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Ronaldo Jacobina
Publicado em 16 de novembro de 2017 às 03:35
- Atualizado há 2 anos
O artista plástico Frans Krajcberg partiu ontem sem realizar seu maior sonho: o museu que deveria eternizar sua obra no sítio em Nova Viçosa, no extremo sul da Bahia, onde vivia desde o começo dos anos 1970. Em 2009, ele doou seu acervo, com mais de mil esculturas, ao governo do estado, com a contrapartida de que o então governador Jaques Wagner construiria naquelas terras quatro prédios que abrigariam sua rica obra artística.
De lá para cá foram oito anos de uma espera doída e de muita frustração para o artista polonês, que tem obras espalhadas pelos mais importantes museus do mundo, que não conseguiu, ironicamente, concretizar aqui, na terra que escolheu para viver, seu maior desejo.
Nos últimos anos, acompanhei a expectativa desse artista sensível e engajado com a questão ambiental desde que o termo sustentabilidade ainda era restrito a academia. Desde que assinou a escritura de doação de seu sítio ao governo, dormia e acordava sonhando com a fundação-museu. No dia 8 de abril, dias antes da sua última festa de aniversário, Krajcberg me confessou que aquela seria sua penúltima comemoração. “A próxima será a do meu centenário que espero seja junto com a inauguração do museu”, disse-me. Não deu tempo.
Nessa mesma data, conforme nota publicada na coluna que assino neste jornal, falei com o então secretário de Cultura, Jorge Portugal, sobre como andavam as tratativas para a implantação da fundação-museu e ele me respondeu, através de sua assessoria de imprensa, que estaria fazendo alguns ajustes e que daria uma boa notícia no dia da festa de comemoração dos 96 anos do artista.
A boa notícia, mais uma vez, não veio. A dúvida agora é: o que acontecerá com o acervo de mais mil obras doado ao estado da Bahia? Acervo esse que era disputado por museus de várias nacionalidades, mas que era aqui que deveria ficar. Primeiro pelo desejo do seu autor, depois porque sua obra, que inspirou diversos artistas ao redor do mundo e que foi vista e exposta nos mais importantes espaços de arte do planeta, é hoje um patrimônio da Bahia e que elevaria, ainda mais, a força da arte produzida aqui.
Mais que isso. Suas esculturas, feitas a partir de troncos e raízes de árvores recolhidas por Krajcberg nos incêndios que devastam áreas verdes para transformá-las em pastos, representam mais que um grito de socorro de um artista engajado nas causas ambientais. São o retrato do descompromisso dos nossos governantes com a preservação da natureza e, claro, com a arte.