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Da Redação
Publicado em 11 de junho de 2020 às 18:53
- Atualizado há 2 anos
“Ele ficou mais choroso durante este período de distanciamento. Não quer falar por chamada de vídeo nem com as pessoas da família”.>
“Ela está sentindo muito a falta da escola! Ela é muito dedicada, mas de uma hora para outra está resistindo em fazer as atividades da escola”.>
“Ele está muito irritado e mais agressivo em casa. Deve ser o acúmulo de energia”.>
“Estou trabalhando em casa, mas ela não entende...Quer atenção, tem solicitado mais colo e abraços”. (Depoimentos de mães de crianças em distanciamento social)>
O imperativo do distanciamento social, que em tempo se faz necessário, tem provocado grandiosos impactos no contexto social. O momento causa estranheza, medo, dúvidas, angústias e incertezas. Se já está sendo difícil em todas as esferas da sociedade, inclusive para o adulto, lidar com essa condição, é natural que a criança, tentando compreender todo o contexto deste momento, demonstre reações diversas.>
É possível lembrar quando estava tudo “nos seus devidos lugares” com a rotina devidamente estabelecida: ir para a escola, enquanto papai e mamãe iam trabalhar, vida social mantida...E eis que, de repente, todo o cenário muda e, com ele, surge uma série de informações a processar: Coronavírus; jeito de tossir; jeito certo de lavar as mãos; álcool em gel; ter que ficar em casa; não poder ir para a escola e para nenhum lugar; não poder visitar a vovó, nem ir pro parquinho, brincar no play, nem ver os amigos; a escolinha está em outro formato e ver a pró e os colegas somente pela tela do computador; papai e mamãe estão trabalhando em casa; ver as pessoas que ama só pela telinha do celular; usar máscara; não poder nem mais abraçar nem beijar!>
Diante de todas as informações, a criança é desafiada a adaptar-se ao novo, e esse processo de adaptação implica na criação de novas estruturas mentais. A criança precisa organizar-se e reorganizar-se emocionalmente para lidar com esse novo contexto e isso demanda um grande investimento emocional (PIAGET, 1971). Além disso, busca continuamente estratégias para dar sentido às experiências do mundo real e precisa processar as informações para perceber-se neste mundo. Cada criança as organizará de um jeito próprio, e a interpretação que fará será traduzida pelas reações e a forma como lidará com o contexto.>
Diante da gama de informações, das sensações, das percepções experimentadas e dos possíveis desconfortos, nem sempre a criança possuirá todos os recursos e as ferramentas necessárias para compreender, interpretar e significar. Para que consiga atribuir sentido às suas experiências, lidar com seus sentimentos e atribuir significados para si, ela precisa de ajuda.>
Exatamente porque a vida é frequentemente desconcertante para a criança, ela precisa ainda mais ter a possibilidade de se entender neste mundo complexo com o qual deve aprender a lidar. Para ser bem--sucedida neste aspecto, a criança deve receber ajuda para que possa dar algum sentido coerente ao seu turbilhão de sentimentos. Necessita de ideias sobre a forma de colocar ordem na sua casa interior e, com base nisso, ser capaz de criar ordem na sua vida. (BETTELHEIM, 1980, p. 13).>
Cada criança irá lidar com o momento de forma diferente. É possível que ela represente elementos do contexto, de um modo simbólico, por exemplo, por meio de uma brincadeira de escolinha com bonecas e, isto, pode ser uma forma de organizar o seu próprio pensamento, a sua forma de internalizar uma informação ou trazer seus sentimentos à tona. Outra criança, por sua vez, pode reagir inconscientemente com expressões de choro, grito e/ou irritabilidade como demonstração do medo e da angústia. Outras delas podem perguntar, questionar coisas sobre o momento.>
O papel do adulto, nesse sentido, é fundamental para promover o acolhimento, a escuta, garantir a oportunidade de a criança falar sobre os seus sentimentos no momento em que emergirem: o medo, a tristeza, a ansiedade, a saudade, a angústia e a raiva.>
Falar sobre os sentimentos! É válido reconhecer os sentimentos genuínos, nomeá-los, estabelecer uma relação empática com a criança. Neste contexto, é notório que nas famílias pais e mães estão trabalhando em casa, dedicados a multitarefas e é importante considerar que, para que o adulto possa oferecer a escuta e o acolhimento à criança, antes sim, é fundamental que ele também possa se dar a oportunidade de perceber-se, de se escutar, identificar os seus sentimentos e falar também sobre eles. Reconhecer as dificuldades, os seus próprios limites, falar sobre isso em família, pensar em soluções bem como solicitar apoio e orientações à equipe de profissionais da escola podem ser algumas estratégias de enfrentamento.>
Os efeitos do distanciamento social são sentidos pelas crianças de forma diferente de um adulto. Elas nem sempre conseguem traduzir em palavras o que sentem. Diante de uma reação da criança em que seja perceptível, por exemplo, demonstrar estar inconformada ao falar com a avó por chamada de vídeo porque está com saudade, a perspectiva de abordagem pode ser direcionada a legitimar o sentimento da criança, um acolhimento que lhe transmita segurança, confiança e empatia, a sensação de ter com quem contar, uma abordagem que promova a reflexão, o pensar junto sobre e que lhe dê espaço ao potencial criativo e à possibilidade de resolução.>
Nesse exemplo, algumas possíveis formas de acolher poderiam ser: “A mamãe está percebendo que você ficou irritado ao falar com a vovó pelo celular. O que você sentiu? Você está com saudade da vovó? A mamãe entende e também está com muitas saudades da vovó. Por que será que nós não podemos ir à casa da vovó agora? Tudo bem se você não quiser falar deste jeito com a vovó. Que tal se a gente pensar em alguma ideia de como podemos diminuir a saudade da vovó neste momento? Será que escrever uma carta pra vovó pode ajudar? Você quer desenhar o tamanho da sua saudade para gente mostrar/enviar para a vovó?”.>
Por mais difícil e desconfortável que possa ser, é importante falar sobre o momento e tudo que a criança sente. Dialogar com ela e reconhecer se estiver sendo difícil a vivência, validar o que naturalmente se está sentindo, explicar de um modo lúdico, permitir a expressão por meio da fala, de perguntas, dos comportamentos, dos gestos, expressões corporais, brincadeiras, jogos, do desenho e da música. Evitar abordar esses sentimentos “para a criança não sofrer ainda mais” ou desenvolver estratégias compensatórias (do tipo “pode comer chocolate todos os dias”) porque “já está sendo difícil demais para ela” não contribuem para a criança compreender o que está vivenciando, sentindo e, portanto, não a auxiliará a desenvolver estratégias para lidar com o momento.>
O convite é para uma vivência da conexão, do acolhimento, do afeto, da escuta (inclusive de si mesmo) para além do ouvir, do sentir para além do agir/reagir, do encontro com as possibilidades, apesar das adversidades.>
Andréa Guedes é Psicóloga>
Opiniões e conceitos expressos são de responsabilidade dos autores>
Referências: BETTLLHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. PIAGET, J. O Nascimento da Inteligência na Criança. Lisboa Codex, Portugal, 1971.>