Conheça dez livros que falam sobre o fim do mundo
Clássicos literários - ou nem tanto - tratam de cenários próximos ao da pandemia atual
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Kátia Borges
katiamacces@gmail.com
Desde março, todas as conversas giram em torno de uma interrogação. Quem poderia imaginar que passaríamos por uma coisa dessas? Para tentar responder, recorremos a livros de ficção e não-ficção com cenários semelhantes, análises da peste bubônica e da gripe espanhola, perspectivas de futuro e até previsões bíblicas. O saldo da busca por relatos sobre pragas mundiais e o fim do mundo tem sido o resgate de obras que haviam passado batido ou caído no esquecimento, a despeito do valor literário. Entre os resgatados do momento estão A Peste, de Albert Camus, e Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, ambos transformados em best-sellers na Europa após o começo da pandemia de covid-19, de acordo com a BBC. No extremo oposto, também ganharam reedições títulos quase obscuros como A Realidade de Madhu, de Melissa Tobias, e O Fim dos Dias, escrito pela médium Sylvia Browne. No mesmo ritmo, cientistas e jornalistas viram as vendas de seus livros, e o acesso a suas publicações, multiplicarem-se em milhões. Um dos trabalhos mais novos desse “gênero” é The End of October, romance escrito pelo vencedor do Pulitzer Lawrence Wright, ainda sem versão em português. Selecionamos dez títulos que figuram entre os mais comentados dos últimos tempos (desculpem a ironia):
A Peste (Record, 288 p, R$ 40) Lançado em 1947, o romance de Albert Camus tem como narrador um médico que enfrenta uma epidemia em uma cidade mediterrânea. Com estilo inconfundível, descreve as transformações provocadas pelo vírus, reações orquestradas pelo crescimento do número de mortos: descrença, desinformação, desespero, acomodação resignada e, por fim, a liberação dos sobreviventes (sem que haja necessariamente uma redenção). Entre seus personagens, há aproveitadores covardes, místicos e heróis. Tal semelhança com o que vivemos hoje dispensa maiores explicações sobre a grande procura pelo livro. Mas lembramos que A Peste foi escrito no pós-guerra e é, sobretudo, uma metáfora sobre a fragilidade da espécie humana. Uma curiosidade é que sua epígrafe foi retirada de Um Diário do Ano da Peste, de Daniel Defoe.
Um Diário do Ano da Peste (Artes e Ofícios, 288 p, R$ 36) Não é de estranhar que Albert Camus tenha buscado a epígrafe do romance A Peste no texto quase jornalístico de Daniel Defoe. Este livro é baseado nas anotações supostamente deixadas pelo tio do escritor, Henry, que teria vivenciado de perto as tragédias públicas e privadas causadas pela pandemia que devastou Londres durante um ano e meio, no século XVII, deixando mais de 70 mil mortos. Defoe construiu uma narrativa de não-ficção quase perfeita – já que deixa dúvidas quanto à autenticidade de uma das fontes –, aliando ao relato de Henry dados compilados em uma extensa pesquisa sobre os costumes da época. Lançado em 1722, mais de meio século após a pandemia de 1665, quando o autor já havia criado o clássico Robinson Crusoé, traça um retrato genuíno da lucidez e da loucura humanas, esses dois extremos que se tocam em situações-limite.
Ensaio Sobre a Cegueira (Cia. Das Letras, 312 p, R$ 39) Situações-limite também são o tema central deste livro de José Saramago, lançado em 1995, e um dos mais vendidos nos últimos quatro meses. Após uma longa trajetória de sucesso em sua época – foi traduzido para diversas línguas –, o romance ganhou versão cinematográfica, em 2008, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles. Na trama, uma epidemia de cegueira, provocada por uma misteriosa infecção, atinge subitamente a população de uma cidade, evoluindo sem remédio ou cura, até que as pessoas se transformam em ferozes sobreviventes de uma tragédia, em confronto por coisas básicas e em um território devastado. O autor não engana o leitor, muito ao contrário, confessa que seu desejo é compartilhar o sofrimento experimentado durante o processo de escrita de um texto que considera “francamente terrível”.
O Amor nos Tempos do Cólera (Record, 432 p, R$ 59) Muita gente se engana com esse livro. Só depois da leitura de suas mais de 400 páginas, entende-se que ele não é exatamente sobre encontros. Embora seja, sim, sobre amor. Gabriel García Márquez lança ao leitor, desde o primeiro capítulo, e em uma narrativa não-linear, o desafio de acompanhar as idas e vindas dos personagens Florentino Ariza, Fermina Daza e Juvenal Urbino, que formam uma espécie de triângulo amoroso platônico. Ao longo de 59 anos, nove meses e quatro dias, Florentino aguarda por Fermina, só conseguindo pedir sua mão em casamento após a morte de Urbino, médico que se tornou herói no combate ao surto de cólera ocorrido no século XIX na Colômbia. Não foi apenas a epidemia, que dizimou parte da população, que separou os amantes. Na arquitetura dos sentimentos, assim como no céu católico, há muitas moradas.
