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Bruno Wendel
Publicado em 14 de outubro de 2024 às 05:00
A ausência de ações efetivas de melhoria nas comunidades periféricas no entorno do Colégio Estadual Rubén Dario, na Avenida San Martin, é um dos principais fatores que contribuiu para as mortes dos 116 alunos da unidade de ensino durante os últimos dez anos em Salvador. “A falta de lazer, cultura, renda e educação contribuem para que o jovem fique mais vulnerável ao assédio das organizações criminosas”, diz o especializa em Segurança Pública, o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Luiz Cláudio Lourenço, sobre o “Arquivo Morto”, série do CORREIO, que apontou a situação, ao mostrar que colégio mantém numa sala, as pastas de todos esses estudantes que morreram na guerra do tráfico.
“Acho que é muito mais o tipo de proposta para tentar solucionar esse tipo de atividade delituosa que contribui para a violência. Quando você tem um mercado ilegal fragmentado, como o de Salvador, com vários grupos que competem entre si, e a polícia atuando também de forma violenta e intensa, isso movimenta uma espécie de bang bang, ou seja, um conflito diário, que acaba criando um círculo vicioso de violência", pontua Lourenço, que é um dos coordenadores do Laboratório de Estudos sobre Crimes e Sociedade (Lassos) da UFBA.
As matérias abordaram que o acervo, que contém a trágica história desses jovens com idades entre 14 e 20 anos, está em um vídeo institucional, feito por estudantes em 2023, por meio de um projeto da Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre). A gravação tem quase 15 minutos e traz o olhar da comunidade do Rubén Dario diante dos conflitos armados em seus arredores. A unidade, onde estudam jovens do Ensino Fundamental II, está na Avenida San Martin, uma das mais movimentadas de Salvador e corta os bairros de São Caetano, Fazenda Grande, Fazenda Grande do Retiro, Santa Mônica e Curuzu – todos territórios conflagrados, disputados pelas duas maiores organizações criminosas em atuação na Bahia: o Bonde do Maluco (BDM) e o Comando Vermelho (CV).
Dentre as capitais brasileiras, Salvador liderou com a taxa de 66,4 homicídios estimados por 100 mil habitantes em 2022 (dados do Atlas da Violência 2024). “ Hoje, uma das maiores facções criminosas presente no país atua em São Paulo e as taxas de criminalidade são muito menores que Salvador, proporcionalmente, em números relativos mesmo. Então, não dá para afirmar que a presença do tráfico de drogas e as facções são a única variável explicativa das dinâmicas da violência que existe na capital baiana”, pontua o especialista.
Segundo dados do Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS/2020), de 29.186 casos de homicídios ocorridos no Brasil no espaço público em 2017, 17.366 eram de jovens na faixa etária de 15 a 29 anos. Desse total, 16.622 eram do sexo masculino, sendo 81% de cor negra e parda, em sua maioria, residentes de áreas pobres, situadas nas periferias e regiões metropolitanas das cidades. “O jovem nego periférico hoje, que tem muitas vezes oportunidades limitadas, ao longo do tempo, passou a ser a face do suspeito, no caso da atividade policial, e passou a ser facilmente um alvo para a cooptação das organizações criminosas, justamente por não ter tantos atrativos assim para permanecer, dentro desse caminho do mundo do trabalho, do acesso à educação, a qual outros tipos de perfil nas cidades, especialmente salvador”, declara Lourenço.
O especialista aponta soluções para a questão da violência urbana. Segundo ele, além de ofertar mais possibilidades de acesso à cultura, laser, esporte, renda, educação, “esse tipo de possibilidade realmente impacta na vida do jovem e faz com que ele seja menos vulnerável a esse tipo de violência”, é necessário rever as ações que o Estado chama de “guerra às drogas”. “Em contrapartida, a diminuição de uma política de segurança simplesmente voltada para armas, viaturas, força física e uma guerra militarizada. Isso, eu acho que não é a resposta. Já foi provado, ao longo das últimas décadas, que esse caminho só levou a mais violência e a mais sangue”, declara.
Podcast
A entrevista completa com o especialista em Segurança Pública, professor Luiz Cláudio Lourenço, está no podcast “Arquivo Morto”, que o CORREIO lança hoje. O conteúdo de áudio digital vai mergulhar no caso das 116 pastas de estudantes do Ruben Dário, prova de parte do reflexo da insegurança de jovens das periferias de Salvador.
O trabalho traz depoimentos fortes, como o de uma mãe de um dos 116 alunos do Colégio Estadual Rubén Dario, que fazem parte do “arquivo morto” da unidade. “É uma dor que nunca cura”, diz ela, sobre a dor latente, que a faz lembrar todos os dias que o filho morreu pelas mãos da polícia. “O sistema não quer saber se é dependente químico, se ele tem mãe, se ele tem pai, se tem um irmão ou uma irmã. Que trabalho é esse?”, desabafa, ao mesmo tempo, em que questiona o trabalho das forças de segurança.
O Arquivo Morto traz também a visão do corpo docente. O então diretor do colégio na época, Antônio Pimenta, conta como é conviver diariamente com essa dura realidade, sem muito o que fazer, pois os alunos não eram problemas dentro do colégio. Alguns até bons alunos, mas quando cruzavam os portões do Rubén Dario, eram temidos pela comunidade e caçados por grupos rivais e pela polícia. “Aqui mesmo, essa pasta aqui, uma pasta pesada, não foi somente ele, ele mais os dois irmãos. Três pessoas de uma família representadas em uma única pasta. Meninas também”, conta Pimenta.
Um outro professor que está no podcast é Eduardo Marques, que dá aula de História. Em entrevista, ela conta que, durante os cinco anos que ensina no Rubén Dário, já perdeu pelo menos quatro alunos para a guerra do tráfico. “Eu tive um aluno que ia fazer o teste da segunda chamada numa quarta-feira, morreu na terça”, declara Marques.
E como é o clima entre os alunos diante de tudo isso? Como é ligar com a perda dos colegas? Este olhar também é abordado podcast. “É uma violência atrás da outra, é morte atrás da outra. Eu estudo em uma escola em que todo dia eu ouço falar que um estudante morreu por conta de tiro, por conta de briga, por conta de facção”, diz a jovem Márcia Verônica, quando aluna do Rubén Dario.
O Podcast Arquivo Morto é uma produção do Jornal CORREIO que se baseia e possui trechos de uma série de reportagens de mesmo nome realizadas por Bruno Wendel e tem o roteiro de Arthur Max e revisão e narração de Jorge Gauthier.