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Uma biblioteca chamada Cid Teixeira

  • D
  • Da Redação

Publicado em 25 de dezembro de 2021 às 07:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Haroldo Abrantes/Arquivo Correio

A ideia encantou o diretor da Fundação Odebrecht e deu corda: se ele topar, a Fundação banca a obra e instala a biblioteca, mas a partir dai você se vira pra manter. O ano era 2012 e “ele” era o professor Cid Teixeira, que nos recebeu na varanda de sua casa, na Pituba, para ouvir a nossa proposta. A ideia: reunir num só lugar todos os acervos acumulados em décadas, armazenados em alguns imóveis da família.

A chance de êxito era mínima, mas só seria zero se a desistência precedesse a tentativa. Hoje a consciência pesaria, se não tivesse esta história para contar com o meu cúmplice-parceiro-comparsa Luis Guilherme Pontes Tavares. Luis Guilherme, filho do amigo e também historiador Luis Henrique, me apresentou ao mestre - que não tinha a obrigação de lembrar de algumas entrevistas uns bons anos antes.

O velho Cid ouvia-nos quase impassível, de maneira que já me deixava em dúvida se estava realmente na conversa. Estava.

Não precisava ensinar Padre Nosso a vigário, pois o professor Cid conhecia bem o Edifício Ranulfo Oliveira, sede da Associação Bahiana de Imprensa e da Assembleia Legislativa, de 1960 até a mudança para o CAB, em 1974. Conhecia bem o sexto andar, magnificamente projetado para ser um auditório, onde funcionou o plenário da Assembleia Legislativa.

Pé direito duplo, acústica impecável, foyer, varanda panorâmica. Dourando a pílula, tentei descrever prateleiras com quase sete metros de altura repletas de livros e documentos rigorosamente catalogados, naquele vão enorme e matematicamente vedado contra ruídos externos.

Engenharia e arquitetura trabalhariam para acomodar ali o que está em vários imóveis entupidos de livros, recortes, coleções, discos, fotografias... Dois níveis de passarelas para acesso facilitado a todas as estantes, área de leitura no foyer, com acesso a um café temático na varanda onde existe uma parede curva com um painel de Mário Cravo e vista esplêndida para a Praça da Sé e Baía de Todos os Santos.

Terminei a minha exposição cheio de entusiasmo, mas sem arrancar uma mudança discreta sequer, no semblante. A pausa deve ter durado segundos, mas a mim parecia uma eternidade. Antes que um constrangimento profundo me tomasse, transformando em certeza a dúvida sobre o quanto ele estava na conversa, o professor rompeu o silêncio.

Disse que tinha muito apego aos livros dele. Contrapus na hora: não estávamos pedindo doação. Os acervos seriam inventariados e continuariam pertencendo a ele e seus herdeiros.

Uma vez instalada no Edifício Ranulfo Oliveira, a Biblioteca de História da Bahia Professor Cid Teixeira ainda estaria integrada numa espécie de condomínio cultural composto pelo Museu de Imprensa, Biblioteca de Comunicação Jorge Calmon, Sala Roberto Pires (projeção), Sala de Reuniões Afonso Maciel Neto e Auditório Samuel Celestino.

Mas entre milhares, havia livros que ele fazia questão de ter por perto até o fim. Improvisei um acréscimo ao projeto, já emendando uma solução: esses livros continuariam onde estavam e, quando fosse o tempo, seriam transpostos para um espaço dentro da Biblioteca, onde este escritório dele seria reproduzido com a maior fidelidade possível.

Novo silêncio, desta vez mais longo, e eu já não desanimei. Pelo contrário! Se não descartou de pronto, era porque estava considerando a hipótese. Estava sim, ligadíssimo e interessado na conversa e pensando no assunto.

O peso dos anos recaiu sobre a fala, mas o registro daquele vozeirão grave estava preservado. Inconfundível. Como um autêntico mais velho, agradeceu com palavras carinhosas e deixou alguma razão para ficarmos na expectativa: precisava de um tempo para pensar na proposta, ouvir os herdeiros e depois nos falaria.

Esperamos e depois de uma ou duas tentativas, decidimos apenas aguardar em sinal de reverência e respeito ao mestre. A resposta não veio, o professor partiu e nos legou acervos, uma produção literária admirável, conteúdos de história para rádio e televisão e um desafio enorme.

Não é justo dizer que a Bahia perdeu Cid Teixeira, porque ele partiu aos 97 anos. A Bahia ganhou Cid Teixeira, que construiu uma obra suficientemente sólida para seguir existindo após a morte pela grandeza do que fez em vida. É o que se lê nas muitas expressões do carinho como a Bahia se despede do guardião da sua memória. Perdê-lo é uma possibilidade absurda. Mas não nos faltam precedentes...

ERNESTO MARQUES  É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BAHIANA DE IMPRENSA