Caso Kalume: Médicos condenados por homicídio estão a quase 40 anos impunes no Brasil

Fiore Júnior, Rui Noronha Sacramento e Pedro Henrique Torrecilas removeram órgãos de pacientes vivos para usá-los em transplantes

  • Foto do(a) author(a) Da Redação
  • Da Redação

Publicado em 19 de outubro de 2024 às 05:00

Fiore Júnior, Rui Noronha Sacramento e Pedro Henrique Torrecilas
Fiore Júnior, Rui Noronha Sacramento e Pedro Henrique Torrecilas Crédito: Reprodução/ TV Vanguarda

Quase 40 anos separam a recente decisão da Justiça de mandar prender três médicos acusados de retirar órgãos de pessoas vivas em Taubaté, São Paulo, do ano em que o crime foi cometido. Em 1986, os médicos Rui Sacramento, Pedro Henrique Torrecilas e Mariano Fiore Júnior removeram os rins de quatro pacientes sem a constatação de morte cerebral para usá-los em transplantes no antigo Hospital Santa Isabel (hoje Hospital Regional de Taubaté). Somente esta semana, a prisão foi decretada.

O caso, conhecido como Caso Kalume, foi revelado pelo médico Roosevelt Kalume, que denunciou ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) um esquema ilegal de remoção de rins de cadáveres e pacientes vivos, sem seu conhecimento. A denúncia gerou a abertura de inquérito em 1987 e culminou, em 2003, em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o tráfico de órgãos no Brasil.

Após 10 anos de investigação, a Polícia Civil de Taubaté responsabilizou quatro médicos pela morte de quatro pacientes. Um deles, Antônio Aurélio de Carvalho Monteiro, morreu em 2011, meses antes de ser julgado.

Em outubro de 2011, Sacramento, Torrecilas e Fiore Júnior foram condenados a 17 anos e meio de prisão por homicídio, pena posteriormente reduzida para 15 anos. Durante o julgamento, que durou quatro dias, o promotor Márcio Augusto Friggi lamentou a demora da Justiça. “Eu espero que a Justiça brasileira evolua no sentido de tentar. O sistema prisional deve ser reformado, o número de recursos deve diminuir um pouco de modo a garantir ampla defesa, garantir e um pouco mais de severidade para a conclusão dos processos”, declarou, na época.

Contudo, o apelo do promotor foi em vão. Os condenados recorreram e conseguiram adiar a prisão por mais de uma década. Somente na última segunda-feira (14), o juiz Flavio de Oliveira César, da Vara do Júri de Taubaté, determinou a prisão dos médicos. Até o momento da publicação desta reportagem, não havia confirmação se eles já haviam sido presos. As defesas criticaram a decisão, com a alegação de tratar-se de uma prisão antecipada, e informaram que pretendem recorrer.

Apesar de ilustrar o quanto a Justiça brasileira pode ser lenta, o Caso Kalume também deixou um legado positivo: foi um dos catalisadores para a criação da Lei 9.434, de 1997, que regulamenta a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento no país. O escândalo ajudou a trazer à tona a relevância de uma legislação mais rígida e de fiscalização no campo dos transplantes, um marco que trouxe mais segurança e transparência ao sistema.