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Da Redação
Publicado em 12 de abril de 2021 às 05:01
- Atualizado há 2 anos
Há um ano estamos em ensino remoto. São só 15 dias... mês que vem a gente volta... julho com certeza já vai ser presencial...e assim o tempo foi passando. Os professores se reinventaram para encontrar formas de chegar nas crianças, cartas, blocos de atividades, videochamadas, plataformas diversas. Nunca paramos! Viramos digitadores, editores de vídeo, artistas e muitas outras coisas. Começamos a dar aula para a família toda, pais, irmão, cachorros, gatos. Participamos da vida íntima das famílias e dividimos com elas também um pouco da nossa. Eu, que tenho dois filhos pequenos, muitas vezes tive minha aula interrompida por um conflito entre eles, por um cocô, por um choro… e assim seguimos enfrentando o turbilhão que foi 2020. As crianças foram se adaptando como podiam a tudo isso, umas mais outras menos, nós também! A verdade é que no fundo a gente olhava para aquela loucura toda e tinha uma ideia fantasiosa de que quando o ano acabasse tudo seria diferente! Como se em um passe de mágica, na virada do dia 31 tudo fosse mudar... hoje penso que essa talvez tenha sido uma estratégia de sobrevivência. Já pensou ter enfrentado aquilo tudo sabendo que íamos completar um ano na situação que estamos agora? Talvez não tivéssemos aguentado!
Então começamos um novo ano letivo, e ainda no ensino remoto. Como receber as crianças? Como fazer a adaptação? Como vou conseguir me vincular sem estar fisicamente perto desse grupo que mal conheço? Logo eu que sou do abraço, como vou fazer isso? Foi um início de ano bastante desafiador.
Ano passado eu tentava o tempo todo criar de alguma forma o ambiente da escola presencial, com algumas falas, alguns marcos da rotina, do jeito que eu conseguia. Uma vez enquanto eu explicava a atividade de casa eu falei assim:
- Então crianças, em casa vocês vão fazer essa atividade. E um aluno me interrompeu:
- Jô, não faz sentido você falar isso...atividade de sala, atividade de casa...a gente já está em casa. A gente tá em casa agora. Toda atividade é de casa.
E então, meio como Pollyanna, eu deixava claro para mim e para eles o meu jogo do contente:
- Você tá em casa? Eu não! Eu estou na Lua Nova! Só vou para casa quando acabar aqui! Enquanto eu estou aqui com vocês eu estou na Lua Nova.
E eles ficaram um tempo tentando me convencer que isso não era verdade. Trouxeram vários fatos para contestar aquela informação: meus filhos que apareciam no meio da aula, o meu cenário de fundo, a casa deles... e eu ali firme no meu faz de conta! Tão firme, que aos poucos alguns deles resolveram brincar também! Até engarrafamento a gente pegava as vezes pra chegar na aula.
E 2021 chegou, e um novo faz de conta começava. Dessa vez, percebi que seria mais desafiador essa brincadeira. Já tinha muito tempo sem contato físico com a escola, esse grupo não me conhecia pessoalmente como professora deles. A semana de adaptação aconteceu com muitas brincadeiras e conversas! Eles chegaram desejando interação, isso ajudou nesse processo. Fizemos um baile de carnaval, com direito a cenário, fantasia e confete (acho que até hoje tem confete pelos cantos do escritório aqui)! Foi maravilhoso! Percebi que as crianças estavam demandando afetos, memórias relacionadas à escola, e momentos de cuidado. Estava ainda muito confuso na minha cabeça como fazer isso, até que uma mãe me deu a dica: trazer para o remoto coisas que aconteciam no presencial, como o baile de carnaval por exemplo! Era isso. O que do presencial podíamos trazer? História com pipoca, lanche coletivo, brincadeiras... fui colocando essa situações na nossa rotina. Então, numa reunião surgiu a ideia do sino para voltar do intervalo! Ah, quantas memórias afetivas o sino tinha! Antes de acabar a reunião eu já tinha encomendado um sino no mercado livre (ansiosa eu? Imagina).
No intervalo, tenho incentivado que as crianças saiam da tela, levantem, conversem com alguém em casa, façam um lanche, e falo: - Oh, vou fechar a sala, viu? (como fazíamos na escola, e hoje uma criança disse para outra: a sala tá fechada! Só quando tocar o sino! rs). No dia seguinte à reunião do sino, ainda sem o sino oficial, improvisei usando um som da internet. Com a câmera fechada, abri o microfone e liguei o som. Deveria ter filmado a reação de algumas crianças... rapidamente elas identificaram e logo uma gritou: - O sino!. Agora tenho um ajudante na aula, que adora tocar o sino, e sempre toca na volta dos intervalos. Outro dia uma criança disse: -Eu gosto de ouvir o sino!. Não é só o sino, é lembrar de Carlos, é lembrar do momento do parque, é se conectar com essas vivências. Mais do que nunca precisamos embarcar no faz de conta para ajudar as crianças a passarem por isso de maneira mais saudável. Assisti a um vídeo do psicólogo Alessandro Marimpietri em que ele falava que a escola antes de tudo tem de ser lugar promotor de saúde! É isso! Neste momento, mais do que nunca, não é só investir no pedagógico, é também cuidar de outros aspectos. Preciso confessar uma coisa antes de terminar, esse faz de conta não é só para eles, é pra mim também! Ah, tá bom...é muito pra mim também!
Joana Trigo é professora