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Até a Caatinga está ameaçada: mudanças climáticas podem destruir 90% do bioma

Uma das áreas mais afetadas está na Bahia - Chapada Diamantina e sul do estado, explica Mario Ribeiro de Moura, pesquisador da Unicamp

  • Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
  • Carolina Cerqueira

Publicado em 14 de julho de 2024 às 05:00

Mario Ribeiro de Moura, doutor em Biologia e professor visitante da Unicamp
Mario Ribeiro de Moura, doutor em Biologia e professor visitante da Unicamp Crédito: Divulgação/Antoninho Perri

Região semiárida mais populosa do mundo, a Caatinga pode alcançar a marca de 90% de seu território com perda de espécies da fauna e flora graças às mudanças climáticas. É o que mostram dois estudos baseados nas projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC).

De acordo com o doutor em ecologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor visitante da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mario Ribeiro de Moura, uma das áreas mais afetadas está na Bahia, compreendendo a Chapada Diamantina e o sul do estado.

A Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro e o quarto do país em área geográfica, cobrindo 9,9%% do território nacional. Ele fica atrás de Amazônia (49,3%), Cerrado (23,9%), e Mata Atlântica (13%), mas, mesmo proporcionalmente, existe uma enorme discrepância em termos de áreas protegidas. Apenas 1,3% da Caatinga está sob proteção, enquanto a Amazônia chega a 49%.

Ainda que naturalmente adaptadas ao clima seco, as estratégias das mais de três mil espécies principais de plantas e animais que compõem a biodiversidade da Caatinga podem não ser suficientes. Com temperaturas cada vez mais altas e períodos de chuvas cada vez mais curtos, o bioma, aos poucos, perde suas riquezas.

Confira a entrevista:

Qual porcentagem da Caatinga já foi afetada?

Esse bioma já teve sua cobertura original bastante reduzida. Restam apenas 50% dele. Atualmente, a Caatinga apresenta paisagens extremamente fragmentadas.

Caatinga
Caatinga Crédito: Gabriel Carvalho/Setur-BA

Quais são as projeções para o futuro da Caatinga?

As projeções baseadas em modelos estatísticos e inteligência artificial sugerem que, até 2060, as mudanças climáticas podem resultar na perda de espécies de flora e fauna em até 90% da Caatinga.

Os estudos foram publicados no Journal of Ecology e Global Change Biology e baseados no mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), de 2021, que disponibilizada a cada três anos atualizações sobre os possíveis cenários climáticos esperados para o futuro.

Mesmo no cenário mais otimista, haverá aquecimento global. A previsão é de que o planeta ficará pelo menos 1,5 grau mais quente até o final deste século se comparado com o início do século XX. Na região onde a Caatinga está inserida, estão previstos aumentos de temperatura e aridez, com menor frequência de chuvas.

O que a perda de espécies pode significar?

Espécies arbóreas e raras provavelmente serão substituídas por espécies generalistas e não arbóreas, que devem ser menos afetadas pelas mudanças climáticas.

Essa alteração na composição da vegetação pode reduzir serviços ecossistêmicos vitais, como o armazenamento de carbono (produção de biomassa vegetal, maior em plantas arbóreas).

Entre os mamíferos, os de pequeno porte e aqueles que habitam árvores serão os mais impactados. Em conjunto, nossos resultados indicam que poderá haver a interrupção de interações entre espécies da flora e fauna.

Quais são as áreas mais comprometidas?

As maiores perdas de espécies estão projetadas para a Chapada Diamantina, região que compreende o Sul da Bahia e o Norte de Minas Gerais, além do Planalto de Ibiapaba, localizado entre os estados do Ceará e do Piauí.

Incêndio na Serra do Candombá, na Chapada Diamantina
Incêndio na Serra do Candombá, na Chapada Diamantina Crédito: Divulgação/ICMBio

Que grau de preocupação a Caatinga ocupa entre os demais biomas?

Existe uma percepção equivocada de que a Caatinga é um bioma pobre em espécies. De modo geral, isso dificulta a destinação de recursos e investimentos para projetos de pesquisa e conservação na região, quando comparado com outros biomas.

A Amazônia possui 49% de seu território em áreas protegidas, o Cerrado tem 7,7%, a Mata Atlântica 3,2%, e a Caatinga somente 1,3%. Então, a rede de proteção estabelecida para a Caatinga está muito aquém do esperado.

Quais são as principais riquezas da Caatinga a serem protegidas?

Estudos recentes indicam que a Caatinga possui 3.150 espécies de plantas e 1.425 vertebrados, incluindo 548 aves, 386 peixes, 210 répteis, 183 mamíferos e 98 anfíbios, sendo parte dessa biodiversidade encontrada exclusivamente neste bioma.

Atualmente, desse total, 350 espécies de plantas e 252 espécies de vertebrados são listadas como prioritárias para conservação pelo Ministério do Meio Ambiente. Algumas plantas nativas são importantes para atividades de extrativismo sustentável, como o caju, umbu e cajá.

Como a Caatinga lida com o clima seco?

