Profissão perigo: nove rifeiros foram mortos em Salvador e RMS neste ano
Polícia não fala na ligação entre casos, mas uma lista com nomes de novas vítimas faz suspender apostas
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Bruno Wendel
bruno.cardoso@redebahia.com.br
O primeiro foi Itamar. Logo depois, Jaciane. Em seguida, Joilson, Isabela, Willian e os gêmeos Ruan e Rubens. O casal Rodrigo e Hynara foi o mais recente. Todos eles vendiam rifas e foram assassinados no período de cinco meses em Salvador e Região Metropolitana. Apesar de a polícia não dar detalhes das investigações, as circunstâncias das 9 mortes fizeram outros “rifeiros” pararem com os sorteios. A situação ficou ainda mais tensa com a existência de uma suposta lista com nomes de pessoas que trabalham na mesma atividade marcadas para morrer.
A maioria das mortes em Salvador aconteceu em bairros próximos (Lobato, São Caetano, Pirajá, Campinas de Pirajá e Águas Claras) e registrada entre os meses de junho e julho. Já o caso mais atual ocorreu no último dia 11, em Barra do Jacuípe, em Camaçari, tendo como vítimas Rodrigo da Silva Santos, de 33 anos, o DG Rifas, e a mulher, Hynara Santa Rosa da Silva, 39, a Naroka. O casal era dono de uma empresa de rifas, que começou a funcionar há dois anos – eles eram influenciadores digitais e juntos somavam mais de 190 mil seguidores.
Seus nomes estariam na tal lista, comentada em conversas de grupos de aplicativo e citada por outros “rifeiros” (leia abaixo). O que se sabe de fato é que as vítimas tinham uma vida luxuosa resultante de diversos sorteios com prêmios que variavam de R$ 6 mil a R$ 50 mil para quem tivesse comprado o número premiado.
Assim como o jogo do bicho, as rifas são loterias não autorizadas, ou seja, são consideradas “jogos de azar” e equivalem a contravenções penais. Elas sempre existiram, mas não eram tão comuns como hoje, a ponto de concorrerem acirradamente com a máfia das bancas de apostas, ofertando carros de luxo e até quantias em dinheiro, como R$ 20 mil, com investimentos de ínfimos, que variam entre R$ 0,50 e R$ 1.
A “profissionalização” da venda de rifas veio com a pandemia, quando muitas pessoas perderam sua fonte de renda. Então, vendê-las virou o “ganha-pão” de muita gente e logo alguns “rifeiros” se destacaram, vendo nas redes sociais a possibilidade de lucrar mais e, assim, ganhando o status também de influenciadores digitais. Eles transmitem os sorteios semanais em seus perfis, ao mesmo tempo que expõem uma vida luxuosa, incluindo viagens internacionais e fotos com artistas. O casal DG Rifas e Naroka foi assassinado a tiros em Barra do Jacuípe (Foto: Reprodução) Segundo uma fonte do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que faz parte da equipe que apura as mortes, a popularização das rifas teria mexido com as bancas de apostas. “Já era esperado, porque houve uma redução significativa no lucro do jogo do bicho. Imagine só: ele (jogo do bicho) era soberano e, de repente, surge uma concorrência, que rapidamente se estabelecer nas comunidades. Os ‘rifeiros’ viraram celebridades e muita gente começa a comprar e também a vender rifas porque quer ter a mesma vida luxuosa ostentada pelos influenciadores. Isso tudo é uma ameaça para o jogo do bicho, por isso que estamos apurando se a morte do casal tem a ver com a disputa entre os jogos de azar”, declarou o policial.
A reportagem procurou o delegado Celso Bezerra, titular da delegacia de Monte Gordo, responsável pela investigação das mortes de DG Rifas e Hynara. Foi perguntado se está descartada a relação da morte do casal com os outros assassinatos e se algumas das execuções teriam partido do jogo do bicho. Porém, Bezerra disse que as informações do caso seriam repassadas pela assessoria de comunicação da Polícia Civil.
“Todos os crimes relacionados estão com Inquérito Policial em andamento, algum deles, já com indicativo autoria, porém detalhes não podem ser divulgados neste momento para não interferir no curso da investigação”, informa a nota, sem comentar a suposta lista com nomes de prováveis vítimas.
Lista Apesar de a PC ignorar o questionamento sobre a suposta lista, alguns influenciadores que ficaram conhecidos por vender rifas cancelaram sorteios de valores altos, com foi o caso do JR Premiações, com quase 60 mil seguidores no Instagram. Ele suspendeu o sorteio de meio milhão de reais, através de uma postagem em seu perfil.
No vídeo, ele comenta a morte de DG Rifas e Naroka e menciona também a tal lista. “Na minha caminhada nunca cancelei uma rifa e essa irei cancelar por motivo de estresse. De antemão, obrigado a vocês que estãoo me mandando mensagens preocupados comigo. Infelizmente estamos vivendo em um mundo cão. O que aconteceu lá com os colegas só Deus sabe .... Passando aqui só para dar uma satisfação a vocês, porque o meu direct está travando. Meu nome está girando numa lista que tem aí. Lista qualquer um pode fazer e mandar circular e foto qualquer pode tirar e escrever o que quer. E sobre a rifa de R$ 500 mil vou cancelar, vou tirar um tempinho pra mim (sic)”, disse ele.
Quem também anunciou a suspensão dos sorteios foi Jhonatha Soares. “Venho aqui avisar, que aquelas rifas baratinhas que a gente faz de centavos, um real, tô acabando com essas rifas, porque a demanda é muita gente, é isso e aquilo, entendeu? (sic)”, disse ele, em seu perfil do Instagram, com 101 mil seguidores.
