meu restaurante é simples, mas se você quiser tomar um suco de tangerina, vai tomar. Se quiser um champanhe, vai ter isso. Mas meu trabalho não é solo. É um trabalho de equipe, com diversas pessoas da comunidade da ilha".

O Preta da Ilha dos Frades é conhecido pelo ambiente acolhedor e charmoso
O Preta da Ilha dos Frades é conhecido pelo ambiente acolhedor e charmoso Crédito: Divulgação

Referências

Apesar de ter nascido em Salvador, Angeluci cresceu em Amargosa, em uma casa com quatro irmãos - a maioria com nomes começando com ‘Angel’, em homenagem à mãe, Angélica. Cada dia, um ficava responsável por fazer a comida. "Nunca vi uma comida tão ruim". Isso fez com que passasse a pesquisar em livros - na época, não havia internet e Angeluci morava perto de uma biblioteca - por receitas. Aos 14 anos, já perguntava aos vizinhos por itens interessantes. "Sempre fui ligada à mesa, então eu gostava de ir, no horário de almoço, para a casa das pessoas para saber o que estavam comendo e como era o comportamento delas à mesa".

Nessa época, começou a chamar as pessoas para provar das comidas que criava. Quando ia à feira, se interessava pelos frutos do mar. Se lhe davam dinheiro para comprar três quilos de feijão, levava dois quilos e guardava o resto para itens que pudesse testar nas receitas. Fazia massas e rocamboles e vendia na escola.

Sempre fora movida por paixão, mas, por muito tempo, essas criações eram para si. Angeluci começou a cursar Filosofia na Universidade Católica do Salvador e a trabalhar em uma loja de fotografia. Lá, o ofício para o qual dedicou boa parte de sua vida entrou no caminho de vez. Se tornou fotógrafa e trabalhou para o governo do estado. De lá, foi contratada pelo CORREIO, onde passou 17 anos, até sair definitivamente, em 2018.

Por alguns anos, ainda se dividia entre os dois universos - o jornalismo e a gastronomia. A mesmo tempo, o Preta de Maré crescia. O início foi difícil. Uma das memórias mais fortes dela enquanto ainda lutava para conquistar a clientela é da sofrência do cantor de arrocha Pablo embalando daqueles primeiros anos. "As pessoas na ilha ouviam muito. Eu acordava, almoçava, dormia e acordava de novo ouvindo. Comecei a ficar tão louca que não aguentava mais. Alugava as casas do entorno para que ninguém botasse a música", conta, aos risos.

Ainda que tenha começado como autodidata e com um dom para encontrar os melhores sabores, Angeluci mergulhou em dezenas de cursos de gastronomia. Estudou até na Le Cordon Bleu, uma das maiores redes de culinária internacional, em São Paulo. Ao longo de todos esses anos, teve a chance de cozinhar para muita gente. De presidentes a grandes nomes da música e do entretenimento. Um dos mais marcantes, contudo, foi o chef francês Claude Troigros, que visitou o Preta dos Frades no ano passado. "Ele é muito renomado. Me preparei muito para escolher o que cozinhar", lembra ela, que optou por receitas que incluem quiabo empanado, coco verde e vieiras.

O Preta da Ilha dos Frades é conhecido pelo ambiente acolhedor e charmoso
O Preta da Ilha dos Frades é conhecido pelo ambiente acolhedor e charmoso Crédito: Divulgação

Nova vista

Em 2018, veio uma nova fase. Muita coisa acontecia ao mesmo tempo: os problemas em Maré que fugiam do seu controle, como falta de água e luz; e o fim de um casamento de 11 anos. Naquele ano, recebeu a proposta da Fundação Baía Viva para levar o Preta para a Ilha dos Frades. "Um homem visionário, que não me conhecia, mas acreditou no meu trabalho e me convidou para ir para lá", diz, referindo-se ao empresário Carlos Suarez, um dos criadores da entidade. Foi naquela época que saiu do CORREIO - mas não sem deixar sua marca. No seu último dia, chegou à redação com mais de 60 sonhos de padaria. Distribuiu aos colegas, dizendo que não deixassem seus sonhos pelo caminho.