Existem muitas estratégias, tanto da vegetação como dos animais, para fugir do excesso de calor ou conviver com ele. Algumas adaptações da vegetação da Caatinga são plantas com fotossíntese adaptada para reduzir a perda de água durante o dia quente e seco; folhas reduzidas a espinhos para diminuir a área de superfície e, consequentemente, a perda de água por transpiração.

Há ainda a adoção de caule suculento para armazenar água e permitir a sobrevivência durante períodos de seca prolongada; cutícula espessa e altamente impermeável nas folhas e caules para reduzir a evapotranspiração; perda de folhas (plantas caducifólias) durante a estação seca para reduzir a perda de água.

Algumas adaptações da fauna da Caatinga são: adoção de hábitos noturnos para evitar o calor extremo do dia; estivação (inatividade durante a estação seca) para sobreviver aos períodos de escassez de água e alimentos; adaptações fisiológicas para alta eficiência de conservação da água e resistência à desidratação.

Mapa da Caatinga e áreas de proteção
Mapa da Caatinga e áreas de proteção Crédito: Insa/MCTI

Essas adaptações são suficientes hoje?

Nossos resultados indicam que as espécies estão próximas de seus limites de tolerância. Logo, conseguem conviver com os atuais 8-9 meses de seca consecutiva, mas se a duração desses períodos aumentar, a vegetação e os animais podem não suportar.

Com isso, começaremos a observar a morte de espécies vegetais, sobretudo espécies lenhosas (árvores). Como várias espécies da fauna dependem da vegetação para encontrar recursos alimentares, o efeito é acumulativo.

Quais fatores têm influenciado o comprometimento desse bioma?

Existem diversos fatores que comprometem a “saúde” da Caatinga, seja por degradação (remoção parcial da vegetação natural) ou desmatamento (remoção total).

A degradação pode ser gerada pelo uso inadequado de fogo para manejar vegetação, extração de madeira (para uso em infraestrutura ou produção de carvão vegetal) e criação de rebanhos (caprinos, bovinos, entre outros). Em casos extremos, essas atividades ilegais resultam em desmatamento, ou seja, remoção completa da vegetação.

Existem ainda atividades legais que envolvem a supressão de vegetação para implantação de obras de infraestrutura, como usinas eólicas, estradas e rodovias, estrutura de drenagem e irrigação. Aqui, estudos de licenciamento ambiental são a ferramenta que possuímos para que essas obras possam ser realizadas de forma a minimizar danos e otimizar ganhos socioambientais.

Quando esses estudos de licenciamento ambiental são feitos sem o devido rigor, existe a possibilidade de vivenciarmos crimes ambientais, como o rompimento das barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), em Minas Gerais.

Araras-azuis-de-lear nos paredões da Caatinga
Araras-azuis-de-lear nos paredões da Caatinga Crédito: Jefferson Bob

Seja por atividades ilegais ou legais, a remoção da vegetação promove a "perda de habitat", uma vez que reduz a quantidade de áreas disponíveis para as espécies silvestres.

É comum também observarmos a "fragmentação de habitats", que acontece quando as manchas de vegetação remanescente estão desconectadas e distantes na paisagem. Isso dificulta o deslocamento das populações silvestres, podendo torná-las isoladas e prejudicando, inclusive, a reprodução das espécies.

Qual a solução?

Para mitigar os efeitos das mudanças climáticas sobre a biodiversidade da Caatinga, é necessário um planejamento articulado entre diferentes níveis administrativos (municipal, estadual e federal).

É crucial implementar estratégias de expansão da rede de áreas protegidas e recuperar áreas degradadas, sobretudo aquelas localizadas em áreas de preservação permanente, como margens de rios e entorno de nascentes.

É possível reflorestar a Caatinga?

Sim, é possível. Em termos gerais, o modelo de restauração mais indicado na Caatinga envolve o plantio de mudas de raízes longas, o que pode torná-lo mais demorado que o convencional.

Um dos melhores modelos de restauração da Caatinga vem sendo desenvolvido na última década pela professora Dra. Gislene Ganade, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O objetivo geral do experimento é desenvolver novas técnicas de restauração para recuperar florestas tropicais secas degradadas e combater a desertificação. Ele pode ser mais conhecido no site lerufrn.wixsite.com/restoration.

Também existem pesquisas muito relevantes sendo desenvolvidas no Projeto Nexus, liderado pelo professor Dr. Helder Araújo da Universidade Federal da Paraíba.

Esse projeto, cujo site é nexuscaatinga.com.br, foca no desenvolvimento agropecuário sustentável no Cariri Paraibano, a região mais seca do Brasil. As soluções desenvolvidas nessa região podem ser replicadas em outras áreas semiáridas.

Quem é?

Mario Ribeiro de Moura é biólogo e mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal de Viçosa, Doutor em Ecologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, com pós-doutorado em Ecologia e Biologia Evolutiva pela Yale University e Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela Universidade Federal de Uberlândia. Investiga como a biodiversidade responde a mudanças globais. É professor visitante do departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas.