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Uma questão de ambição

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  • Foto do(a) author(a) Gabriel Galo
  • Gabriel Galo

Publicado em 13 de novembro de 2017 às 11:30

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Quem pousa na velha cidade da Bahia já poderá enfrentar, se iniciado não for, uma certa dificuldade em entender o dialeto. Coisa de quem não esteve em contato com o baianês, ora. O vocabulário próprio se destaca do resto do país, fortalecendo a cultura local, aumentando o senso de comunidade. Pegou a visão, pai?

Então se plante porque o que tem se orquestrado nas ruas e becos e vielas de Salvador e fronteiras baianas é uma descomunicação que aperta a mente como o quê. Os tradicionalistas se arrepiam, pois não aceitam estrangeirismos. Aparentemente, no entanto, estão sendo vencidos pela necessidade funcional do que se avizinha.

“Ora, mas que homilia toda é essa, hômi de Deus? Largue sua palestra de uma vez”, gritam os mais afoitos, já não se segurando mais com essa zoada toda. E eu explico, sem medo de parecer adepto da importação de modas, mas tenho que me padecer de simpatia pelo movimento migratório que invade a Baía de Todos os Santos: os professores de espanhol.

“É a crise!” me contou em confidência um destes professores, que largou São Paulo para fazer casa em Salvador. Nascido em Buenos Aires, já tem parentes que vendem artesanato na Barra e Praia do Forte. “Foram eles que me contaram do que anda passando por aqui. Quando soube, vim correndo”.

Está em todo lugar, repare, espie só, orelhas com o radar ligado. Você vai ouvir algo parecido com isso. Dois amigos rivais se encontram:

- E aí, véi! Viu que meu Vitória brocou o Palmeiras? O Barradão voltou!

- ¿Cómo? No comprendo. Sólo hablo español.

Tem gente se retando com tanto disparate.

- Colé, man? Vai colar no baba amanhã?

- Por supuesto. Llevo la pelota!

- Mingula!

Virou corriqueiro, varreu a cidade como rastilho de pólvora.

Fonte Nova já virou Fuente Nueva. Edigar Junio já está se acostumando a ser chamado de Rúnio. Famosa torcida organizada já prepara faixas traduzidas para “hinchada”. Cervejarias se programam para lançar as piriguetes argentinas e uruguaias. Nesta buena onda, quem se deu bem foram as escolas de idiomas, que projetam lucros e tempos prósperos.

Acompanhei uma primeira aula ao vivo:

- Entonces. Primeira cosa que tenemos que aprender. No se dice “Bora, Baêa!”, decimos “Vamos, Baêa! ‘Vamos’ com som de 'bê'”.

A classe inteira repete: “Bamos, Baêa”. Um aluno do fundão levanta a mão e pergunta: “Professor! E brocação, como se diz?” No que o professor, sem deixar a peteca cair e sem desmanchar o penteado, larga a resposta na lata: “Sí, claro: Brocación”.

Pronto: baianizaram o portuñol. Porque a América é do tamanho da ambição do Bahia.

Gabriel Galo é administrador