As profissões da nova Câmara: saiba quais são as principais ocupações dos futuros vereadores

Saúde é a bandeira principal do maior número de eleitos

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  • Thais Borges

Publicado em 12 de outubro de 2024 às 05:00

Câmara Municipal de Salvador
Câmara Municipal de Salvador Crédito: Reginaldo Ipê/Câmara Municipal de Salvador

À primeira vista, administradores, bacharéis em gestão pública e advogados são carreiras que podem ter áreas de estudo e atuação em comum - em especial, na vida pública. Por isso, talvez não seja tão surpreendente que, embora a composição da Câmara Municipal de Salvador (CMS) a partir de 2025 tenha representantes de pelo menos 20 profissões diferentes, essas três sejam as campeãs.

Logo em seguida, também empatados na segunda posição, ficam três médicos, três comerciantes e três pastores. Mas o time de 43 vereadores terá uma diversidade que vai de marisqueira à médica veterinária passando por educador físico, gerente e bancário.

As informações fazem parte de um levantamento feito pelo CORREIO na última semana, considerando a principal ocupação dos eleitos, de acordo com a forma como se apresentam nas redes sociais, o registro de candidatura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, no caso dos que já integraram o Legislativo em algum momento, em textos de apresentação da CMS ou da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba).

Esse resultado dialoga diretamente com o fato de que a representatividade da CMS termina por refletir algumas posições de elite social e econômica. "O que a gente vê refletido na Câmara é uma parte dos vereadores com profissão de destaque, com status na sociedade, mas é importante apontar que algumas profissões elementarmente têm visibilidade pública. Isso acaba tendo engajamento na sociabilidade com as pessoas, no contato com a população", explica do cientista político Claudio André de Souza, doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).

Apesar da frequência maior dessas profissões, não é possível dizer que sejam ocupações que obrigatoriamente conquistam votos As pautas defendidas pelos então candidatos podem ter mais impacto do que o trabalho prévio de cada um, na avaliação do cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

"Eu relativizaria, principalmente, o papel das profissões. As pautas acho que, de fato, têm uma importância grande, mas precisamos introduzir as variáveis de caráter claramente políticas, como se vai ser importante a posição do líder político dele, se ele é capaz de mudar de agrupamento", exemplifica o professor.

Saúde

No levantamento, a reportagem buscou identificar a principal pauta de cada um dos vereadores. Há quem se apresenta até em redes sociais como o "defensor dos autistas", o "amigo da criança" ou a "voz dos animais". Mas nenhuma bandeira foi mais encontrada do que a da saúde. Ao menos sete eleitos apontam a saúde como a principal causa a ser discutida e defendida em seus mandatos.

Essa temática é uma das mais citadas em pesquisas de opinião, quando pessoas precisam responder qual é o principal problema de seu município. Em geral, segundo a cientista política Luciana Santana, professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), os tópicos mais citados são saúde, educação e segurança.

"Eu diria que é o problema mais recorrente é a saúde. Então, mesmo a gente não tendo eleitos e até candidatos numa quantidade expressiva da área da saúde, é sabido que é uma temática extremamente necessária, importante e que vai ser prioridade na agenda dos governos e também dos legislativos", diz.

Além dos três médicos que atuarão na Casa em 2025 - Maurício Trindade (PP), David Rios (MDB) e Cezar Leite (PL), a nova legislatura contará com duas enfermeiras. Além de Débora Santana (PDT), estará de volta a enfermeira Aladilce (PCdoB), também professora da Ufba. Apesar de já ter atuado em outras legislaturas, Aladilce ficou sem mandato no quadriênio 2021-2024. Os profissionais de saúde, contudo, não são os únicos a defender a pauta da saúde. O atual presidente da Casa, Carlos Muniz (PSDB), que é comerciante, e o bacharel em gestão pública Fábio Souza (PRD) também elegeram a causa como uma de suas bandeiras.

É uma formação essencialmente diferente dos eleitos há exatamente duas décadas, em 2004, e que assumiram a legislatura em 2005. Naquela época, médicos dominavam - eram oito dos 39 eleitos (quatro vereadores a menos do número de hoje). "Esse perfil dos médicos (serem maioria) era uma coisa muito comum na política de 50, 60, 70 anos atrás, mas isso foi sendo diluído ao longo dos anos", afirma o professor Paulo Fábio Dantas, da Ufba. "Hoje, há maior diversificação da elite política municipal e uma coisa surpreendente é o número razoável de pessoas com diploma universitário", acrescenta.

Uma das hipóteses que pode explicar essa diversidade maior hoje nos diplomas universitários é uma possível elitização diferente na representação. Isso poderia significar menos competitividade entre as camadas menos favorecidas da sociedade. "A outra hipótese que a gente precisa trabalhar um pouco é a noção de representação de maneira diferente de representatividade. São duas coisas diferentes", diz Paulo Fábio. A composição da nova Câmara pode não ser suficientemente representativa do perfil social do eleitorado soteropolitano, mas não implica dizer que não represente os interesses dos segmentos da população.

A pluralidade das profissões pode estar ligada a um perfil mais amplo das cidades, como lembra o cientista político Cláudio André, professor da Unilab. "Isso acaba trazendo, inclusive, setores religiosos, que têm esse engajamento social muito forte com parte da população, acrescenta.