Os Olhos da Escuridão (Citadel, 272 p, R$ 30) Com a pandemia de 2020, o burburinho em torno de livros de ficção que teriam supostamente previsto o surto foi enorme e resgatou do limbo este romance do americano Dean Koontz publicado originalmente em 1981. A narrativa segue a linha que seria adotada posteriormente pelo autor e que lhe garantiu grande sucesso de vendas – basicamente, histórias de suspense policial e de horror. O que atraiu milhares de leitores, nesse caso, foram algumas coincidências na trama paralela, como por exemplo a existência do vírus Wuhan-400, arma biológica produzida em um laboratório chinês. O próprio Koontz tem negado qualquer inspiração profética em sua obra. Aliás, o vírus sequer possuía esse nome na primeira edição, sendo chamado então de Gorki-400. Essa mudança só se daria na segunda edição e em função de conotações políticas.
A Realidade de Madhu (Novo Século, 280 p, R$ 30) A paulista Melissa Tobias também nega a existência de qualquer caráter premonitório em seu primeiro livro, que foi editado em 2014 de forma independente e, inicialmente, só lhe rendeu dívidas. Relançado à toque de caixa pela Novo Século este ano, o romance já virou best-seller. A reviravolta na vida da autora aconteceu por conta de um pequeno trecho, no qual a personagem Tarala conta à protagonista, Madhu, sobre uma pandemia viral psicossomática que, no ano de 2020, teria dizimado três milhões de pessoas na Terra. Escrita em 2013, a ficção científica foi inspirada nos escritos deixados pelo médium Chico Xavier sobre as mudanças espirituais que ocorreriam em 2019 no planeta. No mês passado, pela mesma editora, Melissa lançou 3338 – A revolução cibernética, que mostra a vida numa sociedade robótica, após a 5ª Guerra Mundial.
A Dança da Morte (Suma Books, 1.248 p, R$ 75,81) Há pelo menos dois livros nos quais Stephen King, supostamente, previu tragédias contemporâneas, A Dança da Morte (1978) e A Zona Morta (1979). O primeiro teria antecipado a covid-19; o segundo, a ascensão de Donald Trump. Em seu longuíssimo romance “pandêmico” (mais de 1.200 páginas), o autor se inspirou confessadamente em Só a Terra Permanece, de George R. Stewart, clássico de sci-fi publicado em 1949, ambientado em um mundo pós-pandemia, completamente devastado. Na trama de King, um vírus produzido em laboratório, por um erro no sistema de defesa, ganha o mundo e dizima quase toda a população do planeta, devido a uma taxa de letalidade de 95%. Apesar desse cenário nada animador, o escritor fez questão de vir à público acalmar seus leitores e avisar que a realidade não se compara em nada à ficção.
Fim dos Tempos (Prumo Editorial, 255 p, R$ 99) Entre a ficção e a realidade, a médium americana Sylvia Browne, morta em 2013, também teve as vendas de um de seus livros turbinada por uma profecia diretamente relacionada à pandemia do no coronavírus. Mesmo sendo uma figura controversa, acusada de golpes e de errar previsões, Browne ainda participava de programas de rádio e TV e era consultada por várias celebridades, incluindo Kim Kardashian. E foi justamente a socialite-influencer quem viralizou nas redes sociais o trecho de Fim dos Tempos em que ela vaticina que, em 2020, ocorreria uma pneumonia viral sem qualquer tratamento possível. A reedição logo foi providenciada, logicamente, e o título alcançou rapidamente os primeiros lugares em todas as listas da Amazon. Resta saber agora se, de fato, o vírus desaparecerá inesperadamente, conforme a sensitiva previu.
A Grande Gripe (Intrínseca, 628 p, R$ 60) Além de títulos contendo previsões, falsas ou não, sobre o aparecimento da covid-19 e de romances ambientados em cenários de (e pós) pandemia, os editores têm apostado também no interesse dos leitores brasileiros pelas pesquisas produzidas por cientistas e historiadores de todo o mundo. Sistematizando relatos e estatísticas, esses trabalhos oferecem parâmetros mais realistas sobre a tragédia que atravessamos. Um exemplo é o panorama histórico da gripe espanhola de 1918, traçado pelo professor americano John M. Barry neste livro, publicado originalmente há 16 anos e premiado pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Lançada em maio no Brasil, a edição em português já ocupa os primeiros lugares na maioria dos rankings de livros mais vendidos do ano e é considerada uma obra de referência. A História da Humanidade Contada pelos Vírus (Contexto, 206 p, R$ 32) Mestre em doenças infecciosas e parasitárias pela Universidade Federal de São Paulo, Stefan Cunha Ujvari tem títulos dedicados à microbiologia publicados e pelo menos dois deles ganharam maior destaque este ano: Pandemias: a Humanidade em Risco (2011) e A História da Humanidade Contada pelos Vírus (2012). Com linguagem simples e clara, embora nada superficial, o médico do hospital alemão Oswaldo Cruz aborda, neste segundo livro, a perigosa relação de proximidade entre vírus, bactérias, parasitas e seres humanos desde a pré-história, passando pelos grandes surtos históricos e os anos 2000, que deverá, segundo o autor, tornar-se conhecido como “o século do genoma”, por ser um período no qual o debate sobre DNA e RNA ascende e eleva a Ciência à posição de protagonista, até mesmo em programas populares de televisão.