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Waldeck Ornelas
Publicado em 5 de setembro de 2017 às 15:36
- Atualizado há 2 anos
Tendo por base o grave, trágico e lamentável acidente ocorrido com uma das lanchas da tradicional travessia Salvador-Mar Grande (Vera Cruz), volta a ganhar impulso (FSP, 2/9), como solução alternativa e milagrosa, a implantação da ponte Salvador-Itaparica. Mas o penoso acidente que levou à morte de 19 pessoas e vitimou mais de uma centena não deve servir de “cortina de fumaça” para a promoção de uma proposta que há anos se arrasta sem conseguir ficar de pé.
O primeiro dever das autoridades é apurar com rigor o ocorrido, punir os responsáveis, mas também estabelecer as bases para que essa rota de transporte marítimo de passageiros – há décadas incorporada ao sistema metropolitano de transporte – seja oferecida com segurança e conforto aos seus usuários. Em vez de usar o triste acidente para sinalizar com a sua extinção futura, o que precisa é aperfeiçoar a sua exploração, modernizando as embarcações, os terminais e o serviço.
Quem tem a sorte de dispor de uma das maiores e mais belas baías do mundo – a de Todos os Santos – não pode se dar ao luxo de desprezá-la como meio de transporte, lazer e turismo, nem tampouco negligenciá-la do ponto de vista ambiental, histórico e cultural. A simples contemplação dessa dádiva da natureza já mobiliza diariamente milhares de cidadãos metropolitanos.
Quanto à ponte, com seus 12 km de extensão e custo inicial de R$ 6 bilhões, é preciso aprofundar a análise de sua viabilidade e avaliar a sua real e efetiva relevância. É claro que não há dúvidas quanto à capacidade da engenharia de realizá-la. Mas persistem ainda grandes incógnitas em relação a seus aspectos físicos, ambientais, urbanos e econômicos.
É certo que a ponte por si só não se justifica. Mas antes de examinar a ponte em si, é preciso discutir o seu significado. Todos sabemos que a Região Metropolitana de Salvador é fortemente marcada pela primazia da nossa capital, que concentra nada menos que três quartos da população metropolitana, mesmo depois da incorporação de novos municípios à RMS. Aqui não se desenvolveu um “ABC” baiano, a exemplo de São Paulo, onde as cidades limítrofes à capital tornaram-se prósperos centros urbanos. Mesmo considerando todo o estado da Bahia, a forte primazia de Salvador contracena com a falta de cidades médias capazes de impulsionar o desenvolvimento de suas regiões. É esse o modelo de desenvolvimento que se quer perpetuar?
Este seria o resultado do chamado Sistema Viário Oeste, necessário tramo rodoviário acrescido à ponte para tentar dar ao projeto alguma significação econômica. Mas vale a Bahia persistir na luta pela implantação da Fiol, a Ferrovia de Integração Leste-Oeste, e do Porto Sul, para desconcentrar o desenvolvimento do stado, desde que a sua articulação com a Ferrovia Norte-Sul não se dê em Figueirópolis, no Tocantins, mas em Campinorte, no estado de Goiás, permitindo sua articulação com a Fico, a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, trazendo para portos baianos – e não levar para o Porto do Açu, no Rio de Janeiro, como está projetado – parte significativa das cargas oriundas do cerrado brasileiro.
Nos anos recentes, a Bahia tem perdido importantes posições no ranking estadual do desenvolvimento: em âmbito nacional, despencamos do quinto para o sétimo lugar – fomos ultrapassados por Santa Catarina e pelo Distrito Federal; no Nordeste, embora permaneçamos em primeiro lugar – tão larga era a nossa liderança – temos perdido preciosos pontos percentuais. Tudo isso porque não foram mantidos o ritmo de crescimento e a expansão econômica do último quarto do século passado. Em matéria de desenvolvimento, a Bahia vem andando para trás.
Não vamos ficar aqui brincando de fazer ponte. Um mero diversionismo. Mas vale começar a refletir sobre a retomada do desenvolvimento da Bahia. Esta sim, uma tarefa para o governo, a academia e a sociedade.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional e ex-secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia da Bahia.