Surto: casos de dengue aumentam 773% em Salvador e 55% na BA
Clima quente e úmido favorece a proliferação do mosquito transmissor
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Da Redação
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A cidade de Salvador e o estado da Bahia encaram mais um surto de dengue. Entre janeiro e março deste ano, a capital baiana registrou 1.066 casos da doença, o que representa um aumento de 773% em relação ao mesmo período do ano passado - quando 122 casos foram notificados. No estado, a situação também é grave: foram 9.925 casos de dengue em dois meses e um aumento de 55% em relação ao ano anterior. Ao menos 36 municípios baianos estão em situação de epidemia.
Os surtos de dengue ocorrem quando as condições climáticas são favoráveis para a proliferação do mosquito que transmite a doença, o Aedes aegypti. É de praxe que os casos aumentem em Salvador entre março e abril, quando o clima está quente e úmido. Mas não é só isso. Especialistas ouvidos pela reportagem analisam que a pandemia influenciou o crescimento considerável de pessoas doentes.
Durante mais de dois anos, pouco se falou sobre as arboviroses - doenças causadas por vírus transmitidos por mosquitos. A atenção da sociedade e dos governantes estava voltada para a disseminação da covid-19 e campanhas contra doenças transmitidas pelo Aedes não tiveram o impacto necessário para evitar mais um surto, analisa o virologista e pesquisador Gúbio Soares. “Todos os agentes de saúde estavam voltados para a pandemia, não se podia visitar as casas das pessoas e as campanhas foram praticamente suspensas. Durante dois anos houve uma proliferação excessiva do mosquito”, pontua.Apesar do descuido, o fator climático tem um peso importante. Os distritos sanitários do Subúrbio Ferroviário, Pau da Lima e Cabula/Beiru são os que historicamente registram mais casos da doença. “Salvador e a Bahia como um todo estão tendo altas temperaturas com chuvas em algumas regiões. O calor intenso e o acúmulo de água favorecem a proliferação dos mosquitos”, completa.
Os dados divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS) e Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), dizem respeito aos casos prováveis da doença. Isso significa que são pessoas que tiveram os sintomas compatíveis, mas não houve confirmação laboratorial.
Estado Na Bahia, entre o primeiro dia do ano e 11 de março, foram notificados mais de 9,9 mil casos prováveis. No mesmo período do ano passado, haviam sido 6.371. Duas mortes foram registradas e o coeficiente de incidência (CI) é de 67 doentes a cada 100 mil habitantes. As cidades que possuem mais notificações de dengue proporcionais ao número de moradores são: Vereda (148), Lençóis (250), Piripá (218), Itapé (164) e Ibipitanga (255).
Como o período mais quente e chuvoso do ano vai continuar até abril, especialistas concordam que o número de casos deve crescer, especialmente se medidas de controle não forem colocadas em prática. Atualmente, 900 agentes comunitários de Salvador atuam na visita de casas e monitoramento de água parada.
O ritmo frenético de contaminação de dengue não é restrito à Bahia. Entre janeiro e fevereiro, o Brasil registrou 160 mil casos - um aumento de 46% em relação ao mesmo período de 2022.
A cidade de Espírito Santo registrou ao menos nove mortes em decorrência da dengue, em Minas Gerais foram seis. Rondônia registrou mais de mil pacientes confirmados em janeiro, 40% a mais que em todo o ano passado.
Sintomas Morador de Feira de Santana, Arthur Matos, 23, foi à emergência de um hospital na cidade na última quarta-feira (15) quando começou a ter os primeiros sintomas de dengue. “Tive febre alta, minhas pernas e costas doíam muito. Também tive muita dor no olho, como se alguém estivesse apertando. A dor de cabeça também não passava com nenhum remédio”, conta.
Mesmo com todos os indicativos, o médico que o consultou pediu que ele retornasse após seis dias de sintomas para que um exame de sangue crave se Arthur de fato está com dengue. Enquanto isso, ele toma remédio para conter os sintomas.
A dengue pode evoluir para casos graves, por isso, é importante ficar atento aos sinais e procurar um médico logo nos primeiros dias de sintomas. “Normalmente as arboviroses causam febre, fraqueza e dor de cabeça. A zika dá um quadro menos intenso e com manchas no corpo. A característica principal da Chikungunya é muitas dores no corpo”, especifica Gúbio Soares.
Zika e Chikungunya Assim como a dengue, os casos de zika também crescem e em ritmo ainda mais acelerado. Já são 332 registros da doença no estado neste ano, contra 182 no mesmo período de 2022. O incremento é de 82%. Segundo a secretaria estadual de Saúde, 42 municípios baianos realizaram notificações para o agravo da doença. Piripá, Itapé e Ituberá são as cidades com mais casos registrados.
