Pescadores à deriva fizeram moqueca enquanto aguardavam o resgate
Eles passam quatro dias no mar à espera de socorro
-
Gil Santos
gilvan.santos@redebahaia.com.br
Era para ser mais um dia comum de trabalho. Antônio Moreira, 74 anos, o Mestre como é conhecido entre os colegas pescadores, preparou o material da pescaria, e separou algumas frutas, água e farinha. Ele e o amigo, Raimundo Valério, 75, zarparam da Ribeira, na Cidade Baixa, às 9h45, na quinta-feira (7). Era uma manhã ensolarada. A intenção era voltar no dia seguinte com o barco abarrotado de peixes, mas os dois acabaram embarcando em uma aventura.
Antônio contou que estavam seguindo para a Baixada do Freitas, uma área rica em dentões, guaricema e outras espécies de peixes. O tempo estava bom e a viagem seguia tranquila até que por volta das 15h o motor da embarcação começou a fazer um barulho estranho. “A hélice parou de funcionar. Era um problema no reversor, uma peça no motor”, contou Antônio. Antônio atua há 40 anos como pescador e nunca havia passado por situação parecida (Foto: Gil Santos/ CORREIO) Ele e Raimundo tentaram por alguns minutos resolver o problema, mas quando perceberam que não haveria solução entenderam que precisavam voltar para a costa. Correram até o aparelho celular para pedir ajuda, mas tiveram outra surpresa. “O telefone não estava funcionando, parou”, relatou. Começava aí os quatro dias à deriva dos dois pescadores.
Náufragos Raimundo e Antônio são pescadores há mais de 40 anos. O Barco do Noé, como foi batizada a embarcação em que eles estavam, pertence a Raimundo e tem nove metros de comprimento. Os dois amigos são conhecidos do Lobato, no Subúrbio Ferroviário, e muito queridos entre os colegas barqueiros.
A primeira coisa que Antônio e Raimundo fizeram foi amarrar um pano branco na parte mais alta do barco para sinalizar para outros pescadores ou marinheiros que passassem pela região de que precisavam de ajuda, e em seguida começaram a racionar a comida.
Como a intenção era passar apenas uma noite no mar, eles não levaram muito alimentos. As frutas foram as primeiras a terminar. Eles fizeram um pirão com a farinha, e usaram os utensílios e o azeite que levaram, e os peixes que pescaram para fazer uma moqueca improvisada. Nesse momento, ainda havia água potável.
“Tinha outras coisa me preocupando. Eu tenho alguns problemas de saúde, sou diabético, e tinha esquecido de levar o remédio. Tenho que tomar um comprimido pela manhã e outro a noite, mas, graças a Deus, não senti nada. Nessas três noites que passamos no mar, eu fiquei bem”, contou Antônio.
Na tarde de sexta-feira, depois das primeiras 24horas à deriva, eles avistaram um barco. O pescador se aproximou para saber como eles estavam, foi informado do problema, mas não pode fazer muita coisa. A embarcação do visitante era pequena e não tinha condições de fazer o reboque. O barqueiro encontrou então outra forma de ajudar, ele emprestou o celular para Antônio ligar para a família, e deu certo. Porto do Lobato é local de trabalho para cerca de 40 pescadores (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Resgate Nem do Barco estava na oficina dele, às margens do Porto do Lobato, quando viu o alvoroço dos pescadores. A notícia de que Antônio e Raimundo estavam à deriva desde a tarde de quinta-feira mobilizou os colegas para fazer o resgate. “Aqui o pessoal é muito unido quando acontecem essas coisas, então, arrumaram um barco e foram atrás deles”, contou Josenildo Pereira, o Nem do Barco.
Eles saíram em busca dos amigos, seguindo as coordenadas que os dois deram ao telefone, mas depois de horas de varreduras no mar ainda não havia sinal do Barco do Noé. Era a hora de acionar a Marinha.
O comandante Marcelo Brasil coordenou a operação de salvamento e contou que os dois estavam em uma região de mar aberto e distante da costa. Ele frisou que o tempo é precioso nesses casos e aconselhou aos familiares de pescadores à deriva que ao tomar conhecimento do caso contate imediatamente a Capitania dos Portos pelo telefone 185.
“A informação era de que havia uma embarcação à deriva nas proximidades de Caixa Prego, com dois tripulantes a bordo. Um navio fez as buscas, e no segundo dia encontramos os dois a mais de 10 milhas de Caixa Prego. Eles estavam à deriva desde quinta-feira, mas isso só nos foi informado na noite de sábado, se tivéssemos sido informados antes o resgate poderia ter sido mais rápido”, contou.
Equipe do Grupamento Aéreo da Polícia Militar (Graer) também auxiliaram nas buscas, mas os dois pescadores foram localizados apenas no início da noite de domingo (10), quatro dias após identificarem o problema no motor. Eles foram resgatados por um navio corveta da Marinha, estavam hidratados, calmos, mas famintos.
O Barco de Nóe, palco dessa aventura, foi conduzido para a Capitania dos Portos, no bairro do Comércio, para passar por perícia. Com 40 anos atuando como pescador, essa foi a primeira vez que Antônio ficou tanto tempo à deriva, mas isso não desanimou o barqueiro. Perguntado se ainda voltaria ao mar, respondeu sem titubear. “Com certeza. Eu não vejo a hora de voltar”, disse.