Quando chegou à nova ilha, era inverno. Chovia muito e pingava água pela casa. Não conhecia nada nem ninguém. Apesar disso, não desistiria. "Depois da tempestade, nada como o verão", lembra. De fato, a estação trouxe o vigor que o novo espaço precisava. Desde então, seu filho, Chico Marrara, se tornou seu braço direito. "Ele é a versão masculina da Preta. Ele cuida da parte administrativa, operacional, de funcionários, da logística".

A pousada Pretoca veio na mesma época, pouco antes da pandemia. São cinco quartos em que a pessoa pode desfrutar da experiência completa nos Frades, de forma personalizada. "Amo esse lado da hospitalidade. Nem divulguei muito a pousada, mas pegou. Ela é para pessoas sem frescura".

Pousada Pretoca
Pousada Pretoca Crédito: Divulgação

Apesar de tudo, ela ainda enfrenta a misoginia e o machismo no ofício. Numa das vezes que voltava com compras de Salvador para os Frades, o marinheiro com quem estava no barco parou no meio do mar. "Ele falou: ‘se vire aí’. Perguntei se tinha acontecido algo, ele respondeu ‘não, se vire aí, que eu quero urinar’. Estava tomando a cerveja dele e eu virei. Esperei ele fazer a necessidade dele e, no percurso, só pensava: Deus, como pode? Se eu fosse homem, ele não faria isso". Angeluci passou 15 dias sem usar os serviços do funcionário. Depois, o demitiu. "Era como se ele dissesse: ‘não posso ser funcionário de uma mulher".

O milkshake de coco verde é um dos destaques do Preta Bistrô
O milkshake de coco verde é um dos destaques do Preta Bistrô Crédito: Divulgação

Continente

O primeiro Preta no continente foi o Bistrô, que fica no museu. Ele provavelmente aconteceu por insistência de Chico, que defendia que a mãe tivesse um restaurante na cidade. Angeluci decidiu participar da licitação e, desde 2023, opera um café. Ele se comprometeu a tocar o espaço, enquanto ela continuava na ilha, onde mora.

Angeluci Figueiredo e o filho, Chico Marrara
Angeluci Figueiredo e o filho, Chico Marrara Crédito: Sérgio Figueiredo/Divulgação

"Se tiver algum problema lá, é para procurar Chico. Pode botar aí", brinca. As receitas são dela, mas a chef não conseguiu implantar tudo que esperava pelos entraves do local. "A cozinha é muito limitada. Falta água", conta. "Não é fácil. Para você ter um restaurante, tem que abrir mão de muitas coisas. Dá certo porque não tenho mais um filho pequeno. Também não conseguiria se tivesse um marido que morasse em Salvador. Hoje, meu parceiro é Chico".

O convite para o Tira-Chapéu partiu do empresário Marcelo Magalhães, que se tornou seu sócio no empreendimento, junto com Chico. O novo restaurante também começou com dúvida. "Eu ficava: meu Deus, devo ou não devo? Não foi de cara não. Teve um dia que ele foi lá (nos Frades) e eu fugi. Arrumei tudo, mas não aparecia. Só perguntava: ‘o homem já foi embora?’. Hoje eu conto isso para ele, que só sabe dar risada".

Os pratos no Preta Tira-Chapéu também têm frutos do mar em destaque
Os pratos no Preta Tira-Chapéu também têm frutos do mar em destaque Crédito: Lucas Assis/Divulgação

O cardápio do Preta, de forma geral, tem influências de sua história. Da banana da terra, da tapioca, do coco e do requeijão de corte de Amargosa. Os nomes dos pratos vêm dos barcos dos nativos, que ela sempre achou inusitados. "Um dos barcos era Vá Com Deus. Botei na sobremesa. Tem um arroz negro com frutos do mar que o nome é Deixei de Remar". Mas cada unidade tem alguns itens que são próprios - o milkshake de coco verde, por exemplo, é uma das exclusividades do Preta Bistrô. Neste verão, uma das novidades será uma linha com brasa. Já no Dia de Iemanjá, 2 de fevereiro, o restaurante dos Frades terá a Festa da Rainha, com shows de Magary Lord e Viny Oliveira.

Antes disso, no próximo dia 22, Angeluci mostra um de seus outros talentos e faz uma exposição com 12 fotografias no Hotel Fasano, a partir das 19h. As imagens remetem à poesia escrita com luz na fotografia.