A reportagem procurou os dois influenciadores através dos seus perfis no Instagram, mas eles não responderam. Após morte de casal, outros "rifeiros" famosos cancelam sorteios e alegam estresse (Foto: Reprodução) O medo também atingiu aqueles vendedores não tão famosos assim. “Eu não tenho outra forma de garantir a comida dos meus filhos. Estou há dois anos desempregada. Depois do que aconteceu, só passo rifa para as pessoas conhecidas e vizinhos. A gente não sabe o que realmente está acontecendo”, disse uma mulher, que preferiu não revelar o nome.
Ela é moradora de Pernambués, onde as rifas são tão procuradas quanto o jogo bicho. “Aqui já houve um problema sério, logo no início da pandemia, porque uma moça da banca usava o ponto para também vender rifa e quase se deu mal. Saiu daqui porque estavam atrás dela”, contou sem dar mais detalhes.
Mortes As mortes de DG Rifas e Naroka ainda é um mistério, pois pouco se sabe o autor ou autores dos disparos que vitimaram o casal, muito menos a causa da morte. Pessoas próximas ao casal afirmaram que, apesar dos agentes da 59ª CIPM, que atua na região do Canto do Rio Jacuípe - onde o caso foi morto - terem recebido denúncia da ocorrência por volta das 18h30 do dia 11 deste mês, os suspeitos estavam observando os dois ao longo de todo o dia. A informação que se tem é que os dois receberam tiros na cabeça e no peito, morrendo no local.
O primeiro “rifeiro” assassinado que se tem notícia foi Itamar, o Guiga Rifas. Ele morreu no 22 de junho, na região do subúrbio. Em seguida, a “rifeira” Jaiane Costa dos Santos, 22, encontrada no bairro de Águas Claras no dia 6 de junho – ela estava desaparecida há um mês. O corpo estava em estado avançado de decomposição e o reconhecimento inicial só foi possível por causa da tatuagem em uma das pernas dizendo “Deus tem a força e eu tenho a fé”.
No dia 15 de julho, a polícia encontrou o corpo da também “rifeira” Isabela do Espírito Santo, 23, no bairro de Pirajá. Ela estava desaparecida desde o dia 20 de junho. No dia em que foi vista pela última vez, ela foi vista com um homem. Em seguida, foram assassinados os gêmeos Ruan e Rubens Santos, de 23 anos no bairro do Lobato, no dia 25 de julho. Os “rifeiros” foram sequestrados quando realizavam uma festa paredão. Os irmãos moravam no Alto do Cabrito. O corpo da rifeira Jaiane foi encontrado em estado de decomposição em Águas Claras (Foto: Reprodução) Joilson Pires Damasceno Falcão, 23, foi assassinado no bairro de Campinas de Pirajá, no dia 26. Na ação, outras duas pessoas também foram baleadas, entre elas o irmão de Joilson, e uma mulher que passava pelo local. E no mesmo dia, uma mulher trans, que também vendia rifas, foi brutalmente assassinada com golpes de faca em São Caetano. O nome de registro da vítima é Willian Santos, 32, que estava em um ponto de ônibus quando atacada.
Contravenção Não há lei que ampare ou autorize a rifa e o jogo do bicho. Os sorteios com o pagamento com dinheiro vivo são exclusivos de loterias públicas, pois são possíveis de auditar. Os “jogos de azar” (isso incluiu também as máquinas de caça-níqueis) não têm efeitos jurídicos válidos e por isso não geram obrigações de pagamento. Além disso, não há um controle de sua comercialização, podendo gerar lucros excessivos aos organizadores e, não sendo uma atividade não registrada, não há pagamentos de impostos.
Em novembro deste ano, a Polícia Civil pôs fim em um esquema uma rifa de veículos durante uma operação na cidade de Correntina, no oeste da Bahia. Quatro mandados de busca e apreensão foram cumpridos na casa de pessoas que são investigadas por suspeita de participação no esquema. Foram apreendidos um veículo Toyota Hilux, um Golf, m Gol Volkswagem e um Fiat Palio, todos utilizados em rifas ilegais. Polícia desarticula esquema ilegal de rifas de veículos em Correntina (Foto: Polícia Civil/ Divulgação) As investigações começaram em agosto, contou o delegado Marcelo Calçado, de Correntina. “Recebemos a denúncia, inicialmente sobre o cancelamento de rifas sem a devolução integral do pagamento pelas apostas. O próximo passo é identificar a participação de suspeitos e as respectivas responsabilizações dos mesmos”, explicou na ocasião.
A polícia apreendeu também celulares que eram usados nas rifas. Todos passarão por perícia. Agora, a investigação segue para identificar outros suspeitos.
“Rifeiros” assassinados em 2022:
22/06 – Itamar “Guiga Rifas” (Subúrbio)
06/07 – Jaiane Costa dos Santos, 22 anos (Águas Claras)
15/07 – Isabela do Espírito Santo, 23 anos (Pirajá)
25/07 – Ruan e Rubens Santos, 23 anos (Lobato)
26/07 – Joilson Pires Damasceno Falcão, 23 anos (Campinas de Pirajá)
26/07 – Willian Santos, 32 anos (São Caetano)
11/12 – Rodrigo da Silva Santos, 33 anos, e Hynara Santa Rosa da Silva, 39 (Barra de Jacuípe, Camaçari)