Jogos de azar são problema de saúde pública: saiba por que as bets viciam
Estudo mostra que eles causam mais prejuízos do que se pensava e que pouco tem sido feito para mitigar seus danos
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Agência Einstein
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Os jogos de azar são um problema de saúde pública, alerta um artigo recém-publicado pela comissão de saúde pública do Lancet Public Health, integrada por cientistas de vários países e instituições. O artigo chama a atenção para a rápida expansão desses jogos, ressaltando que eles causam mais prejuízos do que se pensava e que pouco tem sido feito para mitigar seus danos.
Jogos de azar, incluindo cassinos e apostas online, estão associados a uma série de prejuízos não só para o indivíduo, mas também para as famílias e a sociedade. Além das perdas financeiras, eles podem prejudicar o trabalho, as relações interpessoais, ter efeitos na saúde e até levar a crimes. Para piorar, os jogos online são cada vez mais acessíveis por meio de aplicativos de celulares ou sites no computador, sem a necessidade do deslocamento físico a uma casa de jogos ou apostas.
“Quando se instala um padrão de dependência, há diversos impactos no funcionamento psicossocial e na saúde física e mental. Indivíduos com o transtorno de jogo [jogo patológico] podem colocar em risco relacionamentos importantes com familiares ou amigos, levando até a violência doméstica ou a ruptura familiar em alguns casos”, diz o psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Segundo a revisão publicada no Lancet, conduzida por pesquisadores de vários países, 46,2% dos adultos e 17,9% dos adolescentes no mundo participaram de algum tipo de jogo de aposta no ano anterior, sendo que 10,3% dos adolescentes jogaram online. Estima-se que esses jogos cheguem a 15,8% dos adultos e a um em cada quatro (26,4%) adolescentes que jogam na internet.
A análise também aponta que 8,9% adultos e 16,3% adolescentes fazem apostas esportivas. Esses números equivalem a 448,7 milhões de adultos jogando. Desses, 80 milhões apresentam problemas.
Por que as bets viciam?
Esses jogos são projetados para serem rápidos e intensos, provocando uma experiência de satisfação passageira. Eles ativam o sistema de recompensa do cérebro, que está ligado à liberação de dopamina, um neurotransmissor que gera sensações de prazer. “Quando uma pessoa aposta e ganha, essa liberação de dopamina gera uma sensação de prazer e recompensa que incentiva a repetir o comportamento”, explica Kanomata. “Mas mesmo em situações de perda, o cérebro mantém a expectativa de que pode ganhar no próximo jogo. A mecânica por trás acaba por incentivar o engajamento repetido e contínuo.”
Além disso, o mecanismo faz com que os jogadores tenham a ilusão de controle e acreditem poder influenciar o resultado. Segundo o psiquiatra, as situações em que a pessoa “quase ganha” geram a expectativa de que uma vitória está próxima, incentivando-a a continuar. Trata-se de um sistema de reforço intermitente, ou seja, recompensas que ocorrem em intervalos aleatórios e imprevisíveis. “Esse tipo de reforço é mais eficaz em promover o comportamento repetitivo, pois o jogador nunca sabe quando vai ganhar e, assim, é impulsionado a continuar tentando para buscar essa recompensa incerta”, diz.
Por fim, o jogo também pode ser uma válvula de escape para estresse, ansiedade ou outros problemas emocionais, provocando um alívio imediato para sentimentos e sensações ruins. Por isso, o jogar patológico pode estar associado a outros problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade, ideação suicida e transtornos relacionados ao uso de álcool, tabaco e outras drogas.
“O vício em jogos envolve, assim como na dependência química, um conjunto de fatores psicológicos, biológicos e sociais que contribuem para a dificuldade de alguns indivíduos de controlarem o impulso de jogar, mesmo frente a perdas financeiras, emocionais e sociais”, explica o médico.
Nesse sentido, o artigo do Lancet traz várias recomendações, como a necessidade de monitorar os danos; desenvolver políticas públicas focadas em proteger saúde e bem-estar, com maior regulamentação dos jogos em todos os países e formas de reduzir a exposição e a disponibilidade em geral; além de mais acesso ao tratamento e a mecanismos de proteção para crianças e adolescentes.
Quem tem mais risco de desenvolver o vício
Segundo Kanomata, é difícil determinar o nível de risco individual para o vício em apostas, assim como acontece com o álcool e as drogas. Nem todas as pessoas que apostam vão desenvolver um problema, mas alguns aspectos aumentam a probabilidade de desenvolver o vício. “Embora a maioria das pessoas possa apostar uma vez e parar, há sempre o risco de que a experiência inicial crie uma sensação prazerosa que, para alguns, pode ser difícil de resistir”, alerta.
Assim como na dependência de substâncias, quem tem fatores genéticos e história familiar de problemas com jogos de azar ou dependência química tem maior risco de se viciar. Além disso, características de personalidade mais impulsivas ou aquelas que são naturalmente mais propensas a buscar emoções intensas (chamados de “buscadores de sensações”) podem ser mais suscetíveis ao vício.
Como detectar quando a pessoa tem um transtorno?
De modo geral, o transtorno do jogo desenvolve-se ao longo de anos, com aumento gradual tanto da frequência quanto do valor das apostas. “As modificações no sistema nervoso central, especialmente no circuito de recompensa no cérebro, que leva a uma busca constante por essa sensação de prazer, são semelhantes às causadas por drogas. Portanto, controlar ou abandonar o hábito de jogar tende a ser um grande desafio.”
É preciso observar sinais comportamentais, emocionais e financeiros que indicam se a pessoa perdeu o controle:
• Pode ocorrer um padrão de “recuperar as perdas”, acompanhado da necessidade urgente de continuar jogando (até tomando maiores riscos) a fim de compensar o que perdeu;
• Mentir para familiares, amigos ou outras pessoas para esconder a extensão de seu envolvimento e comportamentos ilícitos, como falsificação, fraude, roubo ou estelionato para a obtenção de dinheiro;
• Também vale ficar atento quando há negação, superstições, sentimentos de controle sobre os resultados e excesso de confiança;
• Mesmo que o indivíduo reconheça o problema, o estigma social, a vergonha e a falta de acesso a serviços de saúde podem dificultar o início e a continuidade do tratamento.
Como jogar sem risco?
O mecanismo dos jogos é de repetição, então é importante estabelecer limites com relação ao tempo e o dinheiro a ser gasto nessa atividade. Também vale estipular períodos sem apostas para evitar que vire um hábito.
“É importante ter consciência do risco de perdas, principalmente porque muitos jogos são desenhados para obter e maximizar lucros. Assim, devem ser encarados como uma forma de entretenimento, e não como uma maneira de ganhar dinheiro e muito menos tentar recuperar o dinheiro com apostas adicionais”, orienta o psiquiatra do Einstein.