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Da Redação
Publicado em 11 de janeiro de 2023 às 05:00
Que a solidão é um sentimento comum – tanto quanto o amor, o ódio, a tristeza, a felicidade – todos sabemos. Passamos por ele algumas vezes na vida. Eu, por exemplo, recordo-me dos momentos de isolamento durante a adolescência, quando escondia de mim mesmo e dos outros a minha orientação sexual. Quem lê agora este artigo já deve ter lembrado de, ao menos, um momento. Então, por quê falamos tão pouco desse sentimento?
Uma rápida pesquisa na internet pode causar surpresa. Não são poucas as matérias especializadas, abordando a solidão nos tempos atuais, apontando-a como um problema de saúde pública, até mesmo como uma nova epidemia. Japão e Reino Unido criaram um Ministério da Solidão para pensar políticas públicas que tentem aplacar seu efeito na produção econômica do país. Portugal já estuda criar um órgão para o mesmo fim. Veja que não estamos tratando, aqui, de uma doença psíquica, como a depressão, mas de um sentimento ordinário, íntimo.
O fato é que as relações interpessoais mudaram. Vivemos num mundo em rede. Permanecemos conectados a maior parte do dia, em contato constante com outras pessoas. Habitamos condomínios grandes, bairros, cidades e países populosos. E, ainda assim, a solidão apresenta-se como um fosso emocional coletivo.
Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, cujos resultados foram publicados recentemente, diz que um em cada quatro brasileiros considera baixa a qualidade de sua rede de relações e não se sente próximo a ninguém. Portanto, a solidão não se apresenta mais como um simples isolamento físico, uma reclusão ou falta de convívio social; trata-se, pois, de uma sensação de ausência de afeto.
A exposição “Sinto-me só. Escreva-me carta de amor”, em cartaz no Museu de Arte da Bahia até 21 de janeiro de 2023, nasceu de uma longa e dolorosa vivência de solidão. Ao decidir transformar esse sentimento em tema da arte, instaurei um processo comunicativo com o público que expande as fronteiras da experiência estética e mostra a necessidade de falarmos sobre a solidão. Primeiro, troquei cartas manuscritas com desconhecidos – alguns trechos são exibidos na exposição, preservando o anonimato deles. Segundo, dediquei um ambiente para que os visitantes do museu possam deixar mensagens e, assim, dialogar entre eles sobre o tema. Um processo artístico relacional, baseado na troca entre as pessoas, na intersubjetividade. Pelo volume e conteúdo das mensagens deixadas, temos a noção do quão necessário é dialogar sobre a solidão na contemporaneidade. E a exposição instiga a discutirmos a respeito.
Caíque Costa é artista visual, bacharel em Artes pela Universidade Federal da Bahia e mestrando em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo, onde desenvolve uma pesquisa em arte sobre a solidão em tempos de hiperconectividade.