“O ideal seria que o estado não tivesse nenhum caso de zika porque é muito perigoso para a população, principalmente para mulheres grávidas e que planejam engravidar. Não sabemos a intensidade da circulação em Salvador”, analisa Gúbio Soares, que é o descobridor do vírus no Brasil. Em 2015, houve uma explosão de casos de microcefalia em crianças associadas ao zika vírus.
Na contramão da curva ascendente, outra doença transmitida pelo Aedes aegypti registra diminuição de casos na Bahia. Entre 1º de janeiro e 11 de março, foram notificados 3.769 casos de chikungunya. O número representa uma diminuição de 25% em comparação com o ano passado, quando 5.839 registros foram feitos no mesmo período.
Mas se o mesmo tipo de mosquito é responsável pela transmissão dos três vírus, como é possível que uma das doenças esteja em queda enquanto outras crescem em incidência?
Apesar de não haver resposta definitiva para essa pergunta, estudos indicam que o cenário por ter ligação com a imunidade da população. As doenças virais se espalham com mais facilidade onde os moradores não estão imunes, como lembra Viviane Boaventura, pesquisadora da Fiocruz Bahia e professora da Faculdade de Medicina da Ufba.
“A chikungunya parece conferir uma proteção mais duradoura, com anticorpos circulando por longo período após a infecção. Assim, se uma região sofreu uma epidemia recente, é esperado que parte da população esteja protegida, o que reduz a chance do vírus se espalhar”, explica Viviane Boaventura. Nenhuma morte por zika e chikungunya foram registradas este ano no estado.
Obras Sociais Irmã Dulce participaram da criação da vacina contra a dengue
Na quinta-feira (2), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o registro de uma nova vacina para a prevenção da dengue. A Qdenga, da empresa Takeda Pharma Ltda., é composta por quatro diferentes sorotipos do vírus, conferindo uma ampla proteção. O Centro de Pesquisa Clínica das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) está entre os cinco núcleos do país responsáveis pelos ensaios clínicos que levaram à aprovação.
O imunizante é o único contra a dengue aprovado no Brasil para a utilização em pessoas que não tiveram exposição anterior à dengue e sem necessidade de teste pré–vacinação. A vacina é indicada para indivíduos de 4 a 60 anos de idade. Apesar da boa notícia, uma longa caminhada deverá ser percorrida até que o imunizante seja largamente disponibilizado.
Para que isso aconteça, a vacina deve ser analisada pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), que define um preço teto da vacina. Na sequência, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) analisará a incorporação na rede pública de saúde. Ou seja, o imunizante deve ser disponibilizado inicialmente em clínicas particulares.
Questionado, o Ministério da Saúde (MS) não deu prazo para que as análises sejam realizadas e disse apenas que o Conitec considera aspectos como eficácia, efetividade, segurança e impacto econômico.
Quem participou do longo processo para que a vacina fosse finalizada, comemora o passo importante para a erradicação da doença no país. O infectologista Edson Moreira, coordenador do Centro de Pesquisa Clínica das Obras Sociais Irmã Dulce, ressalta as dificuldades para a elaboração do imunizante.
“A vacina para dengue é um grande desafio porque a doença é causada por quatro subtipos de vírus. Nós tivemos que despertar uma resposta imune que fosse capaz de proteger os quatro tipos”, afirma o médico pesquisador. Para que a eficácia fosse suficiente, uma técnica conhecida foi utilizada. “Nós utilizamos a técnica do tipo dois do vírus vivo atenuado, que confere segurança à população. Vacinas contra o sarampo e a rubéola são feitas da mesma forma”, explica Edson Moreira. Violência dificulta o combate do mosquito em Salvador
Enquanto a vacina contra a dengue não chega à população, o combate ao Aedes aegypti continua sendo a forma mais eficaz para controlar os casos de dengue, zika e chikungunya. Porém, em Salvador, a saúde pública enfrenta um empecilho cruel: a violência urbana.
A meta da Secretaria Municipal de Saúde é que ao menos 80% dos domicílios da capital baiana sejam fiscalizados anualmente. Para isso, os agentes deveriam frequentar cada residência seis vezes ao ano, sendo uma visita a cada mês. A violência, no entanto, dificulta que os funcionários circulem em locais onde há conflitos armados.
“Todos os dias nós somos informados que não tem como trabalhar em certos locais por conta de conflitos e os agentes precisam ir para outras áreas. É difícil conseguirmos completar todos os ciclos por conta disso”, afirma Cristina Guimarães, subgerente de arboviroses.
Apesar do árduo trabalho dos agentes, o trabalho de prevenção é coletivo. “A gente pede para que o morador faça uma inspeção semanalmente em casa e evite recipientes com água parada”, completa.
*Com orientação da subeditora Fernanda Varela.