Causas

O exemplo da saúde ajuda a entender como funciona a distribuição de pautas na Câmara. O CORREIO selecionou, como bandeiras principais, aquelas que eram apontadas pelos próprios vereadores ou candidatos em suas plataformas, em textos oficiais de apresentação ou aquelas com maior número de propostas listadas nos destaques de suas campanhas. Ao todo, foram 60 pautas identificadas - mais do que o número total de integrantes da casa.

Isso foi possível porque há eleitos que listam duas, três e até quatro causas como suas principais bandeiras. Ainda assim, contudo, houve situações de vereadores em que não foi possível definir com segurança qual foi a principal bandeira defendida na campanha ou em seus anos anteriores de trabalho, no caso daqueles que foram reeleitos.

Logo após saúde, vem a pauta do esporte, com cinco eleitos. O terceiro lugar do pódio é dividido entre a educação, o cristianismo/valores da família cristã e quatro vereadores que não tiveram uma pauta identificada como principal.

Não é possível afirmar, contudo, se adotar uma causa específica como seu principal foco de atuação pode atrair mais votos ou não. Essa é a avaliação da professora Luciana Santana, da Ufal. Uma vez eleitos, lembra ela, os vereadores devem atender todas as demandas e preferências da população, inclusive considerando a diversidade de temas. "Só que muitas vezes, enquanto candidato, eles são eleitos por determinadas bases focadas em temas. Tem aqueles ligados mais à igreja, tem alguns ligados a movimentos na área da saúde, na área da educação, então é uma estratégia enquanto candidato", pondera.

Este ano, ao menos dois vereadores foram eleitos como defensores das pessoas autistas. Essa era uma pauta que, há duas décadas, não era tão falada. O número foi maior do que outras que já têm tido muito destaque nos últimos anos, como a defesa dos animais - que, por sua vez, só elegeu uma vereadora, a médica veterinária Marcelle Moraes (União).

No entanto, para a professora Luciana, não é possível falar em pautas específicas que têm tendência a dar mais votos do que outras. Em um lugar com população negra maior, por exemplo, é possível que a bandeira do combate ao racismo seja mais lembrada do que em outros. Já em municípios da região Amazônica, muitos candidatos podem identificar que é importante abordar a temática ambiental.

"Tem a ver com a base eleitoral e temas que, claro, mesmo a pessoa tendo que atuar em tudo, vai se sentir mais pressionada, quando for eleita, a poder também dar uma resposta e satisfação para quem o elegeu. E aí a gente pode ver esses vereadores e vereadoras empenhados em aprovar projetos vinculados à temática ou pressionar o Executivo para que medidas sejam tomadas nessa direção", avalia.

Outras pautas passaram a aparecer de outras formas. Há 20 anos, também foram pastores eleitos para a Câmara Municipal, sem contar a ex-vereadora e ex-deputada federal Tia Eron. Bacharel em Direito, ela ficou mais conhecida inicialmente pelo trabalho social que desenvolvia na Igreja Universal do Reino de Deus, inclusive como professora na Escola Bíblica Dominical. Agora, em 2024, o número de pastores não mudou. No entanto, outros eleitos colocam os valores cristãos como importantes em sua legislatura ao apresentar-se pela religião. É o caso de nomes como o estreante Sandro Filho (PP) e de nomes já conhecidos de Salvador, como Alexandre Aleluia (PL) e Cézar Leite (PL).

Para a professora Luciana Santana, da Ufal, assim como ocorre no contexto nacional, há uma tendência de que pessoas que defendem valores religiosos cristãos consigam angariar uma base eleitoral forte na política local.

Ver esse crescimento da autoafirmação de ser cristão não significa necessariamente que essa pauta ganhou mais importância, mas que ela tem ficado proporcional ao aumento de evangélicos no país. "A gente tem visto um aumento da população evangélica e a católica ainda é maior a população. Mas a gente vê também que os evangélicos estão num momento onde também tem polarização política. Essas questões ganham muita atenção no plano nacional, que acaba influenciando algumas pautas locais", aponta.

Atuação

As campanhas desses agora eleitos são bons caminhos para prever como será a atuação de cada um deles, porque é comum que exista uma coerência entre as duas coisas. Ainda assim, é difícil prever como será a nova legislatura. É mais fácil fazer uma análise da atual formação da CMS, segundo o cientista político Paulo Fábio Dantas, da Ufba.

Para o professor, é natural imaginar que, em uma democracia, em que a permanência de vereadores na Câmara seja vinculada à competição, eles se orientem por temas que tenham apelo eleitoral. "Isso não pode ser visto como uma patologia, como um mal a ser resolvido. Saber que eles votam para temas com apelo eleitoral é uma coisa inerente à sua própria atividade", afirma.

O que vai ser diferente de um para outro é a compreensão que um vereador pode ter sobre o modo como deve defender determinadas pautas e em que medida ele tem noção do quanto as decisões do colegiado importam para seu mandato. Proporcionalmente, a maioria dos soteropolitanos não teve seu vereador ou vereadora eleitos na CMS. Os 43 eleitos tiveram pouco mais de 515 mil votos - ou seja, 26% dos votos do 1,9 milhão de eleitores aptos em 2024.

"Por isso, quanto um vereador limita sua atuação a um nicho com fragmentação temática, eu diria que dificilmente alguém se elegera só por isso, exceto se for um tema que tenha uma abrangência social muito importante".