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Fernanda Santana
Publicado em 2 de novembro de 2024 às 05:00
A obsessão de um pesquisador não o permite desbravar só os arquivos onde estão o que ele procura. O caminho é a descoberta. É tão verdade que a pérola pode não aparecer nunca, quanto que ela surge de onde menos se espera. Foi o que aconteceu com o historiador Marcos Santos ao encontrar uma foto centenária de um mausoléu.
A fotografia, misturada a outras preciosidades do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia (IGHB), era de um homem chamado José Nelli. Quanto à autoria, nenhum interesse especial. A joia estava na etiqueta da imagem: "Mausoléu dos Mortos de Canudos". O achado, fotografado por Marcos e guardado em uma pasta online do seu computador, deixou o historiador com a pulga atrás da orelha.
Ele sabia da existência de um monumento dedicado aos mortos na Guerra de Canudos (1896-1897), sem avançar no tema. Com as outras demandas de pesquisa, no entanto, aquela foto ficou de lado. Em setembro deste ano, a recordação do mausoléu voltou aos pensamentos do baiano, que é doutor em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O número de óbitos durante o conflito não é consensual entre os historiadores, mas há uma estimativa: 25 mil pessoas foram mortas, entre elas 20 mil civis e 5 mil militares.
O historiador começou a se aprofundar em qualquer publicação que citasse o mausoléu. Descobriu, então, mais detalhes. A construção do mausoléu pelo Comitê Patriótico da Bahia, em 1899, seria um marco: não diferenciou as vítimas entre o vencedor (o governo brasileiro) e o perdedor (os sertanejos que seguiam Antônio Conselheiro e só tinham facões e foices para lutar contra os militares).
A entidade foi criada durante a guerra, composta por membros da elite baiana, com o objetivo de prestar assistência aos soldados e seus familiares. Com o fim da guerra, segundo Marcos, essa ajuda "se estendeu também às viúvas e aos órfãos dos sertanejos".
Nessa busca, Marcos confirmou que o espaço ficava no Cemitério do Campo Santo, na Federação. Decidiu escrever um e-mail para o cemitério e agendar uma visita.
Marcos foi ao Campo Santo na tarde de 21 de outubro. Guiado por um funcionário, chegou à quadra 6, onde encontrou o monumento de 5 m² em granito preto.
Quando Marcos visitou o local, os funcionários não tinham informações a respeito do mausoléu. Até pensavam que havia gente enterrada ali, o que não procedia. Devido à falta de dados sobre o mausoléu, a administração afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que não concederia entrevista.
"Esse mausoléu acaba sendo um dos retratos da pouca importância que damos a esse momento histórico". Agora, Marcos quer pensar em um projeto que inclua o mausoléu no itinerário de historiadores e curiosos, em geral, sobre a história da Bahia. "A guerra foi muito importante na história do Brasil, mas é muito pouco conhecida pela população", avalia.
O Cemitério Campo Santo possui, desde 2007, um circuito cultural formado por 200 obras de arte cemiterial em estilos renascentista, barroco, gótico, moderno e contemporâneo, e mausoléus de personalidades baianas. No Dia de Finados, celebrado no dia 2 de novembro, 6 mil pessoas visitam o cemitério.
"A história do Mausoléu aos Mortos de Canudos é um exemplo interessante para pensarmos, neste Dia de Finados, uma maneira coletiva e cívica de vivenciarmos a experiência de luto."
O mausoléu é vizinho de outras lápides de personagens da Guerra de Canudos. "Mapeei sete pessoas só na Quadra 6.”
O corpo do médico legista, escritor e antropólogo Nina Rodrigues, por exemplo, também está enterrado próximo. Nina escreveu o artigo "A Loucura Epidêmica de Canudos", que analisa o que ele chama de “loucura de Antônio Conselheiro” e estudou a cabeça degolada desse líder religioso.
O interesse dos pesquisadores por temas relacionados à Guerra de Canudos cresceu nos últimos 20 anos, avalia a historiadora Lina Aras. “Algumas ações foram fundamentais”, afirma, “como o fortalecimento do Campus de Canudos da Universidade do Estado da Bahia (Uneb); a criação de acervos e a divulgação de outros, que, com as limitações de suas épocas, não motivaram pesquisas. A cada novo estudo, se abrem perspectivas.”
Recentemente, por exemplo, ela leu um documento sobre a passagem dos conselheiros pela cidade de Simão Dias, em Sergipe.
O desafio de encontrar novos fragmentos de uma história conhecida foi assumido por Marcos em 2019, durante um curso em História da Bahia do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB).
Desde então, ele tem estudado outro nome da Guerra de Canudos: Alvim Horcades, um dos dezenas de estudantes enviados pela Faculdade de Medicina da Ufba para lutar em Canudos. No caminho, é claro, tudo pode aparecer.
1) Aberto ao público, é possível caminhar pelo Circuito Cultural sem mediação humana, diariamente, das 8h às 17h, seguindo os totens informativos disponíveis no local.
2) A visita guiada também está disponível para grupos a partir de 15 pessoas e deve ser agendada previamente com a equipe do Museu da Misericórdia, através do número (71) 2203-9835 ou dos e-mails [email protected] e [email protected], com gratuidade para Instituições Públicas e R$10 (inteira) e R$5 (meia), por pessoa, para os demais públicos. O grupo de visitantes recebe informações sobre a simbologia e linha evolutiva das obras arquitetônicas e culturais.