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Da Redação
Publicado em 19 de outubro de 2024 às 05:00
Quase 40 anos separam a recente decisão da Justiça de mandar prender três médicos acusados de retirar órgãos de pessoas vivas em Taubaté, São Paulo, do ano em que o crime foi cometido. Em 1986, os médicos Rui Sacramento, Pedro Henrique Torrecilas e Mariano Fiore Júnior removeram os rins de quatro pacientes sem a constatação de morte cerebral para usá-los em transplantes no antigo Hospital Santa Isabel (hoje Hospital Regional de Taubaté). Somente esta semana, a prisão foi decretada. >
O caso, conhecido como Caso Kalume, foi revelado pelo médico Roosevelt Kalume, que denunciou ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) um esquema ilegal de remoção de rins de cadáveres e pacientes vivos, sem seu conhecimento. A denúncia gerou a abertura de inquérito em 1987 e culminou, em 2003, em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o tráfico de órgãos no Brasil. >
Após 10 anos de investigação, a Polícia Civil de Taubaté responsabilizou quatro médicos pela morte de quatro pacientes. Um deles, Antônio Aurélio de Carvalho Monteiro, morreu em 2011, meses antes de ser julgado.>
Em outubro de 2011, Sacramento, Torrecilas e Fiore Júnior foram condenados a 17 anos e meio de prisão por homicídio, pena posteriormente reduzida para 15 anos. Durante o julgamento, que durou quatro dias, o promotor Márcio Augusto Friggi lamentou a demora da Justiça. “Eu espero que a Justiça brasileira evolua no sentido de tentar. O sistema prisional deve ser reformado, o número de recursos deve diminuir um pouco de modo a garantir ampla defesa, garantir e um pouco mais de severidade para a conclusão dos processos”, declarou, na época. >
Contudo, o apelo do promotor foi em vão. Os condenados recorreram e conseguiram adiar a prisão por mais de uma década. Somente na última segunda-feira (14), o juiz Flavio de Oliveira César, da Vara do Júri de Taubaté, determinou a prisão dos médicos. Até o momento da publicação desta reportagem, não havia confirmação se eles já haviam sido presos. As defesas criticaram a decisão, com a alegação de tratar-se de uma prisão antecipada, e informaram que pretendem recorrer.>
Apesar de ilustrar o quanto a Justiça brasileira pode ser lenta, o Caso Kalume também deixou um legado positivo: foi um dos catalisadores para a criação da Lei 9.434, de 1997, que regulamenta a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento no país. O escândalo ajudou a trazer à tona a relevância de uma legislação mais rígida e de fiscalização no campo dos transplantes, um marco que trouxe mais segurança e transparência ao sistema.>